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Brasil

Polícia cobrará devolução de quadros alvos de investigação de roubo milionário no RJ

Entre os 16 quadros alvos da operação, há pinturas de Tarsila do Amaral, Cícero Dias e Di Cavalcanti

FolhaPress

11/08/2022 20h57

Agentes encontram a obra ‘Sol Poente’, de 1929, de Tarsila do Amaral (1886-1973), embaixo de cama de suspeitos de terem roubado idosa no Rio de Janeiro – Divulgação/Polícia Civil do RJ

Mariana Moreira e Carolina de Moraes
Rio de Janeiro, RJ e Brasília, DF

A Polícia Civil do Rio de Janeiro vai notificar os compradores dos quadros envolvidos em investigação de roubo milionário para que devolvam as obras. Entre os 16 quadros alvos da operação, há pinturas de Tarsila do Amaral, Cícero Dias e Di Cavalcanti.

Os quadros faziam parte do acervo da francesa Geneviève Rose Coll Boghici, 82, herdados há sete anos após a morte do marido, o marchand romeno Eugéne Boghici, conhecido como Jean Boghici. A filha do casal, Sabine Coll Boghici, e a vidente Rosa Stanesco Nicolau, conhecida como mãe Valéria de Oxóssi, estão entre os presos.

O grupo acusado de aplicar na viúva um golpe estimado em R$ 725 milhões foi alvo de operação na última quarta (10), na capital fluminense.

O “Elevador Social” (1966), de Rubens Gerchman, e “Maquete para Meu Espelho” (1964), de Antonio Dias, são os dois quadros que faltam ainda serem recuperados pela polícia.

Dos 16 quadros que foram roubados, segundo a polícia, 11 foram encontrados na casa da vidente, embaixo de uma cama. Os outros cinco foram vendidos para uma galeria em São Paulo.

A própria vítima, conforme os investigadores, recebeu a informação de que as obras estavam nessa galeria, e a polícia conseguiu recuperar três telas diretamente com a empresa, “O Sono”, de Tarsila do Amaral, “O Menino”, de Alberto Guingnard, e “Mascaradas”, de Di Cavalcanti.

As outras duas, “Elevador Social”, de Rubens Gerchman, e “Maquete para Meu Espelho”, de Antonio Dias, porém, já foram vendidas para a coleção privada do argentino Eduardo Costantini, fundador do Malba (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires).

No entanto, não será tão simples reaver esses trabalhos. Trazer essas pinturas de volta pode significar dar início a um longo processo, seja ele movido pela proprietária ou pelo próprio Estado, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.

A proprietária mesmo pode entrar numa disputa judicial para reaver os itens alegando que esses foram vendidos a “non domino” –ou seja, uma comercialização que não foi feita pelo proprietário e que é, portanto, inválida.

Para isso, ela vai ter que provar que não se desfez dos quadros nem tinha intenção de repassá-los para a filha. Se Sabine utilizou, por exemplo, uma procuração no nome da mãe para a venda, aí já fica mais difícil que Geneviève reverta a venda.

Um advogado especialista na área cultural que pediu para não ser identificado afirma que, no caso das obras que tiverem sido vendidas mediante a intermediação de uma galeria, como no caso das transações internacionais, a empresa também pode ser levada à Justiça. Isso porque, neste caso, foi responsabilidade dela a venda.

Todos esses imbróglios podem levar anos para se resolver, principalmente os das pinturas que estão na Argentina.

Duas convenções estabelecem como esses trâmites podem ser feitos, explica Marcelo Frullani, advogado especializado pela USP e sócio do escritório Frullani Lopes Advogados. “Os órgãos internacionais preveem que deve haver restituição do bem quanto ele é exportado de forma ilícita. O objetivo é proteger não só o proprietário do bem, mas também o patrimônio cultural do Brasil”, explica.

Apesar de não serem tombadas como os trabalhos da Tarsila, as duas pinturas são importantes para a produção brasileira. Dias teve protagonismo na vanguarda dos anos 1960, ao lado de Gerchman. E, neste caso, o Estado mesmo pode comprovar que elas têm uma importância para o repertório nacional e demandar seu retorno.

O direito estabelece que a devolução deve respeitar as convenções internacionais. E isso também não afasta a possibilidade de quem adquiriu a obra comprovar boa-fé na compra com documentos e registros –e até pedir uma indenização ao provar isso.

De acordo com o delegado responsável pelo caso, Gilberto Ribeiro, o comprador argentino será notificado e terá que devolver as obras. Ainda segundo Ribeiro, no entanto, quem adquiriu os quadros envolvidos no caso não será investigado como criminoso.

O dono da galeria de arte de São Paulo disse à polícia que não desconfiou que as obras haviam sido roubadas da idosa. Ele afirmou conhecer a família e ter recebido os quadros da própria filha da proprietária.

“Elas foram adquiridas de forma irregular. A pessoa pode até ter tido boa-fé, mas não observou corretamente o cuidado de adquirir uma obra da pessoa que é proprietária dessa obra. ‘Ah, eu adquiri da Sabine [filha da viúva]’. Bom, tudo bem, mas Sabine não era a dona. Então, eles erraram, no mínimo”, afirmou o delegado.

“Nós optamos por não ouvir as pessoas e optamos por não provocar nenhuma situação antes porque não tínhamos interesse estratégico de irmos atrás antes. Agora, podemos ouvir todo mundo”, disse também Ribeiro.

As obras, após serem recuperadas, segundo a polícia, precisam voltar à idosa que é proprietária delas. Ela, por sua vez, pode decidir manter as vendas, desde que as negociações sigam o trâmite legal.

“Não vou dizer aqui que houve crime por parte do comprador, mas errou. Na medida que ele compra roubada, essa obra tem que ser devolvida para recuperar. E se, mais tarde, essas obras forem vendidas de novo, não sei. Mas isso só vai ser possível saber depois que elas forem recuperadas, apreendidas e entregues à idosa”, conclui o delegado.

Numa entrevista ao jornal La Nación, Constantini afirmou que Geneviève já disse a ele que não tem interesse em pedir as obras de volta.

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