São Paulo, 11 – “O agressor tem que ser punido, se não houver uma real punição isso vai continuar, os médicos vão continuar sendo atacados em pleno exercício de sua atividade.” O alerta é do presidente da Associação Paulista de Medicina, Antonio José Gonçalves, chocado com a onda de violência contra médicos nos plantões de unidades de saúde por todo o País.
Dados oficiais, colhidos pelo Conselho Federal de Medicina a partir de registros em delegacias de Polícia, indicam que a cada duas horas um médico sofre algum tipo de agressão – espancamento, xingamento, humilhação, ameaça, injúria, desacato, difamação e até furto. Desde 2013, início da série histórica, já se acumulam 40 mil ataques contra médicos em trabalho.
Os acusados alegam, na maioria dos casos, demora no atendimento e também questionam diagnósticos e tratamentos.
Gonçalves ainda está perplexo e revoltado com o caso recente de uma médica espancada por uma paciente em Juiz de Fora, Minas. Ela sofreu traumatismo craniano e outros ferimentos graves. ‘É o retrato do que vem acontecendo em vários locais de trabalho em que profissionais de saúde sofrem vários tipos de agressão”, diz Gonçalves, em entrevista ao Estadão.
O dirigente da entidade dos médicos em São Paulo sugere ‘uma revisão do Código Penal’ e ‘aplicação com rigor da lei’. “A violência só aumenta no Brasil graças à impunidade.”
No fim de maio, a Câmara aprovou o projeto de lei 6749/2016 que prevê aumento da pena de crimes contra médicos e outros profissionais da área da saúde no exercício da atividade ou por conta dela. O texto impõe para casos de homicídio de 12 anos a 30 de reclusão – atualmente, a punição fica entre seis anos e 20
Leia a íntegra da entrevista com Antonio José Gonçalves, Presidente da Associação Paulista de Medicina:
Recentemente, uma médica foi espancada por uma paciente em Juiz de Fora e sofreu traumatismo craniano e outros ferimentos graves. Por que essa brutal agressão?
Esse caso que aconteceu em Minas é o retrato do que vem acontecendo em vários locais de trabalho em que profissionais de saúde sofrem vários tipos de agressão. Segundo a médica, a paciente já apresentava comportamento agressivo na recepção da UBS (Unidade Básica de Saúde), em Juiz de Fora. Durante a consulta, a paciente teria não aceitado algumas orientações da profissional e se irritou com a falta de uma data na receita. De repente, passou a chutar a cabeça e o tórax da médica. A mulher também teria usado uma pedra, que a polícia encontrou no consultório. Essa atitude é absurda. Difícil saber o que passou pela cabeça dessa paciente, mas a revolta, provavelmente, pode estar ligada ao tempo de espera na unidade de saúde. Seja o que for, não justifica. A prefeitura transferiu a médica para outra unidade. Mas isso não basta. É preciso investigar e tomar medidas judiciais severas.
Dados oficiais indicam que a cada duas horas um médico é alvo de ameaça, injúria, desacato, difamação, lesão corporal e até furto. O que está acontecendo?
Acredito que são vários fatores. As unidades de saúde, principalmente públicas, muitas vezes apresentam falta de médicos e problemas de infraestrutura. Outra coisa é que ainda existe uma cultura de buscar atendimento para casos mais simples, muitas vezes para conseguir atestado. Isso lota as UBS’s, UPA’s e pronto socorros. A falta de recursos para diagnóstico também causa descontentamentos. O estresse, ansiedade, depressão, problemas de saúde e afastamento do trabalho prejudicam a qualidade do serviço prestado. É importante também atender o paciente com atenção e de forma humanizada. O descontentamento, muitas vezes por calotes, salários baixos e excesso de trabalho não justificam o mau atendimento.
A Câmara aprovou um projeto que impõe penas mais severas a quem ataca médicos no exercício da profissão ou por conta dela. Considera suficiente para reduzir as hostilidades?
A violência só aumenta no Brasil graças à impunidade. O fato de ter penas mais severas é importante. O país precisa ter uma revisão do Código Penal e aplicar com rigor a lei. O profissional está ali para servir ao paciente e não para ser agredido. A implementação de protocolos de segurança, treinamento de equipes, melhoria da comunicação e do fluxo de atendimento também são importantes.
O sr acredita que uma lei mais rigorosa poderá inibir os agressores?
Se os agressores não forem punidos de verdade, isso vai continuar. A pessoa que agrediu tem que responder na Justiça, ser presa e cumprir a pena. É preciso ainda garantir que os profissionais se sintam seguros para denunciar os casos de violência, sem medo de represálias.
Desde 2013, a polícia em todo país registrou quase 40 mil ocorrências de violências contra médicos. Os agressores não são punidos?
A cada duas horas um médico passa por uma situação de violência. Muitos pacientes e acompanhantes acham que o profissional é o representante oficial de toda a cadeia de Saúde, quando na realidade, ele é um mero prestador de serviço. A maioria dos casos ainda não é denunciada e, por isso, os agressores ficam impunes.
Como os acusados se explicam à Justiça sobre essa onda de abusos? O que alegam?
Os usuários costumam se queixar da demora no atendimento e questionam os diagnósticos e tratamentos. O paciente precisa entender que nem sempre a primeira consulta resolve totalmente. É comum que exames sejam solicitados e com troca de medicamentos
Onde ocorre a maior incidência de episódios assim?
São Paulo registrou a maioria das ocorrências em 2024, 26% do total. Foram 832 boletins de ocorrência. Quase 50 por cento das agressões contra médicas.Os cinco Estados com mais casos são Paraná, Minas Gerais, Santa Catarina, Bahia e Amazonas.
Os médicos podem recorrer a algum canal para denunciar abusos que sofrem?
A Associação Paulista de Medicina mantém um canal de comunicação de defesa profissional que pode ser acessado por aqueles que sofrem agressão. O profissional recebe assistência jurídica e apoio psicológico através do e-mail defesa@apm.org.br.
Estadão Conteúdo