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Brasil

Mariana, 10 anos depois: o alerta que o Brasil insiste em ignorar

Escassez crônica de auditores-fiscais do trabalho e demora na convocação leva país a recordes de acidentes laborais e alto risco de novos acidentes ampliados

Redação Jornal de Brasília

07/11/2025 13h12

tragédia mariana

Foto: Douglas Magno/AFP

Em novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), marcou o país com um desastre sem precedentes. A avalanche de mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério devastou comunidades, matou 19 pessoas e afetou 49 municípios. Uma década depois, a lama que correu pelo Rio Doce ainda simboliza não apenas o impacto ambiental e humano do acidente, mas também as falhas estruturais na prevenção e fiscalização, que seguem sem a devida correção.

O que ocorreu em Mariana não foi só uma tragédia ambiental, mas também um dos mais graves acidentes de trabalho da história do Brasil. Conforme concluiu a Auditoria Fiscal do Trabalho, o desastre resultou de falhas operacionais e estruturais acumuladas desde a construção da barragem, em 2008. A negligência com a segurança dos trabalhadores e o descaso com os alertas prévios expuseram a importância de uma fiscalização mais presente.

“O desastre de Mariana mostrou que a negligência com a segurança, tanto ambiental quanto trabalhista, pode ter um custo humano e social incalculável. Por isso, a presença do auditor-fiscal do trabalho é estratégica. Ele é o elo entre a prevenção e a proteção da vida”, afirma Mário Diniz, Auditor Fiscal do Trabalho no Estado da Bahia.

Apesar de avanços pontuais na legislação e nos protocolos de segurança, o cenário estrutural pouco mudou. Na verdade esta pior. O número de auditores-fiscais do trabalho em atividade no Brasil está hoje em seu patamar mais baixo das últimas duas décadas, com pouco mais de 1800 profissionais e número de acidentes e morte no trabalho bate recorde. Para garantir uma cobertura adequada em todos os setores da economia e considerando o quantitativo de trabalhadores do país, a OIT determina que o mínimo para o Brasil seria de 5440 fiscais.

Mesmo depois de tudo que aconteceu em Mariana, a situação dos acidentes de trabalho está pior do que nunca no Brasil. Em 2024, considerando apenas o que foi notificado à Previdência Social, foram 742 mil acidentes de trabalho. De acordo com esses dados, a cada 46 segundos acontece um acidente de trabalho. A cada 03h30 um trabalhador morre. Isso represente um gasto de mais de R$ 20 bilhões, somando previdência e SUS.

Essa escassez é ainda mais sentida em áreas de alto risco, como a mineração. Com centenas de barragens ativas no país, muitas ficam sem a periodicidade adequada de uma visita técnica de fiscalização. A consequência é clara: sem o olhar atento do Estado, os riscos se acumulam e, como Mariana e Brumadinho mostraram, o pior pode acontecer.

“É impossível garantir segurança em todos os empreendimentos com um quadro tão reduzido. E quando o Estado se ausenta, o risco cresce proporcionalmente”, alerta Mario Diniz.

Enquanto isso, aprovados em concurso público aguardam convocação do governo federal. São profissionais já selecionados, preparados e aptos a reforçar o time da Auditoria Fiscal do Trabalho. Sua entrada em campo, porém, depende de vontade política e prioridade orçamentária.

A presença que salva vidas

O rompimento da barragem de Brumadinho, em 2019, que matou 272 pessoas, a maioria trabalhadores da mineradora ou terceirizados, reforçou a urgência de uma fiscalização mais próxima, contínua e técnica. A Auditoria Fiscal do Trabalho não atua apenas com papelada. Ela verifica presencialmente as condições reais dos ambientes de trabalho, os sistemas de emergência, os treinamentos das equipes e a compatibilidade entre o que está no papel e o que, de fato, é executado.

“A atuação da Auditoria não é burocrática. É ela que previne tragédias. Cada operação é um passo na direção de um ambiente de trabalho mais seguro, digno e justo”, destaca Marcos Botelho, Auditor-Fiscal do Trabalho em Minas Gerais.

Para ele, a fiscalização não pode ser tratada como contingência. É política pública essencial e deveria estar no centro da estratégia nacional de prevenção de desastres, especialmente em setores de alto risco como o extrativismo mineral.

Um alerta que não pode ser ignorado

Neste marco dos dez anos da tragédia de Mariana, o país se vê novamente diante de uma encruzilhada: seguir tratando a fiscalização trabalhista como gasto ou reconhecê-la como investimento essencial na vida das pessoas. Com mais de 800 barragens ativas no Brasil, muitas em estados como Minas Gerais e Pará, o déficit de auditores é uma fragilidade que ameaça se tornar, mais uma vez, tragédia anunciada.

“Prevenir é mais eficiente e infinitamente menos doloroso do que reconstruir depois. A segurança do trabalhador é também a segurança da sociedade”, destaca Rodrigo Oliveira, aprovado no último concurso e aguardando convocação.

A convocação dos aprovados no último concurso do Ministério do Trabalho seria uma resposta concreta e imediata. Um passo necessário para que o Estado retome sua função de guardião da segurança e da dignidade no mundo do trabalho. Enquanto isso não acontece, Mariana segue ecoando como um alerta. Um grito preso na lama. Um lembrete de que o descaso tem consequências, e que vidas continuam em risco.

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