A quatro meses de encerrar o mandato, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, disse nesta terça-feira, 20, que as decisões da autoridade monetária continuarão sendo técnicas após a troca de comando. “O Banco Central vai subir os juros se for preciso, independente de eu estar ou não no BC”, declarou Campos Neto, ao participar do Macro Day, fórum realizado pelo BTG Pactual.
Reiterando o forte incômodo com o descolamento das expectativas de inflação da meta, atribuído em parte à percepção no mercado de menor credibilidade da política monetária no futuro, Campos Neto observou que o BC concluiu que precisava reforçar a mensagem de que suas decisões são técnicas, de forma que a meta sempre será perseguida.
O posicionamento, destacou, contribuiu para derrubar parte do prêmio de risco, que havia crescido após a leitura dos investidores de influência política no racha do Copom na reunião de maio, quando diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva votaram por corte maior dos juros.
Após pontuar que credibilidade não se conquista “de um dia para outro”, Campos Neto disse que a construção da confiança no trabalho do BC é um processo de longo prazo. “Não é sobre uma ou duas reuniões.”
‘Data dependent’
O presidente do Banco Central reforçou nesta terça-feira a posição data dependent da autarquia – ou seja, de aguardar a divulgação de indicadores para tomar a próxima decisão sobre os juros, sem sinalizar ao mercado seu próximo passo. Se necessário, frisou novamente, o BC vai elevar a Selic, uma possibilidade que, embora não seja majoritária, ganha força nas expectativas do mercado para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para os dias 17 e 18 de setembro.
Campos Neto disse que o BC não quer passar um guidance – isto é, sinalizar aos investidores qual deve ser o seu próximo passo -, reiterando assim a mensagem transmitida desde a última reunião do Copom. “Continuamos entendendo que é importante esperar, ver os dados.”
Apesar de alguns indicadores mais fortes da economia brasileira, ele observou que houve uma melhora do cenário externo, que, referindo-se a tendência de início dos cortes de juros nos Estados Unidos, caminha a um melhor desfecho.
“Nossa tarefa é não olhar para ruído de curto prazo e pensar qual mensagem queremos passar … Faremos o que tiver de fazer. Se precisar, os juros vão subir”, declarou Campos Neto.
Autonomia operacional em fase de amadurecimento
A autonomia operacional do Banco Central ainda está em fase de amadurecimento e, conforme o tempo passa, o mercado deve começar a mapear as posições individuais de cada membro do Copom, afirmou nesta terça-feira Campos Neto.
“À medida que você tenha um processo mais longo, onde você tem diretores entrando e saindo de governos diferentes, eu acho que o mercado vai começar a mapear muito o que cada diretor está pensando, e faz parte do processo em vários outros países”, ele disse, no evento do BTG Pactual, em São Paulo.
Campos Neto recordou a decisão dividida do Copom em maio, quando os quatro diretores nomeados pelo governo do presidente Lula – crítico do nível dos juros – votaram por um corte de 0,5 ponto porcentual da Selic. Eles foram vencidos pelos cinco membros do Copom indicados em governos anteriores, que defenderam uma baixa menor, de 0,25 ponto.
“A gente passou por uma situação onde, apesar de a decisão ter sido técnica, teve uma interpretação que todos entenderam que, no final, foi pior para todo mundo”, afirmou o presidente do BC, repetindo que, desde então, o comitê tem buscado decisões “mais coesas” e uma comunicação mais clara para mostrar que o racha não foi político.
Segundo o presidente do BC, divergências entre membros do Copom são comuns e acabaram exacerbadas por um “momento de críticas” à autoridade monetária. “Mas acho que, à medida que isso passa e a gente vai amadurecendo, esse processo tende a melhorar”, afirmou, reforçando que a autoridade monetária tem de ficar à margem da polarização da sociedade e das divergências de governos.
Campos Neto disse que, mesmo antes de a autonomia do BC ter sido aprovada, teve em diversos momentos divergências com diretores da autarquia que haviam sido indicados por ele próprio. E defendeu que é necessário conviver com essas diferenças.
Correlação entre emprego e inflação de serviços
O presidente do Banco Central disse ainda que a correlação entre indicadores de emprego, que têm surpreendido, e a inflação de serviços não é algo que tenha sido comprovado. “Tentamos fazer um link entre desemprego e o que isso significa em termos de inflação de serviços. Achamos que tem uma correlação na ponta, mas não é uma coisa que está verificada, que a gente possa, de fato, dizer: isso vai gerar uma trajetória diferente da inflação”, comentou.
Campos Neto deu a declaração ao explicar por que o BC tem repetido a mensagem da última ata do Copom, onde o colegiado deixou em aberto a possibilidade de tanto manter quanto subir os juros na reunião de setembro.
Ainda que indicadores tenham mostrado força da economia doméstica, inclusive no mercado de trabalho, que continua surpreendendo, o presidente do BC ponderou que o cenário externo melhorou, dada a perspectiva no mercado de início do ciclo de cortes de juros nos Estados Unidos a partir de setembro.
Estadão Conteúdo