São Paulo, 10 – O dólar disparou nesta sexta-feira, 10, e atingiu o maior valor de fechamento em mais de dois meses. A moeda norte-americana foi impulsionada pela combinação de uma onda de aversão ao risco no exterior, na esteira de recrudescimento das tensões comerciais entre Estados Unidos e China, com temores de piora do quadro fiscal doméstico.
Tirando uma queda pontual e bem restrita no início dos negócios, quando registrou a mínima da sessão, a R$ 5,3622, o dólar operou em terreno positivo no restante do dia.
Com máxima de R$ 5,5187, à tarde, terminou o pregão em alta de 2,39%, a R$ 5,5037 – maior valor de encerramento desde 5 de agosto (R$ 5,5060).
A divisa fecha a semana com ganhos de 3,13%, o que leva a valorização em outubro a 3,39%. No ano, as perdas, que já chegaram a superar 14%, agora são de 10,95%
A preocupação do mercado financeiro com uma escalada populista do governo do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, fez o real apresentar de longe o pior desempenho entre divisas emergentes e de países exportadores de commodities, em dia de tombo de cerca de 4% das cotações do petróleo.
Investidores abandonaram ativos de risco para buscar abrigo nos Treasuries, cujas taxas caíram, e no ouro. Termômetro do comportamento do dólar em relação a uma cesta de seis divisas fortes, o índice DXY, que vinha numa escalada e atingiu na quinta-feira o maior nível em dois meses, hoje caiu mais de 0,50%, voltando a operar abaixo dos 99,000 pontos, com mínima aos 98,839 pontos.
O economista sênior do banco Inter, André Valério, observa que o dia foi marcado pela “fuga para a qualidade”, com o dólar perdendo valor em relação a moedas de países desenvolvidos e a busca por metais preciosos, em um movimento muito similar ao visto em abril no Liberation Day, quando Trump anunciou as chamadas tarifas recíprocas.
“O dia é ruim para moedas emergentes e de países exportadores de commodities. No caso do real, já víamos mais volatilidade no câmbio local com a questão da MP. E hoje veio a nova política de crédito imobiliário e as notícias de que o governo está se movimentado para tomar medidas com vistas a eleição, o que coloca em risco a meta fiscal do ano que vem”, afirma Valério, em referência à derrubada nesta semana da Medida Provisória alternativa ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
A escalada do dólar se deu em etapas ao longo do pregão. Já em alta com a apreensão diante do lançamento do novo modelo de crédito imobiliário, a divisa experimentou a primeira arrancada a partir das 10h30 com a notícia do Estadão de que o governo prepara um pacote de R$ 100 bilhões para o ano que vem.
Entre as medidas previstas, estão a isenção de Imposto de Renda (IR) para quem recebe até R$ 5 mil mensais, dependente de aprovação no Senado, a distribuição gratuita de gás de cozinha, o pagamento de bolsas do programa educacional Pé-de-Meia e isenção na conta de luz para 17 milhões de famílias. Os planos do governo devem enfrentar resistência no Congresso, com a oposição já de olho também nas eleições de 2026.
“O mercado estava surfando o ambiente externo favorável e deixando os problemas fiscais de lado. Parece claro que o governo vai adotar uma postura ainda mais populista daqui para frente e adotar manobras para cumprir a meta fiscal”, afirma o gerente de câmbio da Treviso Corretora, Reginaldo Galhardo.
Já fragilizado pela piora da percepção de risco local, o dólar acentuou ainda mais o ritmo de alta no início da tarde com a deterioração dos mercados no exterior, após Trump afirmar que seu governo “está calculando um grande aumento de tarifas sobre produtos da China”. Seria uma resposta à postura chinesa para dificultar as exportações ligadas às chamadas terras-raras. A China rebateu ao dizer que o controle de terras-raras é uma ferramenta para proteger a segurança e os interesses nacionais.
O economista-sênior do Inter lembra que investidores podem ter aproveitado a piora do ambiente externo para promover ajustes de posições e realizar lucros, uma vez que o real experimentou uma forte onda de apreciação nos últimos meses, liderando os ganhos entre moedas emergentes em 2025.
Embora haja receio em relação ao quadro fiscal e uma piora sazonal do fluxo cambial no fim do ano, Valério acredita que a perspectiva de um aumento do diferencial de juros interno e externo, com novos cortes da taxa básica norte-americana pelo Federal Reserve e manutenção da taxa Selic em 15% pelo menos até dezembro, tendem a amortecer o efeito de forças contrárias ao real.
Bolsa
De volta aos 140 mil pontos, o Ibovespa retroagiu nesta sexta-feira ao menor nível de fechamento desde 3 de setembro, então na faixa de 139,8 mil pontos. Na semana – a terceira consecutiva de desempenho negativo, o que não era visto desde a virada de maio para junho -, o índice acumulou perda de 2,44%, após retrações de 0,86% e de 0,29% nas anteriores.
Nesta sexta, oscilou dos 140.231,24 aos 142.273,75 pontos, saindo de abertura aos 141.725,27 pontos. Ao fim, mostrava baixa de 0,73%, aos 140.680,34 pontos, com giro a R$ 22,5 bilhões nesta sexta-feira. No primeiro terço de outubro, recua 3,80%, moderando os ganhos acumulados no ano a 16,96%.
Nas oito primeiras sessões de outubro, o Ibovespa obteve ganhos em apenas duas – nos dias 3 (+0,17%) e 8 (+0,56%) – após ter fechado setembro praticamente na máxima histórica, na casa de 146 mil, e chegado no intradia à marca de 147 mil.
Na B3, a aversão a risco, doméstica e externa, puniu nesta sexta as ações de primeira linha: sem exceções, no campo negativo no fechamento. Em Nova York, os principais índices de ações caíram 1,90% (Dow Jones), 2,71% (S&P 500) e 3,56% (Nasdaq), em ajuste acentuado desde o sinal, na virada da manhã para a tarde, de que a Casa Branca mantém a China na mira de novas punições, na disputa política, econômica e comercial realimentada desde o começo do ano. Nesta sexta, o presidente dos EUA, Donald Trump, voltou a ameaçar elevar tarifas ao país asiático.
Nesse contexto, o índice DXY, que contrapõe a moeda americana a referências como euro, iene e libra, cedeu terreno nesta sexta-feira, mas o dólar ganhou força frente ao real, a R$ 5,50 no fechamento. A cautela de fim de semana estimulou a demanda por ativos defensivos, como os Treasuries, pressionando abaixo os rendimentos dos papéis na sessão. A curva do DI, por outro lado, avançou nesta sexta em meio ao pacote imobiliário lançado nesta manhã pelo governo, disposto a manter atividade e estímulos em alta à medida que o ano eleitoral se aproxima.
Na ponta perdedora do Ibovespa, destaque para CSN (-6,06%), Hapvida (-6,02%) e Braskem (-3,83%). No lado oposto, Engie (+1,45%), Minerva (+1,08%) e Suzano (+1,05%). Entre as blue chips, Vale ON fechou na mínima do dia (-0,41%), enquanto Petrobras (ON -0,75%, PN -0,89%) mostrou ajuste relativamente discreto quando comparado ao tombo em torno de 4% para os preços do petróleo em Londres e Nova York, com o início do cessar-fogo em Gaza.
“Houve sentimento misto no fechamento da semana, com ampliação da alta nos juros futuros especialmente nos vencimentos mais longos, trazendo efeito para a Bolsa e o Ibovespa. Pressão também nas ações do setor de energia, com o ajuste visto no petróleo. E Trump volta a ameaçar a China, o que reforçou a percepção de risco e a cautela dos investidores na sessão. No Brasil, além do geopolítico, o fiscal preocupa também, com incerteza sobre como o governo fará para fechar as contas depois da derrota da MP do IOF, nesta semana”, diz Bruna Centeno, economista e advisor na Blue3 Investimentos.
Após três semanas de perdas seguidas para o Ibovespa, o mercado mostra estar mais conservador com relação ao desempenho das ações no curtíssimo prazo, segundo o Termômetro Broadcast Bolsa desta sexta-feira. Entre os participantes, a aposta de alta para o índice da B3 na próxima semana manteve a fatia de 50% vista na edição anterior, mas a parcela que prevê queda subiu de 25% para 30%. Os que esperam estabilidade agora são 20%, de 25% na pesquisa anterior.
Se, por um lado, o governo encontrou obstáculo nesta semana no Congresso para ampliar a arrecadação por meio de aumento de imposto – o que mantém em aberto a questão sobre como fará para fechar as contas públicas -, por outro lançou nesta sexta iniciativas para ampliar acesso ao crédito imobiliário, em momento no qual as expectativas de inflação vinham arrefecendo apesar das dúvidas persistentes sobre a gestão fiscal.
“Ainda não há clareza quanto a como o governo conseguirá dinheiro para suprir o rombo, e anunciou hoje outra medida populista, de mudanças no financiamento no crédito imobiliário, porque sabe que a eleição de 2026 está se aproximando, o que obviamente deixa o mercado muito tenso”, resume Alison Correia, analista da Dom Investimentos, destacando em especial a pressão observada no câmbio nesta sexta-feira, em que a moeda norte-americana fechou em alta de 2,39% frente ao real, a R$ 5,5037, tendo chegando na máxima do dia a R$ 5,5187.
Para Bruna Sene, analista de renda variável na Rico, “a tão esperada correção do Ibovespa chegou” após uma sequência de recordes históricos, o que o coloca agora em nível de suporte importante, na região dos 140 mil pontos. “Apesar da queda, esse movimento não muda a tendência de alta no médio e longo prazo. Essa correção pode abrir boas oportunidades para entrada em ativos com preços mais atrativos”, acrescenta.
Juros
Tendo como pano de o fundo a apreensão com o quadro fiscal e o cenário político doméstico, a aversão maior ao risco vinda do exterior após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, informar que prepara um aumento expressivo de tarifas para produtos da China impulsionou a alta dos juros futuros negociados na B3 na segunda etapa do pregão desta sexta-feira.
Segundo participantes do mercado, em um dia carregado de eventos que trouxeram maior volatilidade aos ativos locais, é difícil apontar um único gatilho que tenha provocado a disparada dos juros intermediários e longos. Mas o anúncio de Trump, feito por volta das 12h, coincidiu com a maior abertura da curva local e também com a disparada do dólar.
Os DIs chegaram a iniciar a sessão em viés de queda, ainda na esteira do movimento de ontem que refletiu a surpresa baixista com a inflação de setembro e a derrota da Medida Provisória (MP) 1.303, mas a continuidade da melhora não perdurou. Somente a ponta mais curta da curva, mais correlacionada à trajetória da Selic no médio prazo, operou em leve recuo ao longo da tarde.
Encerrados os negócios, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2027 oscilou de 14,024% no ajuste de quinta-feira a 14%. O DI para janeiro de 2028 avançou de 13,397% no ajuste a 13,430%. O DI para janeiro de 2029 marcou 13,410%, vindo de 13,341%. O DI para o primeiro mês de 2031 subiu de 13,587% no ajuste para 13,675%.
Analista de renda fixa da Empiricus Research, Laís Costa afirma que a deterioração acentuada dos DIs no fim da primeira etapa do pregão de hoje pode estar relacionada a ajustes técnicos, uma vez que não houve um condutor específico muito claro para a ascensão. Considerando o fluxo de notícias do dia, no entanto, a subida de tom de Trump em relação à China num momento em que a escalada das tensões comerciais já parecia ter ficado para trás pode ter sido o motor para a alta.
“A escalada das tarifas já tinha acabado e esse risco já havia sido retirado das curvas. Quando essa discussão se reacende, há um fluxo de saída de recursos dos emergentes, o que afeta diretamente o Brasil. Quem vende China, vende Brasil junto. Toda vez que acontece algo com a economia chinesa, afeta diretamente nossa moeda”, diz Costa, o que também acaba se refletindo no mercado de renda fixa.
“Prêmios de risco voltam a ser colocados na curva porque se os EUA vão rediscutir o acordo com a China, podem rediscutir com todo mundo. Essa questão da China é importante e por si só já explicaria o movimento na curva de juros e no dólar”, afirma a analista, ponderando que a reação pode ter sido exagerada. “Pode ser que tenha algum ajuste técnico”, acrescenta Costa, que aponta a questão fiscal como outro vetor de alta para as taxas hoje, ainda que não o principal driver em sua visão.
Os agentes também monitoraram notícia veiculada mais cedo pelo Estadão/Broadcast sobre um “pacote de bondades” em elaboração pelo Executivo, que poderia ter impacto de R$ 100 bilhões no orçamento de 2026. Também nesta sexta, o Planalto anunciou nova política de financiamento habitacional que libera R$ 36,9 bilhões em recursos de forma imediata.
Para Ricardo Trevisan Gallo, CEO da Gravus Capital, a trajetória observada na sessão de hoje nos DIs representa uma correção do que, em sua percepção, foi um excesso de otimismo nesta quinta. “A combinação de inflação acima do teto da meta, dólar em disparada e incertezas fiscais crescentes cria um ambiente em que os juros futuros naturalmente se ajustam para cima, especialmente nos vencimentos longos.”
Estadão Conteúdo