ANDRÉ FLEURY MORAES
FOLHAPRESS
Integrante do consórcio Nove de Julho, que levou licitação bilionária para obras do metrô de São Paulo, a chinesa Highland Build obteve licença para operar 11 dias antes do início do leilão e discutiu a expansão das atividades ao Brasil às vésperas da concorrência eletrônica, que começou em 22 de setembro.
Sócia minoritária do consórcio, a empresa garantiu a habilitação do grupo porque é a única a possuir um atestado essencial ao procedimento, sem o qual o Nove de Julho não levaria o primeiro lote do leilão da linha 19-celeste. O edital prevê projeto e construção de túneis e de cinco estações em Guarulhos.
A oferta do Nove de Julho, R$ 4,9 bilhões, foi declarada vencedora nesta quinta-feira (13). Demais interessados têm agora até o dia 24 para apresentar recurso.
A chegada ao Brasil às vésperas do procedimento levou a Highland a concorrer ao leilão sem um CNPJ ativo -o registro empresarial só veio a ser deferido pela Jucesp (Junta Comercial) em 23 de setembro, um dia após o início do procedimento licitatório.
A pendência não é ilegal: tanto a Lei de Licitações como o edital permitem que a Highland participe apenas com a autorização para funcionamento.
Em nota, o consórcio declarou ter sido devidamente habilitado no leilão e que todas as etapas seguiram estritamente o previsto na Lei de Licitações e no edital.
“A obtenção de autorização de funcionamento da empresa chinesa no Brasil e apresentação dos documentos ocorreram dentro dos prazos e procedimentos previstos, não havendo qualquer irregularidade no curso da habilitação”, afirmou.
O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), por sua vez, disse que a licitação “foi estruturada para permitir a participação de empresas com comprovada técnica e expertise, inclusive estrangeiras que ainda não atuam no Brasil”.
“A análise documental das empresas participantes foi realizada de forma rigorosa, conforme os critérios estabelecidos pela Lei 13.303/2016 [que rege empresas públicas] e pelo edital, sendo que todas as empresas habilitadas atenderam integralmente às exigências previstas, inclusive o consórcio vencedor.”
Linha do tempo do caso.
1º de agosto Sede da Highland Build, na China, decide que a empresa vai abrir uma representante no Brasil
11 de setembro Ministério da Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços brasileiro autoriza a empresa a atuar no país
19 de setembro A Highland Build entra com pedido de registro na Jucesp
22 de setembro Começa o leilão da linha 19-Celeste; o consórcio Nove de Julho, do qual a Highland Build faz parte, apresenta a melhor proposta
23 de setembro a Jucesp concede o registro para a empresa
13 de novembro Após análise técnica, Governo de São Paulo confirma a documentação apresentada e declara o Nove de Julho como vencedor da disputa
Segundo o Palácio dos Bandeirantes, “a obtenção de documentos como certificado, CNPJ e registro no Crea ocorreu dentro dos prazos legais e das regras do edital e não comprometeu a regularidade do processo”.
“O edital segue modelo de outras licitações e sem qualquer direcionamento específico para esta obra, e manifestações das empresas envolvidas são tratadas conforme os mecanismos legais de recurso”, declarou em nota.
À reportagem dois advogados que acompanham licitações no país disseram que o prazo curto, pouco antes do certame, não é inédito nem necessariamente irregular, mas foge ao ciclo usual de instalação de empresas estrangeiras no país. Segundo eles, situações do tipo costumam ocorrer em licitações de grande porte por questões como atestados técnicos exigidos pelo contratante.
A inclusão da chinesa ao consórcio pode ter garantido ao grupo um dos principais atestados de qualificação técnica exigidos pelo edital: o atestado de execução TBM (Tunnel Boring Machine), um método de perfuração subterrânea.
A Highland é a única integrante do consórcio a cumprir esse requisito, e documentos obtidos pela reportagem mostram que a chinesa de fato acelerou o processo de expansão ao Brasil pouco antes do leilão do metrô de São Paulo.
A matriz asiática da Highland discutiu a abertura de uma filial no Brasil pela primeira vez em 1º de agosto, um mês e meio antes do certame e 14 dias depois de o governo paulista prorrogar pela terceira vez a data da concorrência eletrônica.
Ata de assembleia realizada ainda na China registra que conselheiros da matriz decidiram pela “necessidade do estabelecimento formal de uma filial no Brasil, conforme as exigências legais locais para o exercício regular de atividades comerciais”.
A quarta atribuição concebida ao representante brasileiro da empresa, aprovada ainda naquele dia, envolve “apresentar propostas, de forma independente ou como membro de um consórcio, em qualquer projeto privado, público ou de parceria público-privada”.
Sete dias depois a ata foi registrada em cartório na China. Em 16 de agosto foi traduzida ao português, e em 11 de setembro, a Diretoria Nacional de Registro Empresarial, vinculada ao Ministério da Indústria, publicou portaria autorizando a empresa a funcionar no Brasil.
No dia 17, por sua vez, a empresa formalizou o compromisso de constituição de consórcio ao lado das duas outras empresas que integram o Nove de Julho.
O consórcio é liderado pela chinesa Yellow River, que detém 75% das cotas. Na sequência vêm a brasileira Mendes Júnior (15%) e a Highland (10%).
Ambas as asiáticas são controladas pela mesma estatal, a Power China, cuja sede em Pequim recebeu uma delegação do governo Tarcísio de Freitas em junho. No Brasil, as duas estão sediadas no mesmo endereço, no oitavo andar de um prédio comercial na Vila Olímpia, em São Paulo.
A reportagem perguntou ao consórcio quando começaram as tratativas entre as três empresas. Em nota, o grupo afirmou que “a formação do consórcio a partir de empresas do grupo PowerChina é resultado da intenção de aprofundar sua participação no Brasil a partir de estudos e acompanhamento que já vêm sendo feitos há muito tempo”.
Segundo o governo estadual, por sua vez, a viagem foi parte de uma missão de Estado “voltada à expansão de parcerias estratégicas em inovação, mobilidade e infraestrutura sustentável”.
“De caráter técnico, a reunião foi conduzida pela Secretaria de Parcerias em Investimentos, com diversas empresas e instituições chinesas, incluindo a Chinca e China Construction Bank.”
O tempo que a Yellow River levou para se instalar no Brasil foi cinco vezes maior do que o da Highland. Segundo atas analisadas pela reportagem, a matriz da líder do consórcio discutiu filial em 7 de março de 2022, registrou ata em cartório em abril, protocolou os documentos na embaixada brasileira na China em junho e em agosto obteve aval ministerial.