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Brasil

Número de filmes caiu 35% com pandemia e recuperação do setor depende de políticas de incentivo

Na amostra pós-pandêmica, em 2021 e 2022, os valores voltam a subir, mas com percalços em bilheteria e público

João Victor Rodrigues

20/06/2024 10h25

Crédito: Renato Araujo/Agência Brasil

Por Amanda Canellas, Catharina Braga, Nana Adnet, Maria Clara Abreu, Maria Fava e Marina Dantas
Agência de Notícias CEUB

A pandemia de Covid-19 afetou de forma direta a cultura nacional. Segundo os dados levantados para esta reportagem, com base em informações da Agência Nacional do Cinema (ANCINE), houve uma queda de 35,3% do número de filmes lançados em 2020 em comparação a 2019.

Na amostra pós-pandêmica, em 2021 e 2022, os valores voltam a subir, mas com percalços em bilheteria e público.

Nesse período, a arrecadação teve um aumento de 150.2%, valor que ainda não chega a ser alcançado no ano pré-pandêmico, que registrou a marca de R$ 255 milhões.

Já em relação aos espectadores, o número sofreu uma queda significativa.

Em 2022, o número de pessoas que assistiram a filmes no país chegou a três milhões, o que representa, em comparação à 2019, uma redução de 81.9%. Os valores podem ser consultados na íntegra aqui

Crédito: Arte/Divulgação/Equipe de reportagem com dados da Ancine

Em reforço aos dados coletados pela reportagem, o estudo desenvolvido pela FGV com apoio do Sebrae e da Secretaria de Cultura e Economia Criativa de São Paulo afirmou que, em 2020, houve uma queda de 31,8% do PIB do segmento cultural.

De acordo com os números de exibição de 2020, divulgados pela ANCINE (Agência Nacional do Cinema), em função da pandemia, o ano fechou com uma redução de público e arrecadação de 61% e 55,8%, respectivamente, em relação a 2019.

O cenário cultural do país apresenta, a fim de alavancar novamente o audiovisual, a contribuição de políticas de incentivo ao setor nacional que desempenham um papel fundamental no fomento às produções pós entraves pandêmicos. 

Em um recorte de leis, o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que propõe incentivar a produção, distribuição e exibição de conteúdos audiovisuais, ganha destaque no assunto.

Segundo as apurações para esta matéria, do total de filmes lançados com a ajuda das leis de incentivo ao audiovisual no país entre 2019 e 2022, 243 filmes, 142 utilizaram fundos vindos do FSA. Os valores podem ser consultados na íntegra aqui.

Crédito: Arte/Divulgação/Equipe de reportagem com dados da Ancine

Na análise do professor de audiovisual da Universidade de Brasília (UnB) Mauro Giuntini, o isolamento da pandemia no setor levou à diminuição das produções.

“Ficou muito difícil as filmagens, isso teve um impacto muito grande no audiovisual”. Para além dos impedimentos de gravação, a mudança de hábitos também contribuiu para o assoreamento do setor no país.

“Houve uma mudança cultural, com o grande consumo de conteúdos de serviços de streaming”, reforça Giuntini. 

Para o vice-diretor e professor do curso de Audiovisual da Faculdade de Comunicação (FAC) da UnB, Sérgio Ribeiro, a recuperação do setor vem com o aumento de investimento.

“Havia a necessidade de ter um modelo de reestruturação depois da pandemia que trouxesse de volta e recuperasse a cadeia produtiva como um todo. É preciso entender a importância do Estado no fomento de políticas públicas que impulsionam esse setor da indústria”, reitera o vice-diretor.

Fomento para a indústria audiovisual

Roberto Moreira, professor de roteiro e direção no Curso Superior do Audiovisual da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e que participou do comitê gestor do FSA duas vezes, considera o fundo como fundamental para o desenvolvimento do audiovisual nacional. “Ele é uma garantia de consolidação numa política de produção e aperfeiçoamento”, afirma. Ainda segundo Moreira, o Brasil viveu sempre uma situação de muita instabilidade em relação ao financiamento e o fundo estabeleceu regras, essas que têm continuidade e são constantemente aperfeiçoadas.

Dado o contexto, frentes parlamentares ao redor do país direcionadas ao assunto se tornam imprescindíveis. O deputado Munir Neto, coordenador da Frente Parlamentar de Fomento do Audiovisual do Rio de Janeiro acredita que a iniciativa legislativa democratiza o acesso aos investimentos no setor.  “A Frente atua para criar mecanismos e oportunidades que fomentem a indústria audiovisual no estado, visando devolver o protagonismo do audiovisual brasileiro”, afirma Neto.

Conheça as principais leis de incentivos e seus objetivos

As leis de incentivo são ferramentas importantes na promoção da diversidade cultural no Brasil. Esses mecanismos possuem como principais objetivos a democratização do acesso à produção cultural, descentralizando a produção, facilitando a participação de novos realizadores e produtoras audiovisuais de diferentes regiões do país e também, o fortalecimento da identidade cultural contribuindo para a preservação da memória cultural e para o fortalecimento da identidade nacional em obras que celebram a riqueza cultural do país, promovendo o diálogo intercultural e o respeito à diversidade. 

Atualmente existem três principais leis de incentivo ao audiovisual.  A Lei Rouanet permite que pessoas físicas e jurídicas destinem parte do Imposto de Renda para financiar projetos culturais, incluindo projetos audiovisuais.  Os doadores recebem isenção fiscal sobre o valor doado, incentivando a participação da iniciativa privada no fomento à cultura,  sendo um instrumento essencial para o desenvolvimento do setor audiovisual brasileiro, contribuindo para a produção de obras, para a democratização do acesso à cultura e  para a  promoção da diversidade cultural.

Já a Lei do Audiovisual é um instrumento fundamental para o desenvolvimento do setor impulsionando a produção, distribuição e exibição de obras nacionais, fomentando a diversidade cultural pelo aumento da produção audiovisual, que estabelece mecanismos para o desenvolvimento, produção, distribuição e exibição da produção audiovisual brasileira. Permitindo que empresas e pessoas físicas invistam em projetos audiovisuais e reduzam esses investimentos do Imposto de Renda.

O Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), foi criado e regulamentado entre 2006-2007, como uma categoria de programação específica do Fundo Nacional de Cultura (FNC). Sendo a principal fonte de financiamento para o setor audiovisual brasileiro, o FSA ganha recursos através da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica (Condecine), uma contribuição obrigatória que envolve diversos elos da cadeia. Os recursos captados são aplicados em projetos de produção, exibição e desenvolvimento de obras audiovisuais brasileiras. A seleção dos projetos é feita por meio de editais públicos, que estabelecem critérios técnicos, artísticos e de viabilidade econômica, dessa forma garantindo a viabilização de projetos que não teriam condições de serem realizados.

Crédito: Arte/Divulgação/Equipe de reportagem com dados da Secretaria do Audiovisual (SAV) do Ministério da Cultura (MinC)

Produtores apontam falta de investimentos no setor audiovisual do DF
Na capital federal, o Fundo de Apoio à Cultura (FAC) atua como principal incentivador cultural distrital. Segundo a Agência Brasília, o FAC foi o maior programa de fomento à cultura do Brasil em 2021. Atualmente, o fundo passa por momentos conturbados em relação ao setor audiovisual.

“Até 2018, o FAC DF teve um papel importante ao olhar e tentar desenvolver uma indústria audiovisual no DF. Mas nos anos subsequentes e agora, eu acho que não temos mais uma política FAC que pense de maneira estratégica sobre o setor”, afirma a diretora, produtora de cinema e dona da Atman Filmes, Carina Bini.

O segmento direcionado especificamente ao audiovisual pela FAC não tem aparição dos editais do fundo desde 2019. “O audiovisual é uma indústria que tem que ser olhada e compreendida de maneira diferente do resto da cadeia produtiva do DF. Ele é muito maior, é um processo muito mais longo e envolve todas as cadeias produtivas da cultura. Por isso que a gente sempre faz esse apelo para que exista um edital de audiovisual”, reitera a produtora.

Na vivência da produtora Rebeca Damian Cavalcante, a FAC é imprescindível para a realização de seus projetos audiovisuais. A sócia da produtora ‘Peixa Produções’, ao lado das também produtoras Ana Paula Rabelo e Júlia Tolentino, revela que as ações de incentivo são muito importantes para a realização de suas produções. “Basicamente todos os projetos da minha produtora e que eu trabalhei tiveram incentivos de mecanismos de fomento. Aqui em Brasília, a gente sempre usou os recursos da FAC. É um recurso muito importante para o cinema do DF”, acrescenta.

Damian reforça o período difícil do setor em relação à falta de fomento direcionado pela FAC. “Agora tem um edital da FAC aberto mas não tem apoio para o audiovisual. Isso impacta muito nas produções de Brasília, porque é muito difícil produzir com recursos próprios. O cinema requer muito investimento”, adiciona.

Frente ao cenário, a produtora explica que o maior desafio, com os percalços de investimento, é se manter no mercado. “Nós somos uma produtora pequena e temos que acessar os recursos do FAC. Tem projetos que a gente tenta várias vezes, vai aprimorando e vai captando recursos para fazê-los” explica Rebeca Damian. A produtora trabalhou em filmes como “Sangue do meu sangue”, “Instante”, “Nada” e “Juca”, todos financiados pelo FAC.

Ana Paula Rabelo (esq.), Julia Tolentino (centro), Rebeca Damian (dir.) são sócias e possuem a ‘Peixa Produções’. Créditos: Diego Bresani/Divulgação Peixa Produções

Audiovisual fica de fora do FAC 2024


O edital do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) do primeiro semestre de 2024 conta com o investimento de R$45 milhões e abrange 21 categorias, porém, o setor de audiovisual ficou fora das áreas contempladas. Os representantes do setor, durante o 56º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, evento ocorrido no final de 2023, leram uma carta aberta referente ao assunto.

“As linhas de fomento à produção audiovisual realizadas por meio do Fundo de Apoio à Cultura do DF (FAC-DF) foram reduzidas drasticamente ao longo dos últimos anos. Perdemos a complementação realizada por meio da parceria com o Fundo Setorial Audiovisual que acontecia desde 2014”, afirma o texto. Assinado por diversas associações, produtoras e integrantes da sociedade cinematográfica brasiliense e do país, o pedido ecoou os percalços vividos pela comunidade do audiovisual.

“NÃO queremos apenas construir uma política de governo, NÓS QUEREMOS CONSTRUIR UMA POLÍTICA DE ESTADO, DISTRITAL, permanente, sustentável, que crie bases sólidas para a produção de nossos filmes, séries e games e todas as demais criações de nosso setor”, reitera a carta (grifo do texto original).

Como a equipe produziu a reportagem


A matéria jornalística surgiu a partir da curiosidade sobre como o audiovisual brasileiro se encontra após o período pandêmico no país e como as leis de incentivo ao audiovisual ajudaram na recuperação do setor. Para embasar a temática, buscamos bases de dados na Agência Nacional do Cinema (ANCINE), onde achamos uma relação de filmes lançados entre 2019, período pré-pandemia, e 2022, período pós-pandemia, que contavam ou não com ajuda financeira vinda de projetos de fomento ao audiovisual.

A partir destas informações, criamos duas planilhas, uma com os números, por ano, de arrecadação, público e quantidade de filmes lançados, e outra, com o número total de filmes lançados com apoio de leis de incentivo no intervalo de 2019 a 2022, fazendo um comparativo com o total de filmes, dentro do mesmo intervalo de anos, que utilizaram exclusivamente o apoio do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).

A partir dos dados, descobrimos a grande influência do FSA, parte esta que ganhou destaque durante a matéria jornalística. Ambas as planilhas geraram gráficos interativos e estáticos para a visualização dos números coletados. Para além dos dados, buscamos pesquisas de dados oferecidos pela Ancine e pela Secretaria de Cultura do estado de São Paulo. Elas confirmaram o ponto de que a cultura, e principalmente o audiovisual, foram bastante afetados pela Covid-19. Utilizamos também informações cedidas pela Secretaria do Audiovisual (SAV) do Ministério da Cultura (MinC) para a criação do infográfico, a fim de trazer mais informações sobre as leis de incentivo brasileiras.

Em âmbito distrital, utilizamos o Fundo de Apoio à Cultura (FAC) para trazer um recorte regional sobre o tema trabalhado, onde descobrimos grandes percalços enfrentados pela comunidade audiovisual brasiliense em relação ao fomento. Conversamos com especialistas no assunto, tanto à nível nacional como distrital, assim como diretores e cineastas que vivem essa realidade para trazer o lado humano da problemática que afeta diretamente o setor brasileiro.

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