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Brasil

Ministério entrega kit incompleto e Brasil só atinge 20% da capacidade de testes

O Ministério da Saúde diz já ter iniciado a compra de 15 milhões de unidades do reagente em falta e culpa a escassez global de insumos

Redação Jornal de Brasília

13/07/2020 8h01

Testes de coronavírus feitos no Sesc da 504 Sul. Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasilia

Após mais de quatro meses de pandemia no País e sucessivas promessas do Ministério da Saúde de realizar testagem em massa para conter a covid-19, o Brasil só atingiu 20% da capacidade de exames prevista para o período de pico. Além de distribuir menos testes do que o projetado, o governo Jair Bolsonaro também tem feito entregas de kits incompletos, sem um dos reagentes essenciais para processar as amostras, segundo secretarias de saúde afirmam ao Estadão. O Ministério diz já ter iniciado a compra de 15 milhões de unidades do reagente em falta e culpa a escassez global de insumos como entrave para a ampliação do diagnóstico (mais informações abaixo).

Em maio, o então secretário de vigilância em saúde do ministério, Wanderson de Oliveira, declarou que a meta era realizar 70 mil exames de RT-PCR por dia nos laboratórios públicos do País durante o período “mais crítico da doença” que, segundo ele próprio, deveria acontecer em junho. Embora a projeção de mais casos tenha se confirmado, a rede de laboratórios públicos centrais (Lacens) fechou o mês passado com média de apenas 14,5 mil testes diários — ou 20,8% do previsto, segundo dados do último boletim epidemiológico do ministério.

Considerado padrão-ouro para diagnóstico da covid, o teste PCR é capaz de detectar precocemente o vírus e tem alta taxa de precisão. Especialistas em saúde defendem que sua utilização é fundamental para identificar as pessoas infectadas, diminuindo assim o risco de propagação da doença.

“O teste sorológico, como o teste rápido, só identifica se há presença de anticorpos, ou seja, se aquela pessoa já teve contato com o vírus. É como olhar para trás”, explica Priscila Franklin Martins, diretora executiva da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed). “Já o RT-PCR é indicado para a fase aguda da doença, porque consegue identificar quando a pessoa é contaminante. Assim, é possível isolar os casos positivos e mapear com quem houve contato, como familiares e amigos.”

Em pelo menos três oportunidades, o Ministério da Saúde anunciou que ampliaria esse tipo de testagem para conter a pandemia. No último anúncio, no início de maio, a previsão era realizar 24,2 milhões de testes PCR neste ano. Até agora, contudo, a pasta diz ter distribuído 4,4 milhões de reações do tipo aos Estados, mas somente 1,2 milhão de exames foi efetivamente feito no País, o equivalente a 4,9%.

O principal entrave para ampliar a testagem é a falta de um insumo usado na primeira etapa do processamento da amostra. Nela, os laboratórios usam reagentes para extrair o RNA do vírus. Sem fabricação em escala industrial no Brasil, a maior parte desse material é importada.

Segundo os Estados, o ministério tem enviado somente as reações usadas nas etapas seguintes da análise. Após a extração, é preciso realizar a transcrição do RNA em DNA (2ª fase) e a amplificação do material genético obtido (3ª fase) para, então, verificar se é compatível com o do coronavírus.

Diretor-geral do Lacen da Paraíba, Bergson Vasconcelos relata que o laboratório tem 84 mil reações de amplificação de DNA, enviadas pelo governo federal, mas somente 3 mil de extração. “Quanto ao insumo de amplificação, que é o que aparece nas plataformas oficiais do ministério como reações distribuídas, estamos tranquilos. Mas o kit de amplificação sem o kit de extração de RNA não serve de nada.”

Segundo afirma, o laboratório poderia processar mil amostras por dia, mas faz de 450 a 600 por causa da falta do reagente. “Os Lacens de todo o País foram estruturados e treinados nos últimos meses e hoje temos condições de dar essa resposta à pandemia, mas precisamos dos insumos.”

A diretora do Lacen de Rondônia, Cicileia Correia da Silva, conta que o ministério não envia insumos de extração para o Estado desde abril. “Como havia uma programação original do envio, alguns Estados não fizeram processos próprios de aquisição”, relata. “Iniciamos tentativas de compra aqui, mas é difícil encontrar fornecedor para pronta-entrega. Efetivamos uma compra há 15 dias com a promessa de 25 mil insumos de extração, mas até agora só recebemos mil.”

Segundo Cicileia, mesmo com pessoal capacitado e kits de amplificação sobrando, o Lacen-RO precisou enviar, na semana passada, 1,4 mil amostras para serem analisadas da Fiocruz por falta de insumos de extração em Rondônia.

Goiás também diz estar recebendo poucos insumos de extração. “Estamos com 67 mil reagentes de amplificação e só 4,8 mil de extração, mas chega uma média de 500 novos exames para análise todos os dias no laboratório. Se não houver reposição, podemos ficar desabastecidos em alguns dias”, destaca Flúvia Amorim, superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria Estadual da Saúde de Goiás.

No Paraná, o governo local diz que só recebeu 78,5 mil das 716,4 mil reações que o ministério informa ter distribuído ao Estado — e todas seriam de amplificação. “Não recebemos reagentes para fazer a extração de RNA. Não havia disponível para compra, este é o maior problema dos laboratórios do Brasil.”

Já o Tocantins relata que chegou a pegar emprestado 2,5 mil kits de extração de Lacens de Goiás e do Maranhão. “Importante ressaltar que mesmo após o Ministério da Saúde suspender abruptamente o fornecimento de kits de extração, (…) o Lacen não suspendeu a realização dos testes”, diz boletim epidemiológico do Estado.

Maranhão e São Paulo confirmam o problema e afirmam que só não estão em situação semelhante porque fizeram aquisições próprias. “Em abril, São Paulo chegou a ter uma fila de exames e montamos uma plataforma de laboratórios. Compramos 1 milhão de kits tanto de amplificação quanto de extração e não dependemos mais dos kits do ministério”, diz Dimas Covas, diretor do Instituto Butantã e responsável pela rede de testagem em São Paulo. Hoje, a capacidade do Estado é de 8 mil processamentos por dia.

A Secretaria da Saúde do Maranhão relata que, com investimentos próprios, conseguiu chegar a uma capacidade diária de análise de 1,5 mil amostras. Uma das últimas compras feitas foi a de 10 mil insumos de extração. “O Ministério da Saúde tem informado dificuldade com a compra de kits de extração para reabastecimento dos laboratórios de todo o País.”

Falta de reagente trava parceria

A ampliação da capacidade de testagem no País foi promessa dos três ministros que passaram pela pasta até agora. Em março, Luiz Henrique Mandetta anunciou que o Brasil faria cerca de 23 milhões de exames, entre PCR e o teste rápido sorológico. O sucessor, Nelson Teich, dobrou a meta e anunciou em abril que o País chegaria a 46 milhões de testados (24,2 milhões por PCR). Em maio, a promessa foi mantida pelo general Eduardo Pazuello, interino que ocupa o cargo há 59 dias e foi escolhido justamente por seu histórico de sucesso em operações logísticas.

Ao Estadão, o ministério afirmou já ter conseguido comprar todos os testes PCR prometidos. A reportagem entrou em contato com Fiocruz, Organização Panamericana da Saúde (OPAS) e Petrobrás, responsáveis por fornecer ou intermediar a entrega de ao menos 15 milhões desses exames. Todos informaram que as remessas incluíam somente o kit de amplificação.

O atraso no envio de reagentes de extração prejudicou até a parceria público-privada, firmada em abril, entre o grupo Dasa e o governo federal para análise de 3 milhões de amostras em seis meses. Passados mais de 80 dias do acordo, apenas 27,5 mil testes PCR haviam sido processados até o dia 9 — ou 0,9% do total pactuado.

O centro de diagnóstico começou a funcionar em junho. A companhia oferece a estrutura física e os profissionais. O ministério, equipamentos e insumos. “A gente tem uma limitação de insumos e o de extração é um dos grandes gargalos”, afirma o diretor médico da Dasa, Gustavo Campana. Segundo ele, a compra do item tem sido difícil até mesmo para os laboratórios privados.

Ministério diz que ampliou insumos e que corrida global atrapalhou

Questionado se os testes PCR enviados aos Estados possuem todos os reagentes necessários para a análise (tanto o de extração de RNA quanto o de amplificação de DNA), o Ministério da Saúde afirmou apenas que faz a compra separadamente, “e não na forma de solução completa”, mas admitiu que haveria “carência de insumos” a nível mundial. Segundo a nota, o órgão está “empenhando esforços” desde janeiro para aquisição de todos os itens necessários .

A pasta também informou ter iniciado um processo de compra de 15 milhões de insumos de extração genética em abril. O processo, no entanto, ainda não foi finalizado “por questões diversas”, segundo o ministério.

No último boletim epidemiológico, o órgão federal destacou que a média diária de exames PCR passou de 1,6 mil em março para 14,5 mil em junho, “demonstrando um aumento de 869% na capacidade de realização desses exames na Rede Nacional de Laboratórios de Saúde Pública”.

O ministério apontou a corrida global para a compra de produtos como entrave para a ampliação da testagem no Brasil, situação que também teria sido vivida por outros países. Segundo afirma, o método RT-PCR envolve várias fases e insumos, e todos eles “sofreram, em determinado momento, escassez no mercado mundial e crescimento abusivo de preços, quando disponíveis”.

Para a pasta, isso “prejudicou o andamento dos processos de aquisição” e “limitou uma ampliação do diagnóstico, de acordo com o planejamento do Ministério da Saúde”.

O órgão apontou, ainda, já ter adquirido 24,5 milhões de testes RT-PCR, mas ressalta que parte ainda não foi entregue por questões logísticas, como falta de espaço nos Estados para armazenar uma grande quantidade de insumos. A composição desses testes não foi detalhada mas, como já mencionado, os principais fornecedores confirmaram ao Estadão que as remessas não incluem itens de extração genética.

Segundo o ministério, plataformas de alta testagem no Rio, Paraná e São Paulo foram disponibilizadas à rede de laboratórios e aos municípios. A pasta também destacou que a compra de testes pelo governo federal “não exclui a possibilidade de aquisição pelos Estados para suprir as necessidades”.

Sobre a parceria com a rede Dasa, o ministério afirmou que a capacidade de processamento é de 10 mil testes por dia e que as ações “estão sendo ampliadas, com capacidade de receber amostras de outros Estados”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo

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