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Economia

Alta de juros trava soluções para financiamento mais barato da casa própria

No fim do ano passado, relatos de morosidade na assinatura dos contratos diante da demora na reserva dos valores se avolumaram

Redação Jornal de Brasília

08/02/2025 6h33

casa propria

Foto: Paulo Carvalho / Agência Brasília

IDIANA TOMAZELLI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

A escalada da taxa básica de juros, a Selic, emperrou as conversas em torno de soluções alternativas para garantir financiamento mais barato à casa própria diante do esgotamento da poupança como fonte de recursos para essas operações.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vinha discutindo duas frentes principais: a liberação de parte dos depósitos compulsórios da poupança, que ficam parados no Banco Central, e o fomento ao mercado secundário de crédito imobiliário por meio da Emgea (Empresa Gestora de Ativos).

A vice-presidente de Habitação da Caixa, Inês Magalhães, diz à reportagem que o ciclo de alta dos juros torna mais difícil avançar nessas discussões, pelo menos por agora. A Caixa é o principal operador de crédito imobiliário no país.

“O problema não é a falta de dinheiro. A questão é o dinheiro a um custo menor. As pessoas não colocam isso, mas o SBPE [Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo] é um dinheiro subsidiado. Ele custa menos do que o custo de oportunidade que a gente tem com a Selic”, afirma.

Segundo ela, a Caixa deve manter em cerca de R$ 60 bilhões o orçamento para empréstimos com recursos do SBPE neste ano, patamar semelhante ao observado no ano passado. Mas, diante do cenário mais adverso, a instituição decidiu estabelecer uma espécie de cronograma interno para a liberação dos recursos.

“Estamos fazendo a distribuição dos recursos mês a mês para justamente ter maior previsibilidade”, diz. De acordo com a vice-presidente, a verba disponível também está distribuída por critérios de território, respeitando o histórico de maior ou menor demanda. O objetivo é tentar melhorar a “experiência do cliente”.

No fim do ano passado, relatos de morosidade na assinatura dos contratos diante da demora na reserva dos valores se avolumaram à medida que os recursos disponíveis do SBPE rareavam, a mais de dois meses do fim de 2024.

A Caixa adotou uma série de mudanças para tentar contornar os problemas e restringiu o valor do imóvel passível de financiamento (exigindo, consequentemente, uma entrada maior). Também lançou uma linha com financiamento a taxas de mercado, mais caras para o tomador, que será ampliada neste ano.

A solução estrutural para manter linhas mais baratas, no entanto, ainda é uma incógnita que desafia o governo.

A liberação de uma parcela de 5% dos recursos da poupança, hoje parada em depósitos compulsórios no Banco Central, poderia injetar mais de R$ 20 bilhões na capacidade dos bancos (em especial a Caixa) em financiar casa própria. Mas a medida enfrenta resistências do próprio BC e de parte do governo.

Segundo Magalhães, um grupo avalia que liberar o compulsório da poupança neste momento poderia dar um “sinal trocado” e dificultar a tarefa do BC de domar a alta de preços. No ano passado, a alta de 4,83% do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) estourou a meta, que era de 3%, com margem de tolerância de até 4,5%.

Essa visão não é unânime: outro grupo avalia que, como não se trata de crédito para o consumo, não haveria repique na inflação.

Outra medida que estava em discussão era a atuação da estatal Emgea (Empresa Gestora de Ativos) na compra de parte da carteira de crédito imobiliário dos bancos para liberar dinheiro a novos financiamentos. No entanto, a alta da Selic torna a operação desvantajosa ao ampliar o risco de prejuízo.

“Com a Selic nesse valor, não tem como a gente pagar esse prêmio para ter esse mercado secundário.

Então, essa estratégia está adiada para um momento em que a taxa Selic já tenha sido reduzida e que a gente possa ir a mercado oferecer a carteira para criar esse mercado secundário”, diz Magalhães.

Na chamada securitização, a companhia compra das instituições financiadoras o direito de receber as parcelas a serem pagas pelos mutuários no futuro. Com o dinheiro, os bancos podem dar novos empréstimos, algo que não seria possível se o recurso ficasse travado no balanço.

Uma lei sancionada por Lula no ano passado autoriza a Emgea, estatal criada em 2001 para administrar parte da carteira de crédito habitacional da Caixa com inadimplência elevada, a adquirir créditos securitizados pelos bancos. Para isso, ela usaria recursos que recebe do FCVS (Fundo de Compensação de Variações Salariais), criado na década de 1960 para garantir o pagamento integral dos contratos do antigo SFH (Sistema Financeiro de Habitação). Atualmente, esses valores são honrados pelo Tesouro Nacional.

Para a engenharia fazer sentido, no entanto, a Emgea precisa revender esses papéis no mercado e fazer o dinheiro girar. Vem daí o principal impasse: boa parte dos contratos de financiamento tem juros subsidiados, e oferecer um retorno compatível com o mercado significaria para a Emgea assumir um prejuízo de forma deliberada.

Se antes isso já era um problema, dada a possibilidade de questionamentos de órgãos de controle, a alta da Selic apenas agravou o quadro, já que ficou maior o diferencial de taxas e, consequentemente, o tamanho do prejuízo potencial.

O cenário adverso não significa que o governo abandonou a ideia de discutir alternativas para seguir irrigando o mercado com linhas de crédito imobiliário mais baratas.

Segundo a vice-presidente da Caixa, uma possibilidade é criar mecanismos de incentivo para que os fundos de pensão, que administram sozinhos quase R$ 1,3 trilhão em ativos, invistam nesse mercado.

Essas entidades já contam com o benefício da isenção do Imposto de Renda e, por isso, não têm motivo adicional para investir em instrumentos como a LCI (Letra de Crédito Imobiliário), cuja principal vantagem é a isenção dos rendimentos.

A proposta em discussão no setor imobiliário e também entre os bancos é transferir o benefício da isenção para o emissor desses papéis. Com a desoneração, eles poderiam pagar ao investidor prêmios mais elevados e, assim, atrair os fundos de pensão.

“Se a gente pega uma fatia desse recurso, mesmo que regulado, só pode 5% ou 10%, é bastante dinheiro. Para nós seria uma boa opção”, afirma Magalhães.

Mudança semelhante já foi feita nas debêntures de infraestrutura, que antes só ofereciam benefício ao investidor, mas, desde o início de 2024, também permitem isenção ao emissor. Os fundos de pensão inclusive pleiteiam uma mudança na regulação para autorizar de forma expressa a alocação de recursos nessas debêntures -um indício de que a mudança suscitou, de fato, maior interesse dessas instituições pelo investimento.

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