ANA PAULA BRANCO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
A decisão do governo dos Estados Unidos de manter tarifas de 40% sobre produtos como o café causou frustração e preocupação entre produtores brasileiros. Eles pedem a manutenção das negociações com os americanos.
Decreto assinado pelo presidente Donald Trump eliminou tarifas de 10% sobre uma série de produtos, principalmente agrícolas, de todo o mundo. Ficou mantida, no entanto, a sobretaxa imposta a itens vendidos pelo Brasil.
“Nossa competitividade segue afetada, se não, até pior, porque nossos concorrentes estão isentos, e o Brasil segue com a tarifa de 40%”, afirma Marcos Matos, diretor-geral do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil).
O temor é que países como Colômbia, Costa Rica, Etiópia, Vietnã e Indonésia ocupem o espaço nos blends (mistura de grãos) vendidos aos americanos, e que o consumidor do país se acostume aos novos sabores. “Cada dia que passa é um prejuízo enorme, cada dia que passa fica mais difícil ou irreversível ocupar novamente os espaços nesses blends”, afirma Matos.
Segundo dados da BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais), entre agosto e outubro deste ano as exportações de cafés especiais do Brasil para os EUA caíram 55% em relação ao mesmo período de 2024, de 412 mil para 190 mil sacas de 60 kg.
A BSCA defende que o governo brasileiro acelere as negociações com Washington para tentar remover por completo as barreiras para que o fluxo comercial seja normalizado o mais rápido possível.
Análise preliminar feita pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) indicou que 80 produtos agrícolas exportados pelo Brasil aos Estados Unidos serão beneficiados pela remoção da tarifa global. Eles representaram, em 2024, US$ 4,6 bilhões em vendas aos americanos (11% do total).
De acordo com o levantamento, quatro produtos ( castanha-do-pará e três tipos de suco de laranja) ficarão isentos de taxas, em razão de já estarem na primeira lista de cerca de 700 exceções abertas pelo governo americano, em julho.
“Outros 76, que incluem carne bovina e café não torrado, setores em que o Brasil se destacava como fornecedor, tiveram a taxação total reduzida, mas ainda enfrentarão 40% de tarifa para entrar no mercado americano”, diz a entidade.
As tarifas adicionais aplicadas pelos EUA em agosto provocaram prejuízos estimados em US$ 700 milhões ao setor de carne bovina, segundo estudo da Abrafrigo (Associação Brasileira de Frigoríficos). As vendas totais de carne e subprodutos para o mercado americano recuaram 36,4% no trimestre de vigência das medidas.
Em outubro, a retração foi ainda mais forte. O levantamento mostra que as vendas de carne bovina in natura para os EUA caíram 54% em relação ao mesmo mês de 2024. O embarque de carne industrializada recuou 20,3%, e o de sebo e outras gorduras bovinas, 70,4%.
Apesar da queda recente, o ritmo forte das exportações no início do ano fez a receita acumulada de janeiro a outubro com os EUA crescer 40,4%, para US$ 1,79 bilhão (cerca de R$ 9,5 bilhões). Segundo a Abrafrigo, os resultados seriam mais altos caso as tarifas não tivessem sido aplicadas.
O crescimento do mercado de carne foi sustentado pela demanda chinesa e pela União Europeia.
A China segue como principal destino da carne bovina brasileira. No acumulado dos dez primeiros meses do ano, as exportações totais de carne e derivados somaram US$ 14,65 bilhões (R$ 77,60 bilhões), alta de 36% na comparação anual e recorde histórico, de acordo com a entidade.
Roberto Perosa, presidente da Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne), do ponto de vista da concorrência com outros exportadores, a redução anunciada não traz prejuízo ao Brasil.
“Mesmo com tarifas muito altas, o Brasil manteve embarques para os EUA, porque hoje há uma forte demanda americana por matéria-prima para a indústria, e poucos países conseguem suprir esse volume com regularidade”, afirma Perosa.
O executivo diz ainda que a redução não nos coloca em desvantagem porque o produto brasileiro não compete diretamente com Austrália, Canadá ou México no varejo americano. “Esses países vendem majoritariamente carne premium, e o Brasil fornece sobretudo cortes do dianteiro para processamento [em especial para a produção de hambúrgueres], um nicho em que a disponibilidade global é limitada”, afirma.
O Brasil, segundo Perosa, já operava num ambiente muito mais desfavorável em relação aos demais exportadores, e qualquer alívio tarifário tende a reduzir essa assimetria, não ampliá-la.
Em contraste com o cenário de perdas na carne bovina e no café, o setor de suco de laranja teve um alívio, embora parcial.
O governo americano incluiu todos os códigos tarifários do suco brasileiro –tanto o concentrado quanto o não concentrado– no anexo de produtos isentos da sobretaxa recíproca de 10%.
A medida reduz a pressão competitiva sobre o produto nacional em um momento de preços internacionais mais baixos, segundo a CitrusBR (Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos).
A isenção, porém, não elimina o custo total: permanece vigente a tarifa tradicional de US$ 415 por tonelada de suco concentrado, aplicada há décadas, e subprodutos como óleos essenciais e farelo de laranja continuam sujeitos às tarifas adicionais.
A entidade espera que as negociações avancem para remover todas as barreiras impostas à cadeia cítrica.