THÉO MARIANO DE ALMEIDA
UOL/FOLHAPRESS
A Prefeitura de Anápolis (GO) é acusada de ter jogado fora mobílias avaliadas em cerca de R$ 25 mil que foram doadas pela Fundação Bienal de São Paulo ao Museu de Artes Plásticas de Anápolis (Mapa).
As 26 peças, semelhantes às usadas no Masp, vieram da 34ª Bienal de São Paulo, a do 70º aniversário.
Elas integravam o mobiliário de exposição da mostra paulista e foram cedidas ao museu goiano.
O descarte sem aviso prévio das mobílias ameaça a estrutura do museu, diz ex-coordenador. Paulo Henrique Silva, que também foi curador do Mapa e fez a denúncia em post nas redes sociais, afirma que os equipamentos foram retirados do espaço em agosto e descartados “de forma totalmente arbitrária”, “sem consultar artistas locais ou qualquer instituição representante do setor das artes visuais”.
A prefeitura, comandada por Márcio Aurélio Corrêa (MDB), inicialmente negou o recebimento da mobília.
A Secretaria Municipal de Cultura e Turismo afirmou que não há qualquer documento oficial, termo de doação ou registro que comprove o recebimento ou a existência de mobílias. Mas, diante da confirmação da doação pela Fundação Bienal, em contrato de 2022, abriu investigação. “Caso comprovada alguma falha, os responsáveis terão que ressarcir por eventuais danos que tenham causado”, disse em nota.
Jogar fora uma mobília desse porte é um retrocesso. Foram anos de trabalho para estruturar um museu reconhecido nacionalmente, o valor não representa apenas uma perda material, mas o desrespeito à memória e ao patrimônio público das artes.
Paulo Henrique Silva
PEÇAS ERAM “PADRÃO MASP”
Artistas e curadores temem que o descarte sinalize um sucateamento do museu. Os especialistas veem um movimento de redução das atividades, menos oportunidades para a produção artística local e enfraquecimento da economia criativa na região.
Para curador, o descarte representa “apagamento e autossabotagem”. Segundo Marcio Harum, especialista em artes visuais de São Paulo, o sumiço das peças enfraquece o museu nos processos de captação de recursos públicos. A Fundação Bienal de SP tradicionalmente doa o acervo de exposição a museus, mediante inscrição e retirada, o que torna o processo difícil para instituições de fora da capital paulista.
Foi um grande trabalho jogado no lixo. Estamos falando de uma mobília no mesmo padrão do Masp, desenhada pelo mesmo escritório. É uma mobília da museologia mais de ponta que existe no mundo.
Para a curadora da Bienal das Amazônias, o descarte enfraquece o circuito de arte fora do eixo Rio-São Paulo. “É um atentado contra o patrimônio material e imaterial”, afirmou Vânia Leal. “Como mulher nortista, sei o quanto operar nas regiões Norte e Centro-Oeste são caminhos de resistência.”
Criado há mais de 20 anos, o Mapa é mantido pela prefeitura. O museu reúne obras de renomados artistas da cena goiana, como Dalton Paula, Siron Franco, Selma Parreira, Carlos Sena Passos, Marcelo Solá, Divino Sobral, entre outros. E também do Centro-Oeste, como Gervanne de Paula, Adir Sodré, Miguel Penha, Grupo EmpreZa, João Angelini, Raquel Nava e Adriana Vignoli.
Museu movimentava R$ 2 milhões em recursos, ampliava acervo e promovia exposições de peso. Silva afirma que, nos últimos oito anos, os recursos dos editais de fomento, como o Fundo de Arte e Cultura (FAC) e a Lei Aldir Blanc, foram usados para consolidar o Mapa como uma das principais coleções de arte contemporânea do Planalto Central.
Procurada, a Prefeitura de Anápolis nega desmonte cultural e diz que promove reestruturação completa do museu. Em parceria com IBRAM, IPHAN e UFG, promove “catalogação e digitalização do acervo, reparos estruturais e controle de mofo e infiltrações, ações de conservação em obras afetadas e programação expositiva contínua”.