DANIELE MADUREIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Um seleto grupo de indivíduos com patrimônio familiar acima de 50 milhões de francos suíços (R$ 330 milhões) está apreensivo com o planejamento da sucessão (por conta de conflitos com herdeiros), as instabilidades políticas em nível global e o aumento da tributação sobre suas fortunas. Estas são as principais questões que tiram o sono dos ultrarricos, segundo a pesquisa Family Barometer, do banco suíço Julius Bauer, especializado na gestão de fortunas, realizada em parceria com a PwC.
O levantamento ouviu 1.800 gestores dos recursos de famílias ultrarricas ao redor do mundo, dedicados a cuidar do seu patrimônio. Segundo Maria Mosquera, chefe de planejamento patrimonial do Julius Bauer para as Américas e a península Ibérica, a maior preocupação das famílias “UHNWI” (Ultra High Net Worth, ou patrimônio líquido ultra-alto, em tradução literal) é garantir uma transferência de riqueza bem-sucedida.
“A transferência de riqueza intergeracional é a prioridade máxima”, disse Mosquera, em entrevista à reportagem. “As famílias estão profundamente preocupadas em garantir uma transição suave de liderança”, afirma. Para isso, sentem que é preciso tornar esse processo mais claro e objetivo. A pesquisa apontou que essa preocupação é particularmente maior no Oriente Médio.
Nesse processo, pesa a transparência nas discussões com herdeiros sobre transferência de riqueza. As famílias da América Latina e da Europa se comunicam mais abertamente, mas as do Oriente Médio e da Ásia têm um diálogo mais restrito, afirma.
“As famílias da América Latina e da Europa também se mostram mais propensas a envolverem profissionais em reuniões familiares e dão maior prioridade à educação dos herdeiros”, diz.
NA MAIORIA DAS EMPRESAS NO BRASIL, RIQUEZA SE DISSIPA NA SEGUNDA GERAÇÃO
No Brasil, Maria Mosquera destaca que as empresas familiares têm um papel fundamental na economia: representam mais de 60% do PIB (Produto Interno Bruto) e empregam 75% da força de trabalho.
Mas dentro das empresas familiares brasileiras, a riqueza se dissipa em 70% dos casos na segunda geração e 90% na terceira, afirma. “Temos aconselhando empreendedores e famílias brasileiras sobre a importância de desenvolverem uma estratégia de planejamento patrimonial que considere aspectos como preservação da riqueza, diversificação de riscos e um plano mais sistemático sobre como transferir negócios e patrimônio para as próximas gerações”, diz ela. Para isso, é preciso investir na governança familiar.
A pesquisa revela que, em nível global, 97% dos casos de falha na transmissão da riqueza entre as gerações ocorrem por problemas dentro da própria família -e não a fatores externos. Essas questões envolvem, por exemplo, falta de comunicação e confiança, além da preparação inadequada dos herdeiros e a falta de uma visão familiar alinhada com os objetivos do negócio.
“Curiosamente, a pesquisa identificou que o maior obstáculo às discussões sobre transferência de riqueza entre os detentores e os destinatários do patrimônio é o medo do conflito”, diz ela. De acordo com o levantamento, 22% das famílias acreditam que as discussões sobre transferência de riqueza simplesmente não são necessárias.
Se o conflito existe dentro de uma família, isso vai atrapalhar a comunicação e a preparação dos herdeiros, o que requer muita habilidade para alinhar expectativas, diz. “Quando uma família tem a sorte de ainda não estar em conflito, explicamos a relevância desse tipo de discussão, que em muitos casos inclui o alinhamento entre as diferentes gerações da família, e talvez até mesmo dentro dos ramos familiares”, afirma.
“O processo pode não ser confortável, o remédio pode ter um gosto ruim, mas é necessário para garantir a preservação da riqueza de uma família para as gerações futuras.”
NA AMÉRICA LATINA, PREOCUPAÇÃO MAIOR COM SEGURANÇA E TRIBUTAÇÃO
Na América Latina, a pesquisa apontou que uma das maiores preocupação das famílias é com a segurança pessoal. “Ao aconselhar famílias, vimos um interesse particular na diversificação de ativos para mitigar riscos”, diz a especialista. “Não só em relação ao universo de investimentos, mas à localização do patrimônio e até a residência de membros da família”, afirma.
“Muitas famílias têm mais de um passaporte, e isso lhes permite maior mobilidade quando se trata de estudar no exterior, por exemplo, especialmente considerando as novas gerações”, diz. Com isso, elas garantem melhor qualidade de vida, segurança física, liberdade financeira e oportunidades econômicas.
O aumento da tributação sobre fortunas também ganha destaque na pesquisa deste ano, especialmente na América Latina, Europa e Ásia. “Tensões políticas e mudanças de governo em algumas das principais economias do mundo nos últimos tempos significam que as mudanças e regulamentações fiscais continuarão a ser importantes para famílias ricas no futuro próximo”, diz.
No Brasil, as atuais mudanças nas regulamentações e tributação aumentaram a necessidade das famílias de contemplarem uma estratégia de planejamento patrimonial “mais holística”, diz ela, envolvendo consultores jurídicos, tributários e internacionais.
Dentro deste contexto, a política mundial é ponto de preocupação. “Quando as famílias enfrentam instabilidade ou risco externo, elas buscam orientação profissional para garantirem resiliência às suas estratégias de gestão de patrimônio.”
Segundo Maria Mosquera, a Julius Baer não recomenda diversificar os investimentos em diferentes geografias. “Em alguns países, os ativos estrangeiros ou ativos que não são devidamente relatados são tributados a uma taxa de imposto mais alta”, afirma.
As famílias ultrarricas se interessam por investimentos imobiliários. “As avaliações de investimentos imobiliários se mostram favoráveis neste momento, pois bancos centrais como o Fed [EUA] e o BCE [Europa] começaram a cortar as taxas”, diz. “No longo prazo, é atraente porque é um ativo real que te protege contra a inflação. Além disso, a renda do aluguel gera fluxos de caixa consistentes.”