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Opinião

Especialista explica discussão sobre hospedagem por meio de plataformas digitais

Em fevereiro de 2019 a discussão sobre hospedagem em condomínios residenciais por meio de plataformas digitais como Airbnb chegou ao STJ

Redação Jornal de Brasília

23/04/2021 13h34

Dr. Wilker Lucio Jales*

A discussão teve início quando um condomínio no Rio Grande do Sul recorreu à justiça para proibir que um condômino alugasse sua unidade por meio da plataforma Airbnb, já que a Convenção veda a atividade comercial no condomínio. Para o condomínio a atividade de locar quartos caracteriza-se como contrato de hospedagem.

É de amplo conhecimento que o Airbnb é uma plataforma online de hospedagem de curta duração. O proprietário (anfitrião) pode alugar o seu espaço (inteiro ou apenas um cômodo) criando seu anúncio na plataforma que garante o pagamento em até 24h após o horário programado para o check-in do hóspede . No site da plataforma fica evidente tratar-se de uma “hospedagem”, assim como está disponível um alerta sobre “regras e regulamentos locais”.

A empresa alerta seus “anfitriões” sobre as restrições legais, eventual necessidade de autorização ou licença antes de anunciar a propriedade ou aceitar hóspedes, proibições e necessidade de aprovação da associação de moradores do prédio” .

Nesse sentido, considerando as formas de locação disciplinadas na legislação brasileira atualmente, atividades como essa poderiam se enquadrar na locação por temporada, prevista no art. 48, da lei n° 8.245/91 (lei do inquilinato), ou, na hospedagem para turismo, prevista na Lei n° 11.771/08.

A primeira é destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, enquanto a segunda trata da hospedagem para turismo, voltada para estabelecimentos de hotelaria.

Para o STJ, a locação por temporada estabelece prazo máximo de 90 dias e o oferecimento de serviço não está incluído no rol de direitos e deveres de locador e locatário . Já o contrato de hospedagem tem, além da prestação de serviços incluída no valor da diária, a finalidade de exploração comercial da atividade.

Quanto ao tema, o professor Silvio Venosa em artigo publicado em fevereiro de 2019, explica a diferença entre os institutos, referindo-se inclusive aos Condomínios e o Aribnb :

Em princípio o instituto seria regulado pela lei 11.771/08, que trata da hospedagem para turismo, mas essa lei está voltada para estabelecimentos de hotelaria. Não se amolda, em absoluto, para conjuntos residenciais comuns. A lei do inquilinato (arts. 48 a 50 da lei 8.245/91) prevê a locação por temporada por até noventa dias, mas dirige-se a outra classe de inquilinos e não a hóspedes.

A locação por temporada se destina a lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras no imóvel do locatário e situações símiles, como dispõe o art. 48. Porém, há que se ressaltar que na locação por temporada há locatários e não hóspedes. Essa compreensão é fundamental. A locação por temporada somente se perfaz com contrato escrito, pois exige o prazo determinado, sendo incompatível o contrato verbal.

Considerando a peculiaridade do caso em discussão no REsp n° 1.819.075, o STJ entendeu que o negócio proposto pela dona do imóvel não se amolda a locação residencial ou mesmo locação por temporada. Nas palavras do Ministro Raul Araújo, a unidade residencial “é a morada de quem chega e fica. Não é pousada eventual de quem se abriga em um lugar para partir de outro”.

Para o ministro, as unidades em condomínios exclusivamente residencial devem ser utilizadas para residência (morada habitual e estável) ou domicílio (residência com a intenção de permanência definitiva) e não para hospedagem (habitação temporária).

A decisão parece adequada, pois ao se utilizar a unidade para hospedagem (habitação temporária) dá-se à unidade residencial, ainda que indiretamente, caráter comercial, o que afronta o disposto no inciso V, do art. 1.336, do Código Civil que estabelece como “dever” do condômino o de dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação.

Sabe-se que a preocupação daqueles contrários à locação de unidade residencial por meio de plataformas digitais como o Airbnb é a alta rotatividade, insegurança, interferência do sossego, indiferença à vida condominial e a falta de preparo de síndico e zeladores que acabam se tornando recepcionistas sem o mínimo preparo. A questão se agrava em condomínios com portaria remota, pois, para que o condômino tenha acesso é necessário o prévio cadastro.

Imagine um condomínio de 500 unidades em que 10% alugam por curtos períodos e, a cada novo “hospede”, é necessário um novo cadastro? Para esses atores, preparar um condomínio para o suporte a esse tipo de “hospedagem” oneraria demasiadamente os demais condôminos e transformaria o condômino indiscutivelmente em uso comercial para exploração de atividade comercial.

Nesse sentido, ficam permitidas, nos condomínios de uso exclusivamente residencial, a locação por temporada que conforme os ensinamentos do Professor Silvio Venosa são aquelas por até 90 dias dirigidas à inquilinos e destinada à residência temporária do locatário e não apenas à hospedagem.

Considerando a falta de regulamentação das plataformas digitais para locação de imóveis residenciais, a decisão do STJ deixa claro que o contrato de hospedagem realizado por meio de plataformas como o Airbnb é atípico, não se enquadra em locação residencial, por temporada ou ainda hospedagem, mas não configura atividade ilícita, desde que exercida nos limites da legislação.

O Ministro Raul Araujo em seu voto esclareceu ainda que é inquestionável o direito do proprietário de dispor livremente de sua unidade residencial, mas a lei também lhe impõe o dever de observar a sua destinação e usá-la de maneira não abusiva, com respeito aos direitos relativos à segurança, ao sossego e à saúde das demais múltiplas propriedades abrangidas no condomínio e de acordo com as razoáveis limitações aprovadas pela maioria de condôminos na convenção do condomínio, pois são limitações concernentes à natureza da propriedade privada em regime de condomínio edilício.

Assim, a decisão é no sentido de que caso a convenção do condomínio preveja a destinação residencial das unidades, os proprietários não poderão alugar seus imóveis por meio de plataformas digitais como o Airbnb. No entanto, a convenção do condomínio pode autorizar a utilização das unidades nessa modalidade de aluguel .

Portanto síndicos e condôminos, a decisão deixa mais um alerta sobre a importância de se atualizar as normas internas do condomínio para adequá-las às necessidades da maioria e às inovações sociais e tecnológicas. Sabendo que a maior dificuldade para isso é a obtenção do quórum, tramita na Câmara dos Deputados o PL 548/2019 de autoria da

Senadora Soraya Thronicke – PSL/MS para permitir à assembleia de condôminos votação por meio eletrônico ou por outra forma de coleta individualizada do voto dos condôminos ausentes à reunião presencial, quando a lei exigir quórum especial para a deliberação da matéria.

O projeto, que tem apreciação conclusiva pelas Comissões, encontra-se com parecer favorável e aguarda ser votado na CCJ. Se aprovado e sancionado sem vetos, regulamentará em definitivo a assembleia virtual, assim como a possibilidade de quando a uma deliberação exigir quórum especial previsto em lei ou convenção e este não for atingido, a própria a assembleia, por decisão da maioria dos presentes, autorizar o presidente a declarar a reunião em sessão permanente por até 60 (sessenta) dias.

A facilidade para se obter o quórum necessário para a alteração das normas internas (Convenção e Regimento) não retira a necessidade de que o condomínio seja assessorado por advogado, de preferência especialista na área, para elaboração de texto que reflita não somente a necessidade dos condôminos, mas garanta a compatibilidade com a legislação em vigor.

Dr. Wilker Lucio Jales* é advogado especialista em assuntos condominial

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