Foram oito horas seguidas de ventos acima de 72 km/h registrados no último dia 10 pela estação meteorológica do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) no Mirante de Santana, zona norte de São Paulo. O órgão federal chamou o episódio de “impressionante”. Na Lapa, zona oeste, foi registrada a velocidade recorde de 98 km/h, a maior em condição de tempo firme (sem chuva) desde o início das medições, em 1963
A ventania foi consequência de um ciclone extratropical, que provocou vento e chuva intensa entre o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro. Na Grande São Paulo, quase 2,3 milhões de imóveis ficaram sem luz após quedas de árvores e interferências na fiação elétrica. No Sul, a ventania se estendeu até o início dessa semana, atingindo 83 km/h em Porto Alegre na segunda-feira, 15.
Em novembro, um tornado de proporções históricas atingiu a região centro-oeste do Estado do Paraná, deixando sete mortos e centenas de feridos. A maior destruição foi no município de Rio Bonito do Iguaçu, onde os ventos chegaram a 330 km/h.
Com a mudança do clima, eventos desse tipo têm se tornado mais intensos e frequentes, e dados indicam que a região metropolitana de São Paulo, por exemplo, passou a enfrentar mais dias de chuva extrema no ano.
Mas e o vento, também ficou mais extremo nesse cenário climático? A resposta é mais complexa e depende das medições de ventos mais constantes e intermitentes, que enfrentam dificuldades técnicas e falta de dados.
De modo geral, a maior ocorrência de tempestades está, sim, ligada à formação de ventos mais fortes. Francisco Aquino, climatologista especializado na formação de ciclones e outros eventos extremos na América do Sul, afirma que além de mais quente e tempestuosa, a época atual também é mais ventosa.
Essa condição gera ventos mais rápidos tanto em altitude quanto de superfície, segundo o especialista. Eles têm impactado a aviação com mais turbulência, mais gastos em combustível e manutenção.
A partir da formação de ciclones no sul da América do Sul, uma das regiões características para a ocorrência deles, “os sistemas frontais (encontro de massas de ar com características diferentes que provocam chuvas, ventos, trovoadas e mudança de temperatura) têm sido mais intensos e frequentes e, claro, nuvens de tempestade, granizo, rajadas de vento também cresceram”, diz Aquino, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Segundo o pesquisador, o aquecimento dos oceanos provoca mais ciclones, que podem ser mais intensos (chamados de “explosivos”) e perdurar por mais tempo, gerando ventanias prolongadas como a registrada em São Paulo.
Velocidade média aumentou ou diminuiu?
Os ciclones, sistemas de grande escala, não são a única origem das ventanias, que também surgem de tempestades mais cotidianas e outras condições atmosféricas.
“A gente sabe que todos os transientes, essas áreas de instabilidade na atmosfera, estão aí para redistribuir calor. Energia na forma de calor e de movimento, de vento. Se você pensa que tempestades localizadas estão ficando mais frequentes pela mudança de uso do solo e aquecimento (das cidades), isso faz com que essas situações de ventos mais intensos e repentinos também aumentem”, explica Ricardo de Camargo, meteorologista e professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP.
Quando se observa os dados locais das estações meteorológicas, a tendência de aumento não é tão fácil de observar, em parte por fatores técnicos das medições.
Os dados coletados na estação Mirante de Santana desde a década de 1960 até 2024 pelo Inmet indicam uma redução da velocidade média do vento no local. Nesse caso, os especialistas levantam a hipótese de influência da maior edificação na região ao longo das décadas, que pode tanto canalizar o vento em determinados locais, tornando-o mais forte do que foi medido pela estação, quanto bloquear sua intensidade.
A redução de velocidade média também aparece nos números coletados aproximadamente no mesmo período pela estação Paulo Marques dos Santos, do IAG-USP. Essa estação está localizada dentro do Parque Estadual Fontes do Ipiranga, a sudeste da capital.
Um estudo de abrangência nacional publicado em 2017 na revista científica Renewable Energy também traz resultados mistos. O paper buscou analisar a tendência climática de ventos extremos com base em 42 estações espalhadas pelo Brasil, encontrou intensificação do vento sustentado em 19 delas, e tendência de desintensificação ou inconclusiva nas demais.
Vento x rajada
A meteorologia realiza diferentes medições do vento seguindo os parâmetros da Organização Meteorológica Mundial (OMM), segundo explica o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Ernani Nascimento.
– vento sustentado: velocidade média calculada durante dez minutos (ou dois, no padrão de aeroportos) de capturas de alta frequência realizadas por um anemômetro;
– rajada de vento: pico instantâneo de velocidade do vento observado geralmente em uma média de três segundos.
Conforme padrão da OMM, ventos e rajadas considerados intensos/severos estão acima de 90km/h. A maior rajada já registrada pela estação Paulo Marques dos Santos, do IAG, alcançou 100,8 km/h e ocorreu em novembro de 1973.
A medição das rajadas é outro fator relevante para responder sobre o aumento da intensidade dos ventos.
“Quando a gente pensa em capacidade de gerar danos, as rajadas são mais importantes do que o vento médio, porque são velocidades muito altas”, diz o especialista do Inpe. “Não precisa durar muito tempo, é na casa de segundos mesmo, para que gere dano num edifício, no telhado de uma casa ou derrube uma árvore”.
O problema é que a medição de rajadas costuma ser mais complexa do que a de ventos sustentados, fenômenos de maior escala e consequentemente com maior chance de serem captados por uma estação meteorológica. Já as rajadas, por ocorrerem em menor raio, dependem da posição exata do anemômetro para captar ocorrências de maior intensidade. Isso limita a amostragem dos dados e a capacidade de extrair conclusões mais abrangentes.
Segundo o meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) Melquizedek Duarte, existe a possibilidade de que a quantidade e intensidade de rajadas tenha aumentado mesmo com a queda da velocidade média detectada pelas estações. Os dados, porém, ainda são insuficientes para analisar se isso realmente aconteceu em São Paulo.
“Para pegar esses eventos, precisa de um sensor, de um tipo de estação específica (automática) e a gente só tem esse dado de 2006 para cá. Fica inviável fazer uma análise histórica”, afirma Normalmente, é preciso uma base de mais de trinta anos para fazer análises confiáveis desse tipo de fenômeno.
A série histórica mais curta e dificuldades técnicas de medição das rajadas têm exigido a adoção de outras estratégias, como estimar a velocidade do vento sem medição direta, através da análise de danos. Esse tipo de análise começou a ser feita de maneira sistemática só mais recentemente, e por isso ainda não permite “traçar nenhuma conclusão climática de longo prazo”, segundo o pesquisador do Inpe.
“Existe essa percepção de que esses eventos intensos estão ocorrendo com mais frequência, principalmente aqui na região metropolitana de São Paulo, mas não se consegue concluir isso pela série histórica de dados de rajadas”, afirma Ernani Nascimento, do Inpe.
Outra dificuldade no estudo desses fenômenos é a grande variabilidade de fatores que geram uma atmosfera favorável às rajadas intensas.
Nascimento explica que há inúmeras condições atmosféricas que podem criar uma tempestade com rajadas intensas. No caso do Estado de São Paulo, algumas parecem estar ficando mais frequentes e outras menos. “Não dá para bater o martelo”, diz Nascimento.
Para os especialistas, ainda faltam dados mais robustos e análises abrangentes para ter uma resposta conclusiva sobre o tema, mas é fato que é preciso melhorar as previsões e análises sobre os ventos de maior poder destrutivo para que se possa emitir alertas, projetar estruturas mais resilientes e prevenir danos.
Estadão Conteúdo