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Brasil

Professora transexual conseguiu proteção contra ex pela Lei Maria da Penha

Mas a jovem, de Goiânia, relata um processo “extremamente humilhante”. Em tribunais pelo Brasil, são dadas decisões divergentes

Redação Jornal de Brasília

08/09/2021 6h26

A professora e mulher trans Rafaela Nogueira, de 24 anos, obteve medida protetiva pela Lei Maria da Penha contra o ex-companheiro em 2019. Mas a jovem, de Goiânia, relata um processo “extremamente humilhante”. Em tribunais pelo Brasil, são dadas decisões divergentes sobre a extensão da lei para mulheres transexuais.

O desgaste começou quando os policiais, após seu chamado, assumiram que ela seria a agressora. Após insistência e intervenção de um amigo da Polícia Federal, Rafaela foi levada à Delegacia da Mulher, mas em uma viatura – o ex-companheiro foi no próprio carro. “Eu que fui detida”, reclama.

A medida protetiva saiu no mesmo dia, acredita Rafaela, apenas por duas razões: seu nome social estar retificado em todos os documentos e ter sido recebida por uma delegada trans.

Por um ano, ela foi mensalmente acompanhada por um batalhão da PM que perguntava se o agressor havia tentado contato – pessoal, por telefone ou internet. “Se tem isso garantido, principalmente para mulheres trans em extrema vulnerabilidade, é determinante para não continuar sofrendo a violência”, diz.

A professora, que levou quatro meses desde a primeira agressão até pedir ajuda, descreve o desafio de vencer barreiras psicológicas. “A gente (mulheres trans) acredita que não vai encontrar outro parceiro e que está ganhando uma oportunidade”, afirma.

Ela lembra que entrou em um ciclo de controle financeiro, patrimonial, crises de ciúme, ameaças e até uma tentativa de assassinato. “Era como se eu fosse um veículo para ele, uma posse. De fato, foi muito difícil até para tomar coragem de ligar para a polícia. Quando a pessoa denuncia é porque ela realmente não aguenta mais.”

Para ela, se não fosse a proteção garantida pela lei, o ex-companheiro a teria procurado de novo. “O machismo garante isso ao homem, esse sentimento de posse e controle. A pessoa teria sensação de impunidade, de que não precisa prestar contas à lei.”

Ativista vê estigmas e avanços lentos

Keila Simpson, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, ainda vê dificuldade para convencer pessoas trans sobre a ida às delegacias para denunciar abusos. Segundo ela, a maioria “tem enorme receio, porque são espaços povoados de estigmas”.

Ela afirma que o Judiciário também tem dificuldade em entender a dimensão da identidade de gênero dessa população, o que causa decisões divergentes, na maioria das vezes desfavoráveis às mulheres trans. “Não se olha a pessoa ou o ser humano, mas a genitália. O que está escondido vem em primeiro plano. Quando você evoca a constituição do que é homem ou mulher, essa definição é redutiva para a conjuntura que vivemos hoje.”

Keila observa, porém, uma mudança lenta e positiva nessa questão, principalmente nas delegacias especializadas das grandes capitais, mas que “ainda não é uma política pública efetivada” em toda a estrutura de segurança pública.

Outro avanço, segundo a ativista, são as decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), que tem garantido nos últimos anos uma série de direitos à população trans, desde a retificação do nome social à escolha de celas que respeitam o gênero da pessoa transexual no sistema penitenciário.

Ainda assim, ela vê um longo caminho pela frente: “Enquanto tivermos pessoas no horizonte que não conseguem ampliar essa conjuntura, vamos tatear bastante até conseguir avançar nesse sentido. Navegamos por um cenário que ainda é cheio de empecilhos”.

Estadão Conteúdo

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