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Economia

Danos à saúde associados a bets podem gerar custo de R$ 30,6 bi ao ano

Do total, R$ 17 bilhões são de mortes por suicídio, R$ 10,4 bilhões por perda de qualidade de vida decorrente de depressão e R$ 3 bilhões em tratamentos médicos para depressão

Redação Jornal de Brasília

02/12/2025 11h38

Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

LUANA LISBOA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Os danos associados às apostas e jogos de azar no Brasil geram um custo social anual de R$ 38,8 bilhões, estima dossiê inédito elaborado pelo Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) e divulgado nesta terça-feira (2).

Do total, R$ 17 bilhões são de mortes por suicídio, R$ 10,4 bilhões por perda de qualidade de vida decorrente de depressão e R$ 3 bilhões em tratamentos médicos para depressão. O valor total ligado à saúde chega a R$ 30,6 bilhões (79% do total).

As estimativas envolvem custos diretos para o governo e também custos sociais indiretos associados à perda de qualidade e duração de vida, avaliados em anos de vida ajustados pela qualidade. A medida é usada na área da saúde para calcular quantos anos de vida saudável uma pessoa perde devido a uma doença ou condição.

Em contraste, o setor de apostas arrecadou R$ 6,8 bilhões entre fevereiro e setembro de 2025, o que, conforme os autores, significa que as apostas online podem custar à sociedade mais do que contribuem para a arrecadação tributária. O dado é da Secretaria da Receita Federal.

Apesar disso, a legislação atual destina apenas cerca de 1% da arrecadação sobre a receita bruta das empresas de apostas ao Ministério da Saúde para medidas de prevenção, controle e mitigação de danos sociais advindos da prática.

De acordo com a Lei 13.756/2018, parte dos recursos são alocados da seguinte forma: 36% para a área do esporte, 28% para a área do turismo, 13,6% para segurança pública, 10% para a educação e 10% para a seguridade social, e 1% para a pasta da Saúde.

Os dados foram obtidos a partir de fontes oficiais do governo federal, pesquisas e estimativas inéditas de custo econômico e social. Foi tomado como base o 3º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, realizado pela Unifesp entre 2022 e 2023. A partir daí, o dossiê estimou que o Brasil tem cerca de 12,8 milhões de pessoas em situações de risco com relação a apostas.

Já o cálculo dos custos sociais e econômicos foi elaborado a partir de uma comparação com a experiência do Reino Unido devido às similaridades entre o SUS (Sistema Único de Saúde) e o NHS, sistema de saúde britânico. O parâmetro utilizado foi o do estudo Office for Health Improvement and Disparities, que publicou uma síntese de evidências sobre danos relacionados a jogos de azar em 2023. O dossiê teve apoio da Umane, organização que tem como propósito fomentar a saúde pública, e da Frente Parlamentar Mista para Promoção da Saúde Mental.

A estimativa de R$ 38,8 bilhões, porém, ainda é considerada conservadora, pois se restringe aos danos que puderam ser mensurados a partir de evidências robustas. Outros custos sociais mensurados são relacionados ao encarceramento por atividade criminal, benefícios de seguro-desemprego e perda de moradia. O impacto nos relacionamentos familiares, por exemplo, não pôde ser contabilizado.

Os pesquisadores também apontam que não há ainda uma vinculação orçamentária específica para o financiamento de ações de cuidado no âmbito da Raps (Rede de Atenção Psicossocial). Isso impossibilita verificar a equivalência ou discrepância entre os recursos obtidos pelo Estado com a tributação das apostas e os custos arcados pelo SUS.

A ideia é enquadrar as bets como um problema de saúde pública em oposição a uma perspectiva comercial que gira em torno de um viés arrecadatório, afirma Rebeca Freitas, autora do estudo e diretora de Relações Institucionais do Ieps.

“O que a gente sabe é que hoje não conseguimos ter estimativas do quanto seria necessário arrecadar para a saúde para fazer frente a esses danos. Qualquer estimativa que a gente fizesse, estaria subestimando esse impacto”, afirma.

Dados da consultoria internacional Regulus Partners já apontaram que empresas de apostas online devem faturar US$ 4,139 bilhões (cerca de R$ 22 bilhões) no Brasil em 2025, posicionando o país como quinto maior mercado do mundo para o setor. “É um mercado em crescimento que não vem sendo regulado da forma como deveria”, diz Freitas.

O Congresso Nacional tem se mobilizado para disputar os rumos da regulamentação, com destaque para a Frente Parlamentar Mista para a Promoção da Saúde Mental, composta por mais de 200 parlamentares.

O dossiê aponta, com base nos mapeamentos da Câmara dos Deputados e do Senado entre 2023 e 2025, que 189 projetos de lei (PLs) em tramitação tratam direta ou indiretamente da regulamentação, restrição ou responsabilização do setor de apostas online e jogos de azar.

O número é quatro vezes maior se comparado ao período de 2023, cujo montante foi de somente 18 PLs.

Desse total, 44 estão em tramitação no Senado Federal e 145 na Câmara dos Deputados.

Apesar da mobilização, que resultou na instauração de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) pelo Senado, os integrantes rejeitaram o relatório final da senadora Soraya Thronicke (Podemos‑MS), por quatro votos contrários e três favoráveis, encerrando os trabalhos da comissão sem adoção de medidas ou indiciamentos formais. O documento previa o indiciamento de 16 pessoas, entre influenciadores digitais e empresários do setor de apostas, além da proposição de 20 projetos de lei para enfrentar os danos sociais das apostas online.

Os danos associados às apostas afetam não apenas saúde, mas relações pessoais, famílias e comunidades, e aumentam as desigualdades, apontou a revista Lancet Public Health.

Em artigo de 45 páginas, a publicação afirmou em 2024 que “governos e legisladores precisam tratar as apostas como questão de saúde pública, como já se faz com outros produtos que viciam e fazem mal, como álcool e tabaco.”

Relatório final do grupo de trabalho interministerial de saúde mental para a prevenção e redução de danos dos jogos, divulgado pelo governo federal em 29 de setembro, identificou que, no Brasil, os efeitos do crescimento do mercado de apostas são sentidos com maior intensidade entre jovens e população de baixa renda, mais expostos a riscos como endividamento, depressão, ansiedade, conflitos familiares e ideação suicida.

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