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Brasil

Medo e luto marcam complexos do Alemão e da Penha uma semana após operação mais letal

Para o ativista Raull Santiago, 36, que nasceu e vive no Alemão, a operação deixou marcas profundas

Redação Jornal de Brasília

04/11/2025 12h02

crianças operação

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

ALÉXIA SOUSA

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)

Ruas silenciosas, casas perfuradas por tiros, comércio aberto, porém esvaziado, compõem o cenário nas favelas da Penha e do Complexo do Alemão, que reúnem 26 comunidades na zona norte do Rio de Janeiro, uma semana depois da Operação Contenção deflagrada na terça-feira (28).

Nesta terça (4), o que se vê é um território traumatizado tentando retomar o ritmo enquanto lida com medo, ansiedade e marcas físicas e emocionais deixadas pela ação policial que se tornou a mais letal da história do país, com 121 mortos.

Para o ativista Raull Santiago, 36, que nasceu e vive no Alemão, a operação deixou marcas profundas.

“Nada com essa intensidade, desse tamanho, a gente tinha visto. “A favela se reinventa, sacode a poeira e tenta seguir, mas os traumas ficam. Tem gente com crise de pânico, criança e idoso assustados, quem ouve barulho de moto já tem taquicardia”, disse.

Ele lembra que nesta segunda-feira (4) se celebra o Dia da Favela, uma coincidência que, segundo ele, simboliza a resistência diante do luto coletivo. “A vida tenta seguir um rumo, mas a luta também segue, tentando evitar que isso se repita”, afirmou.

A rotina escolar foi retomada nesta segunda (3), mas, segundo moradores, com baixa adesão. Em casas como a de Rafaela França, 43, no Alemão, a volta está longe de ser normal.

Mãe de três, sendo duas crianças autistas, ela relata crises intensas na filha caçula, de 6 anos, desde o dia da operação. “Ela ficou desregulada das 7h às 18h, se batendo, batendo a cabeça na parede. Até agora está difícil, para ela e para muitas famílias. Mas não é só criança atípica, todo mundo foi afetado.”

Rafaela coordena uma ONG que acolhe famílias com crianças neurodivergentes e montou um estoque emergencial para mães que ficam isoladas em casa durante confrontos.

Na manhã desta segunda, ela saiu rapidamente para comprar pão — “garantir o básico”, como disse — e encontrou as ruas quietas, comércio aberto, mas esvaziado. “Na favela, o café da manhã é pão e café. A gente tenta garantir ao menos isso para as crianças.”

Enquanto falava com a reportagem, Rafaela estava indo à padaria e relatou ter ouvido tiros perto da Pedreira. “Vim comprar pão rápido porque estávamos com fome, e ouvi tiros. Levei um susto tão grande, me deu aquele tremor. Você me perguntou como que estava a nossa rotina. Então, a rotina é essa”, afirmou.

Segundo o aplicativo Onde Tem Tiroteio, às 16h26 desta segunda-feira houve registro de disparos na Penha Circular. A Polícia Militar disse que não foi acionada.

Foi na área de mata conhecida como Vacaria, que liga os dois complexos, que a maior parte dos corpos foram encontrados. No dia seguinte, dezenas de moradores estenderam corpos numa praça da Penha — uma imagem que se tornou símbolo da violência e do desespero.

Enquanto o governo estadual defende a operação e diz que “mais de 95% dos mortos tinham ligação com o Comando Vermelho”, moradores falam em sensação de abandono e descrença na promessa de segurança.

“É muito triste. E eu te pergunto: acabou o tráfico? Não acabou, e nem vai. Só deixaram um vazio. Ainda está tendo enterro todo dia, mutirão. Tem gente que fechou a casa e foi embora com medo”, indaga Gabriele Souza, 44, que nasceu e cresceu na comunidade Nova Brasília.

Gabriele descreve que a sensação é de luto contínuo e vulnerabilidade. “Tudo aberto, mas parado. A gente precisa viver um dia após o outro, sem saber o amanhã.”

Nesta terça-feira, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, as seis unidades de Atenção Primária que atendem a região da Penha e do Alemão estão funcionando normalmente. A rede estadual de saúde também opera sem alterações.

A Secretaria Municipal de Educação informou que as escolas atenderam presencialmente e retomaram as aulas nesta segunda (3).

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