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Economia

Governo usou cálculo errado para aprovar operação com bancos na conta de luz, aponta Aneel

As contas foram feitas por determinação do governo pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), uma entidade civil responsável por intermediar a compra e venda de energia no país

Redação Jornal de Brasília

29/10/2024 15h07

Foto: Banco de imagens

FÁBIO PUPO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

O Ministério de Minas e Energia usou cálculos errados para aprovar uma operação com bancos que tinha a justificativa anunciada de baixar a conta de luz, apontam documentos reunidos pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). O valor previsto com o benefício, inicialmente estimado em R$ 510 milhões, caiu 90% (para R$ 46,4 milhões) após a operação ter sido homologada.

As contas foram feitas por determinação do governo pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), uma entidade civil responsável por intermediar a compra e venda de energia no país.

A operação havia sido liberada em abril por uma MP (medida provisória) assinada pelo presidente Lula (PT) e pelo ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia), que autorizaram a CCEE a negociar no mercado financeiro a antecipação de recursos que seriam pagos pela Eletrobras -pagamentos previstos desde a lei de privatização da empresa para serem feitos ao longo dos anos.

A intenção anunciada pelo governo em abril era baixar a conta de luz por meio da quitação das chamadas contas Covid e Escassez Hídrica (criadas em momentos de crises nos anos anteriores), embora já houvesse apontamentos no setor sobre um efeito contrário da medida no futuro. A MP falava que a operação de antecipação estaria autorizada “desde que caracterizado o benefício para o consumidor”.

Em 7 de agosto, o Ministério de Minas e Energia publicou a homologação da operação, com o diagnóstico que haveria benefício ao consumidor, e a pasta citou em entrevista à imprensa uma vantagem de R$ 500 milhões. A operação foi fechada com um consórcio integrado por Banco do Brasil, Itaú BBA, Bradesco, BTG e Santander.

Dois dias depois, a CCEE enviou à Aneel os documentos da operação com um anexo que continha a planilha com a memória de cálculo apontando o benefício ao consumidor de R$ 510 milhões. No mês seguinte, no entanto, a agência pediu mais informações à Aneel sobre os números.

A CCEE informou ajustes nos cálculos em 11 de setembro e fez nova alteração em outubro. Em seu site, publicou o valor final de benefício ao consumidor de R$ 46,4 milhões.

Na época da MP, a exposição de motivos (documento que traz a justificativa do governo para a medida), afirmava que a antecipação traria uma redução tarifária de até 3,5% para os consumidores em 2024. Mas o benefício médio final calculado pela área técnica da Aneel é de 0,02%.

O relator do caso na Aneel, diretor Fernando Mosna, afirmou que a “alteração substancial do benefício econômico ao consumidor pode potencialmente configurar erro grosseiro”. De acordo com ele, esse tipo de caso é definido como aquele “caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”.

Ele aponta ainda que houve um pré-pagamento aos bancos de 3% sobre o saldo devedor das contas Covid e Escassez Hídrica, gerando um custo de R$ 285,1 milhões. “[Isso] demonstra que a maior parte do valor movimentado na operação beneficiou diretamente os credores [bancos], não os consumidores”, afirmou Mosna.
Além do benefício médio menor, os técnicos da agência concluíram que o efeito sobre a tarifa vai ser distinto entre os consumidores. Na maior parte dos casos, aponta a agência, a operação não será favorável.

Felipe Augusto Cardodo, gerente de Regulação da Aneel, afirma que 50 distribuidoras se beneficiaram e para 53 a operação não foi vantajosa. “Empresas que tinham mais recursos a receber da Eletrobras do que o valor a pagar de [contas] Covid e Escassez acabaram cedendo recursos a terceiros”, disse.

“Já empresas da coluna verde tinham um saldo a pagar superior a receber da Eletrobras. Por isso elas têm um VPL [valor presente líquido, decorrente da operação] positivo; enquanto as outras, negativo. Porque a política pública alterou a alocação desses recursos”, afirmou.

Os quatro diretores presentes na reunião da Aneel votaram a favor de duas propostas de encaminhamento de Mosna. São elas a instauração de fiscalização para avaliar a atuação da CCEE e a criação de uma consulta pública de 45 dias para obter subsídios e informações adicionais sobre o processo da antecipação dos recebíveis.

Apenas outro diretor acompanhou integralmente o voto de Mosna, que sugeriu também encaminhar o processo à CGU (Controladoria-Geral da União) para que o órgão avalie uma sindicância ou processo administrativo disciplinar contra o secretário de Energia Elétrica do MME, Gentil Nogueira de Sá Junior -que homologou a operação com o diagnóstico do benefício.

Além disso, Mosna recomendou encaminhar o processo ao Congresso, para ser analisado por comissões, e ao TCU (Tribunal de Contas da União) para uma auditoria.

O caso é relatado enquanto o governo tem feito uma pressão pública sobre a Aneel, a acusando, por exemplo, de inação diante de interrupções de energia na área de concessão da Enel na cidade de São Paulo.

Procurados, MME e CCEE ainda não haviam respondido até a publicação deste texto.

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