JOSÉ MARQUES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
A Polícia Federal disse, em relatório parcial do inquérito sobre vendas de decisões em gabinetes do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que irá abrir um procedimento de investigação autônomo sobre a relação do lobista Andreson de Oliveira Gonçalves com o grupo JBS.
Andreson, que é o principal alvos de investigações sobre vendas e vazamentos de decisões, disse em mensagens analisadas pela PF que recebeu R$ 19 milhões para atuar em um processo que teria relação com a companhia.
As suspeitas também têm relação com valores sob investigação recebidos da JBS pelo escritório da advogada Mirian Ribeiro, que foram identificados pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Ela é esposa de Andreson.
O relatório foi divulgado inicialmente pelo jornal O Estado de S. Paulo e obtido pela reportagem.
Ao mencionar os supostos pagamentos em um diálogo de 2020, segundo a PF, Andreson afirmou que o processo no qual atuava era ligado ao “pessoal do sr. Zé Mineiro”, em “referência a José Batista Sobrinho, fundador da JBS, maior empresa do setor de carnes do mundo e pai de Joesley e Wesley Batista”.
A análise policial aponta que Andreson teve acesso à minuta de um voto de relatoria da ministra Nancy Andrighi que ainda não era de acesso público. O processo tratava da J&F, controladora da JBS.
Recentemente, um servidor investigado que atuou no gabinete da ministra, Márcio Toledo, foi exonerado pelo STJ. A magistrada não é investigada.
No relatório, a PF afirma que “a circunstância reforça que Andreson detinha acesso privilegiado a minutas de decisão no âmbito do Superior Tribunal de Justiça”.
“Diante da quantidade de informações que apontam para a relação de Andreson e Mirian Ribeiro com o Grupo JBS e a complexidade desses elementos probatórios, consigna-se que essa vertente será mais bem aprofundada em procedimento investigatório autônomo”, diz a PF.
Procurada, a JBS afirma que “qualquer pagamento feito ao escritório da advogada se refere a honorários -êxito ou pró-labore- em processos da empresa. Todos os serviços possuem efetiva comprovação nos autos desses procedimentos”. “O escritório não presta mais serviços para a JBS”, diz a empresa.
Também procurada, a defesa de Andreson e Mirian não se manifestou. O lobista está em prisão domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica, em Primavera do Leste (MT).
A defesa de Márcio Toledo não foi localizada.
A ministra Nancy Andrighi afirmou, em nota, que a acompanha com perplexidade as denúncias e que já colocou seu gabinete à disposição para contribuir na elucidação dos fatos. “Confio que a apuração realizada pelo Superior Tribunal de Justiça e as investigações das demais autoridades policiais servirão para esclarecer em definitivo o assunto e punir de forma exemplar os envolvidos”, disse.
Procurada, a ministra Nancy Andrighi não se manifestou, mas anteriormente disse que não se manifesta “sobre fatos e comportamentos de terceiros investigados pelo Supremo Tribunal Federal”.
O relatório da PF, assinado no último dia 6, foi o último tocado por Marco Bontempo, delegado responsável pelas investigações e que decidiu deixar o caso alegando motivos pessoais.
O inquérito que trata da supeita de venda de sentenças corre no gabinete do ministro Cristiano Zanin, no STF (Supremo Tribunal Federal). No total, gabinetes de ao menos 10 ministros do STJ já foram citados nas investigações, mas nenhum dos magistrados é investigado.
A PF afirma que Zanin determinou que as investigações continuem no Supremo, apesar de não haver pessoas com foro na corte investigadas, para “prevenir nulidades em diligências sensíveis, inclusive em dependências do próprio STJ”, resguardar a investigação contra “ingerências externas potencialmente voltadas a embaraçar a persecução penal” e “preservar a possibilidade de que novos elementos probatórios viessem a envolver autoridades com foro [no STF]”.
O objetivo do relatório preliminar que menciona a JBS foi consolidar as principais suspeitas da investigação. Ele avança sobre outras relacionadas a gabinetes e a pessoas próximas aos ministros, mas não sobre eles próprios.
No documento, a PF pede a continuidade das investigações e afirma que é “imprescindível a manutenção das medidas cautelares, especialmente o afastamento dos servidores investigados, a fim de impedir a reativação do esquema e a utilização da estrutura estatal para fins criminosos”.
ENVOLVIMENTO DE ANDRESON
A investigação sobre gabinetes de ministros do STJ foi um desdobramento da morte do advogado Roberto Zampieri em Cuiabá (MT), ocorrida no fim de 2023. A apuração sobre o assassinato encontrou no celular da vítima conversas suspeitas entre ele e Andreson.
As mensagens mostravam relações entre empresários, desembargadores de Mato Grosso e servidores do STJ.
A investigação revelou uma série de suspeitas. Andreson era contratado por empresários interessados em processos na Justiça e, nos tribunais, fazia lobby com desembargadores e servidores para atender seus interesses.
Em alguns casos, a esposa dele, que é advogada, representava os clientes de Andreson formalmente nos processos e redigia contratos e documentos para viabilizar o avanço do esquema criminoso.
A Polícia Federal encontrou nos arquivos apreendidos na Operação Sisamnes minutas de votos de ministros do STJ. O tribunal exonerou, até o momento, um servidor.