BRUNA FANTTI
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)
Tiroteios na mata, ameaças a rivais, exibição de armas, roupas de marca e propaganda de bets. Assim se apresenta no Instagram Alexandre Germano da Conceição Ferreira, 19, o Cocão da Serrinha, apontado como uma das principais lideranças do TCP (Terceiro Comando Puro).
Diante dos 40 mil seguidores, o jovem que nunca foi preso e que, em menos de um ano, foi denunciado em sete processos sob suspeita de tortura, tráfico e homicídio exibe a rotina de confrontos com o Comando Vermelho na zona norte do Rio.
A bet exposta no perfil de Cocão é ilegal e já apareceu estampada em papelotes de cocaína apreendidos pela Polícia Militar em uma operação. Investigações da Polícia Civil apontam que traficantes utilizam apostas online para lavar dinheiro. Os agentes também apuram se há tentativa de legalizar empresas para operá-las como mais um braço financeiro da quadrilha.
A reportagem não localizou a defesa de Alexandre. Procurada, a ANJL (Associação Nacional de Jogos e Loterias) não quis se manifestar sobre as publicações de apostas.
Há ainda registros de golpes envolvendo sites ilegais de apostas. Em um boletim de ocorrência, uma vítima relatou ter tido dados bancários roubados após acessar um link de uma bet não autorizada. Um empréstimo de cerca de R$ 9.000 foi feito em seu nome. Segundo a polícia, os suspeitos seriam ligados ao tráfico.
Cocão segue foragido. Em monitoramentos, foi flagrado em uma videochamada com o rapper Oruam e com o traficante Edgar Alves, o Doca, principal liderança do Comando Vermelho em liberdade. Investigadores afirmam que chamadas desse tipo são comuns e usadas como provocação entre facções rivais. Oruam não se manifestou.
O artista é filho de Márcio Nepomuceno, o Marcinho VP, detido em presídio federal. Segundo a polícia, o traficante ainda seria uma das principais lideranças do CV, o que sua defesa nega.
De acordo com a SPA (Secretaria de Prêmios e Apostas) do Ministério da Fazenda, apenas no primeiro semestre deste ano houve o encerramento de contas de 45 empresas que atuavam no mercado irregular de apostas. No mesmo período, 112 páginas de influenciadores e 146 publicações foram removidas das redes sociais.
Questionada sobre postagens de suspeitos, a Meta, responsável pelo Instagram, afirmou que não permite “o uso de nossos serviços para promover atividades criminosas ou conteúdos que glorifiquem, apoiem ou representem organizações e indivíduos perigosos. Removemos esse tipo de conteúdo sempre que identificamos violações e estamos continuamente aprimorando nossa tecnologia e treinando nossas equipes para detectar e lidar com atividades suspeitas”.
“Também incentivamos as pessoas a denunciar qualquer conteúdo que considerem contrário aos nossos Padrões da Comunidade. Trabalhamos com autoridades e respondemos a solicitações legais, colaborando com forças de segurança nos termos da legislação aplicável”, acrescentou.
Após o questionamento da reportagem, a plataforma retirou do ar o conteúdo de Cocão.
Mesmo monitorados pela polícia, traficantes seguem postando a rotina nas redes. Parte dessas imagens foi utilizada pela inteligência da Polícia Civil para vincular mortos na megaoperação nos complexos da Penha e do Alemão, no fim de outubro, ao Comando Vermelho.
Em vídeos, adolescentes aparecem portando armas, incluindo um fuzil, e fazendo com as mãos o símbolo da facção. Assim como Cocão, um dos mortos tinha em seu perfil um vídeo de propaganda de bet.
Suspeitos também usam suas páginas para homenagear mortos, divulgar festas comunitárias e bailes funk, além de exibir motos, roupas, tênis e maços de dinheiro. Ao mesmo tempo, publicam vídeos de tortura, execuções e ameaças a rivais.
Para o subsecretário de inteligência da Secretaria de Segurança Pública, Pablo Sartori, o conteúdo funciona como uma forma de marketing do tráfico. “As facções usam as redes sociais como ferramenta interna para as comunidades dominadas, bem como de forma externa, buscando melhorar sua imagem na sociedade. Embora não seja feito de forma tão profissional, é sim uma ação de marketing.”
Familiares de mortos relataram ter tentado impedir a entrada dos jovens no crime, mas que eles eram seduzidos pela aparente vida de ostentação e poder exibida pelos traficantes. O pai de um adolescente contou que o filho ingressou no tráfico após contato com criminosos pelas redes sociais.
A psicóloga forense Patrícia Barazetti explica que a relação entre criminalidade, exposição digital e mecanismos de recompensa tem raízes na estrutura psíquica dos envolvidos. Segundo ela, que já atuou em casos de seriall killers e tem mais de 20 anos de carreira, “quando o sujeito opta por se conectar ao ilícito, ele já tem um afrouxamento de aparelho psíquico muito grande”. “A moral e a ética não funcionam como deveriam.”
“As redes sociais acionam os mesmos circuitos cerebrais de prazer, os mesmos mecanismos compensatórios daquela pessoa que usa droga ou que tem um ganho material”, afirma. “E nisso se enquadram também os ganhos com bets, de ganho fácil. Dentro de um aspecto de neurofuncionamento, a compensação vem pela mesma via.”
Ainda segundo Barazetti, muitos desses criminosos apresentam traços narcisistas e acreditam que não serão alcançados pelas consequências de seus atos, o que favoreceria a exposição nas redes.
“Essa ostentação vai preencher uma lacuna de identidade e autoestima. Cria um pseudo lugar de poder e respeito. Também existe a questão de se sentir pertencente àquele movimento. Há componentes de impulsividade e déficit de autorregulação”, diz.
“A cultura digital amplifica essa impulsividade e traz uma resposta imediata à necessidade de exercitar o momento do desejo, de ser notado, de se tornar um ídolo. O prazer da exibição se coloca em um lugar maior do que o medo da punição.”