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Brasil

Trabalho com Uber é terceira via, diz ministro do TST sobre aplicativos

“Por um lado há liberdade, por outro, não há autonomia, então tem no caso uma terceira via”

João Victor Rodrigues

01/10/2025 6h44

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

CRISTIANE GERCINA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Único entre os membros da Terceira Turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho) a votar contra o vínculo de emprego entre um motorista de aplicativo e a Uber em 2022, o ministro Alexandre Agra Belmonte afirma ver o trabalho em plataformas como terceira via.

“Por um lado há liberdade, por outro, não há autonomia, então tem no caso uma terceira via”, afirma à Folha o magistrado.

Professor dá área, Belmonte é um dos organizadores do 15º Congresso Internacional de Direito do Trabalho, que começa hoje em São Paulo, mesmo dia no qual o STF (Supremo Tribunal Federal) tem na pauta o julgamento de processo que discute a relação entre motoristas e aplicativos.

O caso no Supremo —sob o tema 1.231— é o mesmo julgado pelo TST em 2022. A decisão a ser tomada, no entanto, vai além do vínculo de emprego e envolve a competência da Justiça do Trabalho para julgar esses trabalhadores, posição defendida pelo ministro.

“Essa competência é da Justiça do Trabalho”, diz.

Belmonte afirma que há uma zona “gris” na relação entre os motoristas e os aplicativos, o que faz com que a sociedade precise repensar a nova dinâmica do trabalho. Para ele, as plataformas estabelecem uma triangulação entre empresas e clientes, e há uma relação profissional diferente da tradicional e direta entre empregador e empregado.

“No caso de motoristas e entregadores, é evidente que você tem uma situação em que essas empresas são empresas de transportes. Elas usam o aplicativo para fornecer o transporte. Elas não vendem o app, o que você vai comprar é um serviço de transporte”, afirma ele.

Outro ponto apontado pelo ministro é o de que embora haja uma liberdade no trabalho de motoristas e entregadores, não há autonomia, já que o profissional não define preço, rota e nem mesmo se será direcionado para fazer o serviço.

“Eles são pontuados, se trabalhar pouco vão ser descartados pelo algoritmo. Quando você pega um Uber, por exemplo, sempre vai ter um trabalhador avaliado com 4,99, porque o algoritmo coloca na frente o mais pontuado”, explica.

Para o ministro, é preciso estabelecer direitos, que protegeriam os motoristas e trariam tranquilidade para as empresas. Dentre o que considera essencial estão a necessidade de seguro em caso de roubo, proteção por meio de contribuição à Previdência Social para amparo em doença, aposentadoria ou morte e remuneração mínima.

“Precisa que sejam incluídos no que a gente chama no direito coletivo organizado; direito à sindicalização, a negociações coletivas, que possam até por meio de acordo ou convenções estabelecer situação que a lei não reconhece, e até direito de greve”, diz.

Sobre a greve, explica que uma categoria organizada pode parar o serviço, mas deve avisar com antecedência empresas e a sociedade civil por conta dos impactos que podem causar, e cita os breques dos aplicativos como momentos em que houve “situação caótica” no país.

Home office

As recentes polêmicas envolvendo o teletrabalho com a demissão de mil funcionários do Itaú após monitoramento da empresa e as críticas ao home office por empregadores não farão com que a sociedade retorne totalmente ao presencial, na opinião do ministro. “Funciona muito bem não apenas no Brasil como na europa”, afirma.

Para Belmonte, a redução nas jornadas a distância ocorrem por movimentos naturais do pós-pandemia, mas que diz que ainda há pontos a serem discutidos e definidos nesta relação, embora o trabalho a distância esteja previsto e regulado nos artigos 75A e seguintes da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

“A questão especial [a ser discutida] é quanto à hiperconexão, assédio, doenças, invasão na vida privada. Para as empresas, teoricamente seria muito mais barato o teletrabalho”, diz.

Sobre monitoramento, ele diz que a empresa pode fiscalizar, porque está dentro do contrato, mas monitorar o trabalho “de segunda a segunda” é proibido, especialmente nos casos em que o contrato é por produção e o profissional escolhe a hora que quer trabalhar.

Para ele, no entanto, precisa de lei específica tratando dessa “invasão”, como há na europa. “O empregador pode fiscalizar se o trabalho está sendo feito ou não, mas, por exemplo, para entrar numa residência, ele tem que pedir autorização, porque é algo inviolável”, afirma.

Pejotização

Sobre contratação por meio de PJ (Pessoa Jurídica), Belmonte tem posicionamento mais duro. Para ele, os contratos deste tipo são possíveis em determinadas situações, mas o que ocorre em geral é uma tentativa de se burlar a legislação trabalhista, o que seria fraude.

“A legislação trabalhista não é uma escolha, é um antídoto contra fraudes. Ela foi engrendrada para este fim. Cabe ao STF dizer que a pejotização lícita, mas é preciso coibir os casos de fraude”, diz.

Tanto o TST quanto o STF já reconheceram que as relações PJ podem ser lícitas em situações legítimas e, segundo ele, a Justiça do Trabalho tem atuado para diferenciar os casos em que há autonomia real daqueles em que há disfarce de relação de emprego.

“A pejotização significa você contratar uma determinada pessoa jurídica para fazer um serviço. Então você não vai contratar o médico Alexandre, você vai contratar a empresa do médico, mas é preciso que ela realmente tenha um negócio próprio que ela desenvolva o empreendimento. Agora, você não pode entender que o sujeito que faz entrega de bicicleta ele empreendendo.

Congresso

Além da uberização e das novas relações de trabalho, o congresso de direito irá debater outros temas polêmicos, como o monitoramento dos profissionais em teletrabalho; se as empresas podem usar geolocalização nos contratos a distância; terceirização e pejotização; e quais os limites do negociado sobre o legislado, regra trazida pela reforma trabalhista de 2017.

Vólia Bomfim, advogada trabalhista, professora de direito e membro da ABDT (Academia Brasileira de Direito do Trabalho), também organizadora do evento, afirma que há ao menos três assuntos que se destacam, como a obrigatoriedade de se aplicar a jurisprudência do TST em precedentes julgados pela corte, o monitoramento de trabalhador em redes sociais e a possibilidade de flexibilização das cotas.

“Pode o empregador fiscalizar ou não? Pode colocar geolocalização? Isso viola a privacidade? Não viola?”, diz.

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