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Economia

Brasil aumenta quantidade de funcionários temporários e cargos políticos

A ocupação por servidores efetivos, ou seja, aqueles que passaram em um concurso público, caiu 11,8% nos governos estaduais e 9,9% na União

Redação Jornal de Brasília

29/09/2025 6h08

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Foto: Marcelo Casal Jr / Agência Brasil

O Brasil aumentou a quantidade de funcionários temporários e comissionados no serviço público, enquanto reduziu o número de servidores concursados nos últimos anos, conforme nota técnica do Movimento Pessoas à Frente.

A quantidade de temporários — aqueles selecionados por tempo determinado — aumentou 42,1% nos Estados e 10,6% no governo federal entre 2017 e 2023, subindo de 474.674 para 674.295 e de 13.358 para 14.779 no período, respectivamente.

O número de comissionados — os cargos políticos sem vínculo efetivo —, por sua vez, cresceu 14,2% nos Estados e diminuiu 24,1% na União no mesmo período (no total, juntando União e Estados, houve aumento de 11,7%). A ocupação por servidores efetivos, ou seja, aqueles que passaram em um concurso público, caiu 11,8% nos governos estaduais e 9,9% na União.

Os Estados dizem que o aumento de funcionários temporários ocorreu com contratações excepcionais e emergenciais em áreas como saúde, educação e segurança pública, apontando limitações fiscais e legais para a realização de concursos públicos.

O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) alegou que, no governo federal, as contratações temporárias são excepcionais e não substituem as funções permanentes de servidores efetivos (leia mais abaixo).

O estudo aponta que o aumento de funcionários temporários se deu em um cenário sem regras rígidas e uniformes entre os Estados e a União e com uso indiscriminado desse tipo de contratação, transformando a exceção constitucional em regra para a ocupação das vagas.

O diagnóstico reuniu os números da administração direta do Poder Executivo de 24 Estados, do Distrito Federal e da União. Alagoas e Rondônia foram excluídos por falta de informações. Foram utilizados dados da Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (ESTADIC/IBGE), Painel Estatístico de Pessoal (PEP) do governo federal e Portal da Transparência de Minas Gerais.

O Movimento Pessoas à Frente é uma organização da sociedade civil que reúne especialistas, parlamentares e servidores públicos e que tem a reforma administrativa como uma das bandeiras. O levantamento foi realizado pelos pesquisadores Felipe Drumond, Myrelle Jacob e Laís Montgomery.

Sergipe é o Estado com o maior crescimento de temporários do País no período analisado, registrando aumento de 16,3% no total de vínculos, com acréscimo expressivo de temporários (+1.473%) e de comissionados (+24,7%), reduzindo os quadros efetivos em 16,5%.

No total, 21 dos 26 entes analisados tiveram aumento nas contratações temporárias, com exceção de Ceará, Rio Grande do Norte, Amazonas, Minas Gerais e Paraná. Minas Gerais é único que registrou aumento de efetivos combinado com redução de temporários e comissionados exclusivos.

Na União, o estudo aponta redução de 9,5% no total de funcionários públicos, com aumento de temporários (+10,6%), redução de efetivos (-9,9%) e diminuição de cargos comissionados entre 2017 e 2023.

Segundo os autores, o cenário levanta preocupações envolvendo a capacidade institucional de planejamento de longo prazo do serviço público, a continuidade de políticas públicas, especialmente em áreas sensíveis, e a desvalorização das carreiras públicas estruturadas.

O estudo sugere a criação de uma Lei Geral de Contratação por Tempo Determinado no Setor Público para instituir um modelo mais transparente e impessoal que assegure mais eficiência na gestão por parte dos agentes públicos.

“Quando empregados com moderação, transparência e estrita relação com o interesse público, os vínculos temporários podem cumprir um papel relevante na gestão pública”, diz a nota. “Por outro lado, o seu uso indiscriminado e desvinculado de situações efetivamente excepcionais compromete os fundamentos do modelo constitucional da administração pública, enfraquece a profissionalização dos servidores e afasta o Estado da concretização dos compromissos constitucionais.”

Tema será debatido no Congresso

Os contratos temporários serão tema de um dos capítulos da reforma administrativa no Congresso Nacional. O relator na Câmara, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), defende que contratos temporários tenham duração máxima de cinco anos e estejam sujeitos a uma quarentena para uma eventual recontratação. O texto ainda não foi apresentado.

“Se a gente não criar uma norma nacional, o regime de contratação temporária fica sujeito a abusos. Muitas vezes o gestor contrata a pessoa em fevereiro e a demite em novembro para evitar que ela tenha direito a férias e receba adicional de férias” disse o deputado em entrevista ao Estadão/Broadcast em agosto. “Estamos estabelecendo balizas para que a contratação temporária tenha o processo seletivo, para proibir ou impedir que você tenha nepotismo, apadrinhamento.”

A contratação de funcionários temporários é autorizada pela Constituição e pelas leis no Brasil, mas só pode ser feita em casos especiais, como em substituição a efetivos afastados, execução de projetos com prazo determinado e atendimento de comunidades específicas, em casos previstos em lei e com limites determinados.

A área da educação é a que concentra a maioria dos casos, correspondendo a 28% das hipóteses autorizadas pelas leis federais e estaduais, superando as emergências e calamidades, que têm 21%. Em 2022 e 2023, o número de professores temporários superou o de efetivos nas redes estaduais (51,6% em 2023).

Na União, os professores temporários não podem ultrapassar 20% do total de efetivos. O porcentual é diferente em alguns Estados: no Espírito Santo, o limite é 30%; no Pará, 10%. Em 16 Estados e no Distrito Federal, os governos permitem a recontratação sucessiva de professores substitutos sem prazo para a duração das contratações temporárias.

O estudo mostra ainda uma falha na proteção trabalhista dos funcionários temporários. Apenas dez Estados concedem licença-maternidade para essas trabalhadoras, enquanto 20 pagam décimo terceiro salário e 21 garantem férias remuneradas.

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou algumas normas estaduais que aumentaram a contratação de temporários por diferentes motivos, desde a adoção de regras genéricas até o uso da exceção para funções típicas de Estado.

No Pará, em Goiás e no Rio Grande do Sul, os governos estaduais tentaram contratar policiais e agentes de seguranças em caráter temporário, mas foram impedidos pelo STF.

Na União e nos Estados do Acre, Amazonas, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Roraima e São Paulo, as contratações temporárias não têm prazo definido e são aceitas enquanto durar a “situação excepcional”. Segundo o estudo, o modelo oferece uma margem para a gestão, mas acarreta riscos, como a perpetuação indevida do vínculo e a dificuldade de fiscalização.

“O conjunto dos dados aponta para um padrão nacional de enfraquecimento dos quadros permanentes, compensado, em grande parte, pelo crescimento de vínculos temporários e de comissionados externos, com variações de intensidade e estratégia conforme a realidade de cada ente federativo”, dizem os pesquisadores.

A situação em cada Estado e na União

Região Centro-Oeste

  • Distrito Federal: redução de 5,2% no total de vínculos, com aumento expressivo de temporários (+54,8%) e comissionados exclusivos (+22,6%), combinado com redução de efetivos (-12,7%).
  • Goiás: redução de 5,5% no total de vínculos, com aumento de temporários (+12,6%) e redução de efetivos (-12,5%) e comissionados exclusivos (-0,1%).
  • Mato Grosso: aumento de 13,7% no total de vínculos, com alta expressiva de temporários (+54,8%), combinado com redução de efetivos (-8,1%) e comissionados exclusivos (-9,8%).
  • Mato Grosso do Sul: aumento de 4,9% no total de vínculos, com alta de temporários (+27,1%) e comissionados exclusivos (+22%), combinado com redução de efetivos (-4,9%)

Região Nordeste

  • Bahia: crescimento discreto de 0,8% no total de vínculos, com redução de efetivos (-10,8%), combinada com o aumento de temporários (+46,6%) e de comissionados exclusivos (+19,2%).
  • Ceará: crescimento de 12% no total de vínculos, com destaque para o aumento de efetivos (+20,6%) e de comissionados exclusivos (+52%), em contraponto à redução de temporários (-18,4%).
  • Maranhão: crescimento de 34,4% no total de vínculos, resultante do aumento de efetivos (+12,5%), temporários (+172,6%) e comissionados exclusivos (+49,4%).
  • Paraíba: maior crescimento no total de vínculos da região, de 39,5%, resultante do maior crescimento de temporários (+493,4%) e de comissionados exclusivos (+15%), em contraponto à redução de efetivos (-15,1%).
  • Pernambuco: crescimento de 18,4% no total de vínculos, com aumento discreto de efetivos (+2%), alta significativa de temporários (+106,6%) e redução de comissionados exclusivos (-28,3%).
  • Piauí: crescimento de 15,2% no total de vínculos, com aumento significativo de temporários (+133,6%) e comissionados exclusivos (+38,6%), combinado com redução de efetivos (-11,8%).
  • Rio Grande do Norte: único Estado da região com redução no total de vínculos (-24,6%), resultante da redução significativa de temporários (-60,1%) e de efetivos (-24,6%), com leve aumento de comissionados exclusivos (+12,9%).
  • Sergipe: Estado com o maior crescimento de temporários do País, registrando crescimento de 16,3% no total de vínculos, resultante do aumento expressivo de temporários (+1.473%) e de comissionados exclusivos (+24,7%), combinada com a redução de efetivos (-16,5%).

Região Norte

  • Acre: crescimento de 4,8% no total de vínculos, com alta de temporários (+45,5%) e comissionados externos (+40,9%), em contraponto à redução de efetivos (-10,9%).
  • Amapá: Estado com maior crescimento no total de vínculos (+42,1%) e de efetivos (+15,3%), combinado com aumento de temporários (+208,3%) e de comissionados exclusivos (+131,3%).
  • Amazonas: redução de 20,4% do total de vínculos, decorrentes da redução expressiva de temporários (-99,4%) e de efetivos (-10,9%), com aumento discreto de comissionados exclusivos (+4,5%).
  • Pará: crescimento de 10,7% no total de vínculos, com aumento de efetivos (+3,7%), de temporários (+45,1%) e de comissionados exclusivos (+38,2%).
  • Roraima: crescimento de 21,5% no total de vínculos, com aumento considerável de temporários (+310,2%) e comissionados exclusivos (+22,8%), combinado com a redução de efetivos (-9,7%).
  • Tocantins: redução de 10% no total de vínculos, resultante da redução significativa de efetivos (-19,4%) e aumento de temporários (+21,4%) e comissionados exclusivos (+5,8%).

Região Sudeste

  • Rio de Janeiro: registrou a maior redução da força de trabalho total da região (–16,1%), com queda expressiva de efetivos (–18,8%) e aumento de temporários (+39,2%) e de comissionados exclusivos (+27,8%).
  • São Paulo: apesar da redução da força de trabalho total (–4,6%), apresentou queda significativa de efetivos (-21,9%) e comissionados exclusivos (-23,2%), combinada com crescimento expressivo de temporários (+180,6%).
  • Espírito Santo: exceção na região quanto ao crescimento da força de trabalho total (+9,5%), resultado da redução de efetivos (-14,5%) e crescimento considerável de temporários (+53,6%) e comissionados exclusivos (+11,2%).
  • Minas Gerais: único Estado da região que registrou aumento de efetivos (+4%), com redução de temporários (-8,1%) e comissionados exclusivos (-17,6%).

Região Sul

  • Rio Grande do Sul: redução de 12,5% no total de vínculos, com queda acentuada de efetivos (–25,1%), leve redução dos comissionados externos (-0,1%) e aumento de temporários (+33,4%).
  • Paraná: redução de 11,5% no total de vínculos, com queda no número de efetivos (-14,2%) e de temporários (-4,5%) e crescimento expressivo de comissionados exclusivos (+63,3%).
  • Santa Catarina: aumento discreto de 3,2% no total de vínculos, com queda de efetivos (-10,2%) e de comissionados exclusivos (-38,6%), combinado com aumento relevante de temporários (+29,5%).

União

  • Governo federal: redução de 9,5% no total de vínculos, resultante do aumento de temporários (+10,6%) combinado com a redução de efetivos (-9,9%) e comissionados exclusivos (-24,1%).

O que dizem os Estados e a União

O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) declarou que, no governo federal, a contratação temporária é uma ferramenta para atender demandas excepcionais e de caráter temporário, sem substituir as funções permanentes de servidores efetivos. Atualmente, segundo a pasta, a maioria dos profissionais temporários no âmbito federal são professores substitutos, agentes ambientais e agentes de pesquisa e mapeamento do IBGE.

“Após um longo período com poucas autorizações de recrutamento para servidores efetivos (2017-2022), a partir 2023, o governo federal autorizou a realização de concursos para 15.915 vagas efetivas para provimento em 73 órgãos distintos”, disse o MGI. “Trata-se de um reconhecimento pelo governo atual da necessidade da contratação de servidores públicos efetivos para atividades estratégicas da Administração, distribuídas nas áreas de Governo, Social, Infraestrutura e Econômico.”

O governo do Pará afirmou que tem ampliado o quadro de servidores efetivos para substituir os temporários por servidores efetivos. A gestão estadual disse ainda que os contratos provisórios são firmados de forma excepcional, conforme as necessidades e urgência de cada secretaria, sempre em conformidade com a legislação vigente e garantindo os direitos trabalhistas.

O governo do Rio de Janeiro disse que o aumento de funcionários temporários e comissionados está relacionado às restrições do Regime de Recuperação Fiscal, que impediram a realização de concursos. “Diante desse cenário, e com o objetivo de garantir a continuidade dos serviços públicos essenciais, foi necessário recorrer às contratações temporárias para suprir as demandas do Estado”, afirmou a administração fluminense.

A gestão estadual de São Paulo disse que as contratações seguem rigorosamente a legislação vigente e que o governo paulista vem fortalecendo o funcionalismo público, com a realização de concursos desde 2023. “A variação no número de vínculos ao longo dos anos resulta principalmente de ajustes administrativos, como concursos públicos, reorganização das estruturas de governo e contratações temporárias para atender demandas específicas e sazonais, especialmente nas áreas de educação e saúde.”

A administração do Amazonas justificou a redução no número de vínculos efetivos por conta de aposentadorias, exonerações, óbitos e limitações legais. O aumento das contratações temporárias, por sua vez, esteve relacionado a situações excepcionais, como a pandemia de covid-19. O crescimento de cargos comissionados está ligado à criação de novas secretarias e unidades administrativas, especialmente na segurança pública e na saúde, segundo o governo.

O governo de Goiás argumentou que as contratações temporárias permitem” racionalização e flexibilidade” para projetos como grandes obras e modernização tecnológica. “O Governo do Estado está em um processo de modernização e adaptação, buscando um equilíbrio dinâmico entre a solidez das carreiras efetivas, a agilidade das contratações temporárias para demandas específicas e a expertise dos servidores de carreira em posições de liderança.”

O governo do Paraná respondeu que realizou concursos para preencher quase 12 mil vagas nos últimos seis anos e que 73,1% dos servidores do Estado são profissionais efetivos. “Essa é uma demonstração da prioridade que a atual gestão dá aos servidores públicos, tão importantes e necessários para a construção de um Estado sólido e pautado por políticas públicas de excelência, que mudam a vida das pessoas. Isso significa mais segurança, educação, saúde e acesso a serviços essenciais para a população”, disse o Executivo paranaense.

Em Minas Gerais, o governo estadual diz ter feito uma reforma administrativa com uma reorganização interna, resultando na redução de cargos comissionados, e que busca equilibrar as seleções entre efetivos e temporários. “O Estado de Minas Gerais reconhece a importância de manter o seu quadro de pessoal com uma composição adequada de servidores efetivos, bem como reconhece a necessidade de ter um quadro de servidores contratados ou comissionados, conforme prevê a legislação”, afirmou a gestão mineira.

A administração de Santa Catarina disse que o estudo revela situações herdadas por gestões anteriores e que, no governo atual, houve avanços significativos em 2024 e 2025, incluindo “o maior concurso público da história da Secretaria de Estado da Educação, para a contratação de 10 mil professores e profissionais administrativos nas escolas” e “1.200 novos policiais militares”.

O governo de Roraima disse que os contratos temporários são utilizados em situações estratégicas e emergenciais, especialmente nas áreas de saúde e educação, enquanto se viabiliza a seleção por meio de concursos públicos. Os cargos comissionados, por sua vez, cumprem funções de direção, chefia e assessoramento, compondo parte necessária da estrutura administrativa, segundo a administração. “Cabe ressaltar que Roraima conta com uma base significativa de servidores efetivos, que permanecem como pilar da prestação do serviço público.”

Os outros Estados não comentaram.

Estadão Conteúdo

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