ALÉXIA SOUSA E JOSÉ MATHEUS SANTOS
RECIFE PE, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)
O Ministério Público da Paraíba enviou ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) um pedido para apurar a conduta de um juiz por suposta prática de intolerância religiosa ao proferir uma sentença.
O caso se refere ao juiz Adhemar de Paula Leite Ferreira Neto, que atua no 2º Juizado Especial Cível de João Pessoa, e envolve a recusa de um motorista de aplicativo da plataforma Uber em realizar uma corrida com destino a um terreiro de candomblé.
Procurado, o TJPB (Tribunal de Justiça da Paraíba) disse que não poderia fornecer o contato do juiz Adhemar de Paula Leite Ferreira Neto para que ele comentasse o caso. A reportagem não conseguiu localizá-lo.
Na decisão, proferida no dia 24 de setembro, o magistrado negou o pedido de indenização da vítima, uma mãe de santo, e atribuiu a ela a prática de intolerância religiosa.
A denúncia foi feita por uma associação de proteção ao direito religioso e resultou na abertura de um procedimento pela Promotoria, que encaminhou o caso à Corregedoria do CNJ para apuração da conduta do juiz.
O processo analisado trata da corrida solicitada por Lúcia de Fátima Batista de Oliveira no dia 23 de março de 2024. O motorista respondeu via mensagem: “Sangue de Cristo tem poder, quem vai é outro kkkkk tô fora”, e logo em seguida cancelou a corrida.
A mulher registrou boletim de ocorrência por intolerância religiosa e ingressou com ação pedindo indenização de R$ 50 mil. O Ministério Público também moveu ação paralela, pleiteando reparação por danos morais à empresa responsável pelo serviço.
Na sentença proferida em setembro, o juiz negou a indenização solicitada por Lúcia de Fátima e afirmou que a intolerância no caso partiu da própria autora, por considerar ofensiva a mensagem enviada pelo motorista.
“A autora, ao afirmar que considera ofensiva a ela a frase ‘Sangue de Cristo tem poder’, denota com tal afirmação que a intolerância religiosa vem dela própria. E não do motorista inicialmente selecionado pela ré para transportá-la”, escreveu o juiz.
Na fundamentação da decisão, o juiz justificou que a frase enviada pelo motorista seria uma livre expressão de crença e de respeito pela crença do outro.
“A sensibilidade, como cediço, é uma característica individual e dependente do contexto. Porém, não pode ser exteriorizada e imposta ao ponto de calar quem supostamente a fere em exercício regular de direito. Se intimamente o crente ofende-se com o que considera ofensa à sua crença, a tolerância o impele a afastar-se do convívio com o ofensor. E não a agredi-lo por isso”, acrescentou o magistrado.
A decisão causou reação do Instituto de Desenvolvimento Social e Cultural Omidewa, responsável por protocolar a denúncia junto ao Ministério Público.
A promotora Fabiana Lobo, responsável pelo caso, determinou o encaminhamento do processo à Corregedoria do CNJ.
O Ministério Público também encaminhou pedido de apuração da conduta do juiz à Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça da Paraíba.
Na sentença, o magistrado disse que a recusa da corrida foi legítima, baseada no direito do motorista de aceitar ou não as chamadas no aplicativo, conforme as regras da empresa.
“Sendo assim, não está contratualmente obrigado a transportar quem não quer. Cabendo à ré [a plataforma de aplicativo Uber], em caso de recusa do motorista inicialmente selecionado, encontrar motorista que queira aceitar a solicitação. Que foi o que aconteceu na ocasião em relação à autora”, completou o juiz.
A Uber afirmou, em nota, que não tolera qualquer forma de discriminação e que a conta do motorista parceiro foi banida assim que a empresa tomou conhecimento do episódio.
A plataforma disse ainda que ofereceu à vítima acesso a um canal de suporte psicológico, desenvolvido em parceria com o MeToo, e que está à disposição das autoridades para colaborar com as investigações.
“A Uber busca oferecer opções de mobilidade eficientes e acessíveis a todos. A plataforma reafirma o seu compromisso de promover o respeito, a igualdade e a inclusão para todas as pessoas que utilizam o app”, completou a empresa.