por Carolina Chendes e Letícia Corrêa
Mulheres negras representaram 69% das vítimas de violência política digital no Brasil entre junho de 2021 e julho de 2025. O dado faz parte do levantamento “Violência Política de Gênero e Raça no Âmbito Digital”, realizado pelo Instituto Marielle Franco, que monitorou 77 casos de ataques online com motivação política, gênero e raça. Do total, 30 casos foram acompanhados pelo próprio Instituto, enquanto os demais foram monitorados pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global.
Ainda segundo o estudo, 18% das vítimas se autodeclararam pardas, 10% brancas e 3% optaram por não se identificar racialmente. Os ataques não se limitam ao ambiente digital: mulheres negras são alvos frequentes de ameaças à sua integridade física, simbólica e política — apesar de representarem, em 2022, apenas 2% das cadeiras do Congresso Nacional.
Além da sub-representação, os obstáculos para permanecer na política são violentos — e muitas vezes institucionalizados. Um levantamento feito com 37 processos judiciais relacionados ao descumprimento da Lei 14.192/2021, que protege mulheres da violência política, revela que 16 foram abertos por mulheres pretas, 8 por pardas, 6 por brancas, e 7 vítimas optaram pelo anonimato. Em diversos casos, os nomes aparecem apenas com iniciais, dificultando a identificação e a responsabilização dos agressores.
“O que está em jogo aqui não é apenas o bem-viver dessas mulheres dentro e fora da política, mas a saúde da própria democracia. Uma democracia que tolera, ou ignora, a violência contra quem se compromete a mudar as estruturas de poder é uma democracia incompleta, frágil. E nós não queremos apenas estar na política: queremos transformá-la”, afirma Luyara Franco, diretora executiva do Instituto Marielle Franco e filha da vereadora assassinada em 2018.
Luyara defende que figuras como sua mãe não sejam a exceção, mas a regra em um projeto de país mais justo e plural. Mas, para isso, é preciso enfrentar o que chama de resistência violenta às mudanças.
A ex-deputada estadual e ex-vereadora Jurema Batista, pioneira como mulher negra na política do Rio de Janeiro, lembra que muitas trajetórias de pessoas negras no poder começam motivadas por experiências traumáticas.
“É impossível uma pessoa da população negra chegar ao poder sem ter uma história de luta social. Nós não temos sobrenome de colonizadores, não temos poder econômico e não temos trajetória política familiar”, diz Jurema, que iniciou sua militância ainda como professora na comunidade do Andaraí, na Zona Norte do Rio.
Ela afirma que as ameaças às mulheres negras em cargos eletivos não partem apenas da sociedade civil, mas muitas vezes vêm de dentro da própria estrutura política. Um dos casos emblemáticos é o da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, que, segundo relatos, sofreu importunações sexuais por parte do então ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida.
Para a pesquisadora Twig Santos Lopes, autora do livro “Violência Política contra as Mulheres” (Mórula, 2024), o crescimento desse tipo de violência expõe os limites das legislações atuais. “Três anos após a promulgação de leis específicas para combater a violência política de gênero, ainda vemos o agravamento dos ataques, principalmente no meio digital. E a solução não virá apenas por meio do aumento de penas ou da criação de novos tipos penais”, afirma ela.