LUCAS LACERDA, ISABELA PALHARES, FRANCISCO LIMA NETO E PAULO EDUARDO DIAS
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
No segundo dia sem energia elétrica após a passagem de um ciclone extratropical, a população de São Paulo e da região metropolitana da capital segue enfrentando transtornos para retomar a rotina. Em meio a uma corrida por geradores e aos danos ao comércio, trabalhadores têm achado escritórios diferentes, como padarias, e passageiros disputaram tomadas para carregar celulares e outros aparelhos eletrônicos.
Ainda havia 1,3 milhão de consumidores sem energia na área de concessão da Enel São Paulo por volta das 18h desta quinta-feira (11), e a empresa não tinha uma previsão para o restabelecimento total do serviço.
Procurada, a concessionária não respondeu até a publicação deste texto.
Um dos locais afetados na capital paulista, o salão da empresária Débora Mandotti ficou sem energia elétrica por volta das 13h de quarta-feira (10), e seguida nessa situação no início da tarde desta quinta. Para minimizar prejuízos e às vésperas do fim de semana, ela, assim como muitos outros estabelecimentos e residências, avaliava o aluguel de um gerador.
“Cada hora a gente recebe uma mensagem da Enel, dizendo que uma hora volta, mas não dá para saber.
Então estamos nos programando para contratar um gerador para amanhã e para sábado”, afirmou Débora, cujo salão fica em um centro comercial na rua Monte Alegre, em Perdizes, na zona oeste da capital paulista.
O preço, no entanto, aflige. “Está saindo na faixa de R$ 3.800 por oito horas”, afirmou. “E é um prejuízo grande, principalmente porque estamos no final de ano. E amanhã já estou contratando gerador, não sei se [a Enel] vai ligar a energia.” Ela disse que pretende ir à Justiça contra a companhia por lucro perdido.
Se a busca por geradores virou uma corrida, os fornecedores também se desdobram para atender pedidos. Em uma das empresa consultadas pela reportagem nesta quinta, uma mensagem automática informava que não havia mais equipamentos ou calendários disponíveis no momento. A busca também disparou. A Leroy Merlin disse ter vendido 180 geradores na quarta-feira (10), ante 14 unidades comercializadas no dia anterior.
Na zona oeste da capital paulista, Jorge Coelho, sócio-diretor da N1 Geradores, viu a demanda pular de três ou quatro datas de aluguel por semana, especialmente para eventos e bufês, para “oito ou nove por dia.” Ela afirmou que o impacto de ventanias é mais forte do que o de chuvas.
“Não tem máquina em São Paulo. Eu conheço pessoas que têm cem geradores, e que não têm nenhum, pra nada. E se você achar, o cara vai te cobrar o olho da cara, tem gente que aproveita a situação.” Ele afirmou que não cobrou a mais após o desastre, e que já viu, na crise atual, açougues e sorveterias perderem estoque.
Estimativa da Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo conta 5.000 empresas, entre bares e restaurantes na capital e em municípios da Região Metropolitana, do Alto Tietê e do ABC paulista, afetados pelo apagão. “A entidade alerta que grandes estabelecimentos ou redes têm, ou podem dispor, de geradores elétricos, porém, mais de 95% dos estabelecimentos do segmento de Alimentação Fora do Lar não têm como recorrer a este tipo de equipamento.” A conta estimada de prejuízo já chegou a R$ 100 milhões.
Em Diadema, moradores do bairro Jardim das Nações 2 relataram mais de 24 horas sem energia por volta do meio-dia desta quinta. “Tem moradores do bairro com idosos, deficientes em casa, fora as pessoas que não conseguem trabalhar. Na minha casa, minha mãe usa insulina”, afirma a designer de balões Vanessa Cornachione, 42. “Neste fim de semana tenho várias festas e já ia inflar alguns balões para adiantar.”
Os estabelecimentos com energia, por outro lado, viram escritório. Em uma padaria na rua Cristiano Viana, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, todas as mesas estavam ocupadas na manhã desta quinta com pessoas carregando os notebooks e celulares.
A empresária Alda Monteiro, 46, se programou para passar todo o dia na padaria para conseguir trabalhar e driblar a instabilidade no sinal de internet móvel. “Aqui na padaria pelo menos consigo usar as tomadas para recarregar os aparelhos e também tem wifi.”
Outra solução para carregar aparelhos foi procurar as tomadas no metrô. Foi o caso da designer Iolanda Santos, 30, que estava desde o início da manhã de quarta sem energia em casa na Praça da Árvore, na zona sul da capital.
“Eu estava em casa, esperando a energia voltar, mas comecei a ficar desesperada porque meu celular estava descarregando. Fico com medo de ficar incomunicável”, contou. Ela recorreu ao metrô para usar as tomadas. Ela levou uma extensão e acabou ajudando outras pessoas que estão na mesma situação.
Quem não ficou sem água na torneira –serviço também afetado em várias regiões da capital paulista e da Grande São Paulo– enfrenta banhos frios. É o caso de Paulo Paiva, 61, analista de sistemas, recém-chegado à capital. Há apenas três dias ele se mudou de Jundiaí para a rua Jaboticabal, na Mooca, na zona leste paulistana, e estava sem energia desde as 9h40 de quarta-feira. “Acho que a mais rica cidade do Brasil ficar mais de seis horas sem energia é um descaso. O congelador descongelou, tive de jogar as carnes fora.”
E a demanda por gelo também tem movimentado o dia de fornecedores. A empresa Maqgel Gelo, que disse entregar uma média de 25 mil pacotes por semana durante o mês de dezembro, também teve aumento na procura. Apesar de atender mais o atacado, a empresa tem sido mais acionada pelo varejo e por pequenos estabelecimentos.
Já Adalberto Cardoso, um dos diretores da Comgelar, afirmou que gelo seco tem sido a solução procurada por clientes domésticos que tentam salvar os itens da geladeira. “Não consigo nem dimensionar o quanto vendemos, mas em termos de percentual, dobrou.”
“O que eu não consegui suprir de entrega, foi por aplicativo”, disse o empresário, que também passou o dia atendendo estabelecimentos comerciais.
Associações de condomínio têm orientado que as pessoas busquem indenização caso precisem de geradores. É o caso do Sindicond (Sindicato dos Condomínios), de SP. “O sindicato patronal tem orientado, que a Enel, segundo o Código de Defesa do Consumidor, sendo a concessionária que presta um serviço essencial, deve garantir o fornecimento contínuo de energia, por isso dever ser responsabilizada a indenizar o condomínio que alugou um gerador.” O grupo também analisa possibilidade de ação civil contra a concessionária.
A Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC) disse que tem dado orientações aos condomínios, e afirmou que geradores para este tipo de situação são de difícil acesso. “A principal demanda é o acionamento de prestadores de serviço de abastecimento e entrega de diesel. A locação emergência não é uma praxe e são equipamentos de difícil disponibilidade e altíssimo custo”, afirmou o presidente da associação, Omar Anauate. O grupo também reforça a importância da colaboração entre condôminos, já que a Enel não tem conseguido dar uma posição sobre o retorno dos serviços.