São Paulo, 06 – O apetite de investidores globais por divisas emergentes, em especial as latino-americanas, e a aproximação entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil) e Donald Trump (Estados Unidos), que se falaram por telefone nesta segunda-feira, 6, impulsionaram o real na abertura da semana. Tirando uma alta pontual no início dos negócios, quando registrou a máxima da sessão, a R$ 5,3505, o dólar à vista operou em baixa no restante do dia. Após mínima de R$ 5,3087, fechou a R$ 5,3107, queda de 0,49%, levando as perdas no ano a 14,07%.
“O dólar se fortaleceu em relação a pares desenvolvidos, como o euro e o iene, mas perdeu força quando comparado a divisas emergentes, com investidores promovendo uma rotação de carteira””, afirma o economista Rafael Prado, da GO Associados.
Termômetro do comportamento do dólar ante uma cesta de seis divisas fortes, o Dollar Index (DXY) subiu mais de 0,30% e voltou a superar o nível dos 98,000 pontos, com máxima em 98,499 pontos. A crise política na França, com a renúncia precoce do primeiro-ministro do país, Sébastien Lecornu, pesou sobre o euro
O grande perdedor do dia, contudo, foi o iene, que amargou desvalorização de mais de 1,80% em relação ao dólar, diante da possibilidade de que a ultraconservadora Sanae Takaichi, que passou a chefiar o governista Partido Liberal, possa se tornar primeira-ministra no Japão.
Prado, da GO Associados, ressalta que o iene é muito utilizado como moeda de financiamento para operações de carry trade.
“A desvalorização do iene acaba favorecendo moedas de países de juros altos como o Brasil e ajuda a explicar a valorização do real mesmo com um DXY mais forte”, afirma Prado, ressaltando que o desempenho da divisa brasileira em 2025 está muito atrelado ao comportamento do índice. “O DXY e o diferencial de juros são os principais drivers do real no ano. A questão fiscal ficou em segundo plano.”
O real apresentou nesta segunda-feira os maiores ganhos entre as divisas latino-americanas. Já no grupo de emergentes, o grande destaque do dia foi o rand sul-africano, com valorização de mais de 0,70% frente ao dólar. As cotações internacionais do petróleo subiram mais de 1%, o que pode ter ajudado moedas emergentes e de países exportadores de commodities.
Pela manhã, o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, adotou tom duro em evento da Fundação Fernando Henrique Cardoso (FHC), em São Paulo, ao dizer que a busca pela meta de inflação, de 3%, é um comando legal do qual o BC não pode se desviar.
A perspectiva de manutenção da taxa Selic em 15% até, pelo menos, o fim deste ano, combinada à possibilidade de novos cortes de juros pelo Federal Reserve nos próximos meses, tende a apreciar o câmbio, dizem analistas.
Para o economista André Perfeito, a valorização do real nesta segunda-feira parece ligada à conversa por telefone entre Lula e Trump, uma vez que há “quedas relevantes de algumas ações” e tanto o DXY quanto as taxas dos Treasuries subiram.
“Na ausência de maior notícia que possa justificar esse movimento acredito que a nota da Secom apontando a conversa entre Lula e Trump pode justificar o movimento”, disse Perfeito, em referência às informações transmitidas pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. “Pelo que consta, a conversa foi amigável. Isso sugere uma volta à normalidade diplomática e retira parte das pressões entre os dois países”.
Segundo nota da Secom, em conversa de cerca de 30 minutos, Lula pediu que Trump retire a sobretaxa de 40% imposta a produtos brasileiros e volte atrás nas sanções a autoridades locais, como ministros de Estado e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Trump designou o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, para tocar as negociações. Do lado brasileiro, estarão o vice-presidente Geraldo Alckmin e os ministros das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e da Fazenda, Fernando Haddad. Há possibilidade de um encontro pessoal entre Trump e Lula.
“A conversa entre Lula e Trump ajuda a fortalecer o real, porque reduz a tensão entre os dois países e pode resultar em redução de tarifas”, diz Prado, da GO Associados, lembrando que o real sofreu em julho, interrompendo um movimento forte de apreciação, justamente com o anúncio do tarifaço de Trump ao Brasil.
Bolsa
Em uma segunda-feira de poucos vetores para os negócios com ações, o Ibovespa voltou a convergir para os 143 mil pontos, após ter resistido entre os 145 e 146 mil pontos até o começo de outubro. O índice da B3 tem apresentado certa acomodação nas últimas sessões, mostrando dificuldade de avanço depois de uma longa série de máximas históricas desde o encerramento de agosto – então aos 141,4 mil, no fechamento daquele mês, em escalada que o levaria aos 147,5 mil pontos no intradia, na semana passada, nos dias 29 e 30 de setembro.
Nesta segunda, ainda inclinado à realização de lucros, o Ibovespa oscilou dos 143.375,67 até os 144.531,61 pontos, saindo de abertura aos 144.202,17 pontos. Ao fim, mostrava baixa de 0,41%, aos 143.608,08 pontos, com giro moderado a R$ 16,7 bilhões na sessão. No mês, o Ibovespa recua 1,80%, com ganho no ano a 19,39%. Das últimas cinco sessões, intervalo correspondente à virada de setembro para outubro, o Ibovespa avançou em apenas uma, e bem pouco (+0,17%), na sexta-feira.
O ajuste do índice não foi maior, nesta segunda-feira, porque a principal ação da carteira, Vale ON, subiu 1,71% – em boa parte do dia, os ganhos no papel superavam 2%. Por outro lado, o setor de maior peso no Ibovespa, o financeiro, mostrou perdas em torno ou acima de 1% ao longo do dia, em nomes como Itaú (PN -1,15%, na mínima da sessão no fechamento), Bradesco (ON -0,82%, PN -0,58%), Santander (Unit -0,83%) e Banco do Brasil (ON -0,79%). Outro peso-pesado do índice, Petrobras, também cedeu neste começo de semana, com a ON em baixa de 0,57% e a PN, de 0,90%, apesar da alta do petróleo após a Opep+ ter decidido, no fim de semana, por um aumento menor do que se antecipava para a produção do cartel em novembro.
Dessa forma, o Ibovespa se descolou de Nova York, onde o índice amplo S&P 500 e o tecnológico Nasdaq voltaram a renovar, nesta segunda, recordes de fechamento. Na ponta perdedora do índice da B3, Raízen (-3,96%), Natura (-3,70%) e Azzas (-2,75%). No lado oposto, além da mineradora Vale, outros nomes do setor metálico como CSN (+6,46%), CSN Mineração (+3,41%) e Usiminas (+3,39%), apesar do longo feriado da Golden Week, sem a referência de preços para a commodity na China, o que contribui para certa limitação da liquidez no segmento.
“Emergentes como Brasil e México foram muito favorecidos este ano não apenas na Bolsa como também no câmbio, em um momento de depreciação global do dólar em razão, em especial, das políticas do governo Trump. Mas o momento, agora, passa a ser um pouco de espera. Hoje, houve de certa forma um desdobramento importante, a nova conversa entre os presidentes Trump e Lula, e um gatilho para as precificações, tanto no câmbio como nos ativos em Bolsa, seria um avanço com relação ao tarifaço”, que a partir de julho resultou em prêmios de risco por aqui, observa Dante Araújo, especialista da Valor Investimentos.
“Cada sinal de trégua entre os dois líderes vem sendo interpretado como uma boa notícia pelos investidores. Trump informou por rede social que o diálogo foi ‘muito bom’, o que traz um alívio momentâneo. O mercado aguarda novas informações para entender se haverá mudanças efetivas nas tarifas comerciais, o que pode redefinir o humor nos próximos dias”, diz Patrick Buss, operador de renda variável na Manchester Investimentos.
Para Felipe Paletta, estrategista da EQI Research, a tarde mostrava correção em cerca de 80% dos componentes do Ibovespa, enquanto o índice de ações de menor capitalização de mercado (small caps), conjunto em geral mais sensível ao ciclo doméstico e que costuma amplificar os movimentos da referência da B3, mostrava perda acima de 1% na sessão. “Tivemos uma certa reciclagem de posições na sessão, com pensamento mais de médio e longo prazo para alocação, tendo em vista o momento favorável a uma realização de lucros em ações, que ocorre a despeito do movimento de baixa visto na curva de juros nesta segunda-feira”, acrescenta.
Ele destaca o baixo volume financeiro na B3 nesta abertura de semana, intervalo que trará agenda importante, como nova leitura sobre o IPCA, referente a setembro, e a ata da mais recente reunião de política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), também do mês passado, quando, conforme esperado, iniciou o ciclo de afrouxamento da política monetária dos Estados Unidos.
Juros
O otimismo trazido pela conversa entre os presidentes Lula e Donald Trump e a sinalização do líder americano de que haverá um encontro presencial de ambos à frente conferiu certo alívio aos juros futuros negociados na B3. As taxas mostraram leve recuo na sessão desta segunda-feira, mas a melhora foi limitada pela cautela com o quadro fiscal doméstico e o ambiente externo de maior pressão nos mercados de renda fixa.
Encerrados os negócios, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2027 oscilou de 14,124% no ajuste de sexta-feira para 14,105%. O DI para janeiro de 2028 passou de 13,52% no último ajuste para 13,480%. O DI para janeiro de 2029 marcou 13,370%, de 13,428% no ajuste anterior. O DI para janeiro de 2031 saiu de 13,609% no ajuste a 13,565%.
Nesta tarde, Trump avaliou a conversa por telefone que teve hoje mais cedo com Lula como “ótima”. Economia e comércio bilateral foram os principais temas discutidos, e os dois devem se reunir em um “futuro não tão distante”, afirmou o republicano em post na rede Truth Social. “Teremos mais discussões”, garantiu Trump
Economista-chefe do banco BMG, Flávio Serrano avalia que a aparente maior proximidade diplomática entre os dois países pode ter ajudado a moderar os DIs na sessão de hoje, mas a melhora foi tímida, por não ter contado com vetores mais fortes em meio a uma agenda de indicadores esvaziada. Além disso, o declínio não apagou o ganho de inclinação da curva nas últimas sessões, acrescenta.
“Vimos muita volatilidade e pressão nos últimos dias. O mercado estava um pouco alheio ao fiscal e começaram a aparecer discussões sobre algo que pode gerar mais de R$ 60 bilhões de gastos logo após a aprovação do projeto do Imposto de Renda”, diz Serrano, referindo-se a ruídos sobre uma proposta de gratuidade nas tarifas de ônibus. Em sua visão, os agentes seguirão atentos às discussões fiscais, em meio a uma semana relativamente ausente de dados relevantes, à exceção do IPCA de setembro, a ser publicado nesta quinta.
No campo dos indicadores, o boletim Focus apontou rigidez das expectativas inflacionárias. A estimativa para a alta do IPCA este ano caiu ligeiramente, de 4,81% para 4,80%, e as projeções para 2026, 2027 e 2028 ficaram imóveis. O consenso de mercado prevê aumento de 4,28% para o indicador no próximo ano, de 3,9% para 2027, e de 3,7% para 2028. O alvo central perseguido pelo BC é 3%.
Em apresentação pública feita na Fundação FHC hoje no fim da manhã, o presidente do BC, Gabriel Galípolo, destacou que, considerando o Focus, não haverá convergência à meta até 2028, e reiterou o compromisso da autarquia com o objetivo central. O centro da meta é uma obrigação legal, ao passo que a banda de flutuação permitida para o IPCA, de 1,5 ponto porcentual para mais ou para menos, foi implementada para absorver choques, defendeu Galípolo.
Para Serrano, do BMG, a dinâmica do emprego será determinante para definir os próximos passos da política monetária. Em seu cenário, o ciclo de cortes da Selic deve começar em janeiro de 2026, mas há risco de postergação. “O BC precisa ter confiança de que vai ter acomodação do mercado de trabalho. Isso está faltando”.
Segundo os economistas Gabriel Couto e Rodolfo Pavan, do Santander, impulsos como a linha de crédito consignado para trabalhadores do setor privado e o pagamento de precatórios podem influenciar a atividade à frente, com um mercado de trabalho ainda aquecido. Por outro lado, a política monetária restritiva deve moderar a velocidade da economia, ponderam.
Estadão Conteúdo