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Brasil

Mariana (MG) reclama de exclusão nas negociações entre Vale e União por tragédia

O município espera receber R$ 3 bilhões do acordo, ainda que as conversas caminhem para uma cifra menor

Redação Jornal de Brasília

23/07/2024 9h11

Antônio Cruz/Agência Brasil

PEDRO LOVISI
MARIANA, MG (FOLHAPRESS)

O prefeito de Mariana, Celso Cota (MDB), reclama da falta de participação dos municípios nas negociações entre União, governos de Minas Gerais e Espírito Santo e Vale. À reportagem ele disse que o município foi excluído das negociações recentes e precisa ser contemplado de forma diferenciada no acordo para reparação dos danos do desastre.

Em 5 de novembro de 2015, o rompimento de uma barragem da empresa Samarco, pertencente à Vale e à britânica BHP Billiton, gerou uma enxurrada de lama que engoliu um dos distritos da cidade mineira -Bento Rodrigues- e percorreu a bacia do rio Doce até chegar ao mar, no Espírito Santo. Dezenove pessoas morreram.

“Mariana é o epicentro do acontecimento; se toda a bacia do [rio] Doce foi impactada, imagina aqui na região onde tudo aconteceu. A Samarco só existe porque ela minera no território de Mariana, a barragem é aqui em Mariana, as comunidades que foram 100% devastadas são de Mariana, a economia que foi impactada de forma imediata é a de Mariana e a cidade que continuou sendo impactada socialmente, de forma mais contundente, foi Mariana”, diz.

Ele assumiu a Prefeitura de Mariana em agosto de 2023, depois de quase três anos afastado pela Justiça eleitoral; nesse período, a cidade teve outros três prefeitos. Ele não é pré-candidato à reeleição.

O município espera receber R$ 3 bilhões do acordo, ainda que as conversas caminhem para uma cifra menor. A prefeitura divulgou neste ano um relatório que aponta serem necessários R$ 20 bilhões para que a cidade se recupere dos impactos da tragédia e US$ 7,5 bilhões (R$ 41,6 bilhões) para criar um ambiente de diversidade econômica na cidade -hoje com ainda 80% da receita atrelada à mineração.

Segundo pessoas envolvidas nas conversas intermediadas pelo Ministério Público e Justiça Federal, o avanço da ação na Inglaterra contra a BHP acelerou as discussões no Brasil, o que agradou aos governos.

Em outubro, a Justiça britânica vai começar a analisar a responsabilidade da mineradora na tragédia.

Em um mês, por exemplo, tanto governo federal quanto mineradoras já anunciaram publicamente propostas e contrapropostas. A última oficial veio das empresas, que querem pagar R$ 82 bilhões em 12 anos aos governos e municípios afetados. Outros R$ 20 bilhões seriam destinados em obrigações (valor que considera obras de reparações feitas pelas empresas, como a retirada de rejeitos do rio Doce).

Agora as partes negociam um aumento. A União propõe R$ 109 bilhões em novos repasses, com o argumento de que não é possível auditar o que as mineradoras já desembolsaram com a reparação. Além disso, os governos querem que as empresas se comprometam a monitorar os reparos feitos ao longo da bacia do rio Doce até que seja constatado que não são mais reversíveis, ponto que estaria sendo contestado por elas. A Vale não quis comentar.

A celeridade na Inglaterra, aliás, fez com o que o Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) entrasse com uma ação no STF questionando eventual inconstitucionalidade na participação de municípios brasileiros em processos judiciais no exterior. O movimento não foi bem-visto pelo governo federal, segundo interlocutores.

Paralelamente, o escritório Pogust Goodhead, que representa os municípios, acusou em Londres o instituto de fazer lobby pró-BHP e divulgou uma série de encontros recentes entre representantes do Ibram e da mineradora com autoridades brasileiras, como o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. A acusação deve ser analisada na semana que vem pela Justiça britânica.

Agora, a expectativa é que uma cifra em comum seja acordada no Brasil até agosto, quando o conselho de administração da Vale deve se reunir para discutir o tema. A partir daí, cada município terá 120 dias para analisar se adere ou não ao acordo -os prefeitos querem ampliar o prazo para 180 dias, para contemplar a próxima administração municipal.

O Coridoce (Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce), que reúne as cidades afetadas pela tragédia, por exemplo, reivindica que 11% do total acordado vá para os municípios -a conta foi feita ainda em 2016, quando o Ministério Público Federal entrou com uma ação contra as mineradoras destacando serem necessários R$ 155 bilhões para a reparação.

Ainda que as empresas concordem com o valor proposto pela União no início de junho, de R$ 109 bilhões em dinheiro novo, os municípios receberão R$ 12 bilhões, se o percentual reivindicado pelo Coridoce for acatado. Para ter R$ 3 bilhões, portanto, Mariana precisaria ser contemplada com um quarto da parcela dos municípios -número improvável, segundo quem acompanha as discussões.

“A gente tem acompanhado as negociações com muita atenção, mas essa discussão tem ficado muito fechada entre os governos federal, estadual, Justiça Federal e Ministério Público; os municípios estão com pouca participação. O impacto foi no nosso território e somos nós que vemos o impacto social crescer no dia a dia por falta de investimentos”, diz Cota.

Por outro lado, caso os municípios vençam a ação na Inglaterra, a expectativa é que as cidades afetadas recebam R$ 30,7 bilhões, ainda que seja incerto quanto disso iria para os cofres de Mariana.

De acordo com o prefeito, desde a tragédia, a população de Mariana cresceu de forma desproporcional devido à contratação de funcionários para as obras de reparação administradas pela fundação Renova.

Do rompimento até hoje, por exemplo, o número de atendimentos diários na saúde básica da cidade triplicou, saltando de 400 para 1.200, segundo a gestão municipal. Além disso, a prefeitura calcula que a cidade tenha hoje uma população flutuante de 35 mil habitantes (fixa é de 61 mil, segundo o IBGE).

“Essas pessoas vieram e não vão mais embora porque aqui ficou a expectativa de novas oportunidades, e hoje elas ocupam espaços irregulares. Há hoje mais ou menos 5.000 famílias morando em áreas irregulares”, diz.

A reportagem esteve na cidade no início do mês e constatou a grande quantidade de trabalhadores vindos de fora da cidade e do estado, principalmente nas obras de construção dos novos distritos destruídos pela lama em 2015. Segundo a Renova, 80% das obras nos novos distritos estão finalizadas -as obras da fundação em Mariana, porém, vão além.

Em nota, o Governo de Minas Gerais disse que vem defendendo os interesses dos municípios nas negociações e que, para melhorar a organização dos trabalhos, as cidades afetadas são representadas pelo Coridoce nas negociações. “Dentre os 39 municípios atingidos em Minas Gerais e 11 atingidos no Espírito Santo, Mariana é o que mais receberá recursos de livre utilização”, afirmou.

O presidente do Coridoce, José Roberto Gariff, confirmou que os municípios não têm participado das últimas conversas, mas descartou que tenham sido excluídos. “Isso não quer dizer que não estamos participando; fomos ouvidos em mais de dez reuniões.”

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