VINICIUS SASSINE
BELÉM, PA (FOLHAPRESS)
A PF (Polícia Federal) afirma que um programa apresentado como prioritário para a COP30 -e que acabou paralisado, sem que bairros da periferia de Belém recebessem as ações para interrupção de enchentes e alagamentos- foi usado em um suposto esquema de corrupção, com pagamentos de suborno na forma de carro de luxo e apartamentos, um deles no Leblon, no Rio de Janeiro.
O suposto esquema teria envolvido saques de dinheiro em espécie e pagamento de propina a servidores do município, na gestão anterior à do atual prefeito, Igor Normando (MDB). Conforme a PF, o dono da empresa F.A.S. Serviços Técnicos, Jorge Quintairos Jacob, liderou pagamentos de suborno a secretários da administração de Edmilson Rodrigues (PSOL), prefeito derrotado nas urnas em 2024.
Em 2020 e 2024, a empresa recebeu R$ 153 milhões a partir de contratos públicos com o município, segundo a PF. A polícia diz que os saques em espécie superaram R$ 9 milhões e que o pagamento de propinas mapeado somou R$ 5,3 milhões.
Entre elementos de suborno citados pela PF, estão a destinação de um carro de luxo no valor de R$ 356 mil, a compra de um apartamento no Leblon, bairro nobre no Rio, e o pagamento da entrada de um segundo apartamento, em Belém, para a então secretária de Saneamento da prefeitura, Ivanise Coelho Gasparim (PT).
A empreiteira e a ex-secretária não responderam aos questionamentos da reportagem.
O ex-prefeito disse, em nota, que contratos foram assinados antes de sua gestão e que não é nem investigado nem citado pela PF. A atual gestão disse que não vai comentar. Em nota divulgada na semana passada, a prefeitura afirmou que colabora com as investigações e que abriu sindicância para apurar a responsabilidade de servidores.
No suposto esquema, segundo a PF, foi usado o Programa de Macrodrenagem da Bacia Hidrográfica do Mata Fome, voltado a intervenções urbanas para garantia de direitos básicos em quatro bairros de Belém, com ações previstas em uma extensa rede de canais ligados ao igarapé Mata Fome, em benefício a 130 mil pessoas.
As obras foram apresentadas, em 2024, como prioritárias para a COP30, a conferência do clima da ONU, com drenagem de canais, pavimentação de ruas, tratamento de esgoto e construção de casas numa região periférica onde os moradores convivem com alagamentos constantes.
A atual gestão do município parou de considerar o programa como uma iniciativa associada à COP30, que será realizada em novembro em Belém.
“As obras do programa no igarapé Mata Fome se encontram em estado de virtual paralisação e abandono. Apenas intervenções iniciais e pontuais foram executadas até o final de 2024, e a obra está paralisada desde janeiro de 2025”, disse a PF, em relatório usado para embasar a operação deflagrada na semana passada.
“Milhões de reais foram liberados e pagos à empresa contratada, sem correspondência no canteiro de obras”, afirmou a polícia. “Enquanto os envolvidos se enriqueciam ilicitamente, importantes obras públicas permaneciam paralisadas ou inacabadas.”
Trocas de mensagens entre donos da empreiteira e gestores da Secretaria de Saneamento mostram pressão para liberação de recursos relacionados ao Mata Fome.
Uma nota de empenho -que é a autorização para os recursos- de outubro de 2024, reproduzida em relatório da PF, garantiu R$ 5,3 milhões da secretaria à F.A.S., tendo como fonte de recursos o programa do Mata Fome, com dinheiro do Fonplata, a partir de operação de crédito externa. O Fonplata é um banco de desenvolvimento de Brasil, Bolívia, Argentina, Paraguai e Uruguai.
Quando o projeto foi apresentado pela Prefeitura de Belém, em maio de 2024, a gestão passada afirmou que a iniciativa era prioritária para a realização da COP30 e contava ainda com R$ 132,7 milhões do PAC Seleções, do governo federal.
O Ministério das Cidades disse, em nota, que os recursos para urbanização e qualificação do Mata Fome não foram liberados pela pasta. “A obra não concluiu o processo licitatório”, afirmou.
A investigação da PF lista intensa troca de mensagens entre Jacob, dono da F.A.S., e a então secretária Ivanise Gasparim.
A polícia diz que Ivanise orquestrou um esquema de corrupção, com direcionamento e fraude na contratação da empreiteira, indicação de funcionários da secretaria que deveriam receber propina -12 servidores são apontados na investigação- e recebimento de transferências de dinheiro, a partir de terceiros e de um restaurante em nome de familiares.
Um carro de luxo foi custeado por Jacob e entregue de forma “velada” a Ivanise, segundo a PF. “O automóvel foi registrado em nome de interpostas pessoas”, disse a polícia.
O apartamento no Leblon foi comprado pela ex-secretária por meio de pagamentos fracionados no valor de R$ 729 mil, que saíram de “múltiplas fontes do esquema”, conforme relatório da PF. Outro imóvel, em construção em Belém, teve a entrada de R$ 354 mil paga em parte por Jacob, segundo a polícia.
A PF diz ainda que houve repasses de R$ 180 mil em benefício a Cláudio Puty (PSOL), que foi secretário municipal do Planejamento e Gestão. Puty manteve contatos por mensagem com Jacob e indicou a conta de um tio para o recebimento do dinheiro, segundo a PF.
O ex-secretário não foi localizado pela reportagem para comentar a acusação feita pela polícia.