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Brasil

Leitos de UTI para coronavírus são alvo de judicialização em São Paulo

A gestão João Doria (PSDB) não divulgou balanço sobre o tema, mas a reportagem apurou a existência de ações em que o estado também consta como parte

Redação Jornal de Brasília

15/04/2021 8h49

Foto: Breno Esaki/Agência Saúde

Artur Rodrigues
São Paulo, SP

Pessoas têm entrado na Justiça para obter vagas de UTI para tratamento da Covid-19 e também vacinas no estado de São Paulo.


No caso das UTI, ao menos duas pessoas tiveram liminares deferidas para a transferência para esse tipo de unidade na cidade de São Paulo. Em um dos casos, o pedido foi cumprido; no segundo, o paciente morreu.


Especialistas ouvidos pela Folha afirmam que a judicialização pode interferir em critérios técnicos para a fila. Já a Defensoria Pública, que atua em 13 ações relacionadas ao atendimento de pacientes com coronavírus no estado, diz que atua preferencialmente por vias extrajudiciais.


De acordo com balanço da gestão Bruno Covas (PSDB), que contabiliza o período entre 24 de março e 8 de abril, além das duas liminares, houve ainda outros seis casos de pedidos que foram negados.


A gestão João Doria (PSDB) não divulgou balanço sobre o tema, mas a reportagem apurou a existência de ações em que o estado também consta como parte. Em pelo menos um deles, a Justiça deu liminar a quem pedia uma vaga em UTI.


A judicialização ocorre em momento que o sistema de saúde do estado está no seu limite, embora atualmente com tendência de leve melhora. No dia 5 de abril, levantamento indicou que mais de 530 pessoas haviam morrido no estado à espera de vaga de UTI.


De acordo com o balanço municipal, dois pedidos foram feitos pela Defensoria Pública, enquanto os demais por meio de advogados particulares.


Em sete casos, com exceção do da pessoa que morreu, o paciente acabou sendo transferido mesmo quando a Justiça negou o pedido.


O secretário da Saúde, Edson Aparecido, afirma que o índice de judicialização da capital é baixo, de apenas 0,17%, devido à criação de novos leitos. No período em questão, a regulação do município atendeu outros 4.743 casos, para oito judicializados.


Aparecido considera que a experiência em termos de cooperação com a Justiça e Ministério Público, relacionados à judicialização da compra de medicamentos, tem afetado o entendimento dos juízes –que negam na maioria das vezes o pedido de liminar por leito.


“Essa referência também ajudou deixar que esse processo fosse regulado pelo Poder Executivo, que está no dia a dia [do atendimento]”, diz o secretário.

O secretário afirma esperar que a tendência seja a mesma nos casos de pedidos em relação à vacinação que a prefeitura tem recebido. Embora não haja um balanço específico, ele afirma que diversas categorias têm entrado com mandados de segurança para a vacinação. Há também casos individuais, com destaque para pedidos feitos por dentistas.


No caso das vacinas, porém, não há liminares deferidas até o momento.


A Defensoria Pública afirma que avalia bem os casos diante da escassez de vagas e que prioriza agir extrajudicialmente. Apesar disso, os defensores têm independência funcional e podem avaliar que há necessidade de ação judicial em um caso específico.


A reportagem teve acesso a um caso da defensoria em que a Justiça concedeu liminar para a transferência de uma pessoa de 71 anos. A decisão é datada de 6 de abril.


O paciente em questão estava havia dois dias intubado, em leito de emergência. “Passados dois dias em leito de emergência, sem a assistência necessária, o paciente está em grave estado geral, acoplado ao respirador em modo PCV, com saturação de O² em 92%, e sedado”, diz o pedido da defensoria, citando o risco de morte.


Neste caso, a Justiça deferiu liminar para que houvesse a transferência para rede pública ou, em caso de falta de vaga, para a privada. Foi definida multa de R$ 50 mil, mas ela não seria aplicada no caso de que fosse provada a falta de leitos em ambas as redes.


O coordenador do comitê de monitoramento das ações de enfrentamento da pandemia da Defensoria Pública, Rafael Pitanga, afirma que até março o SUS vinha atendendo a demanda. Sem vagas, as pessoas passam a procurar a Defensoria que, por uma questão de acesso à justiça, deve atendê-las.


Diante da procura, diz ele, o número de ações é pequeno.


“Há alguns casos específicos em que houve judicialização. Na maior parte das vezes, me parece que a questão está muito ligada à uma dificuldade de acesso à informação da família”, disse Pitanga.


Segundo ele, em alguns casos a informação que consta no sistema de regulação não correspondia ao que a família trazia. “Em boa parte dos casos, a atuação da defensoria é oficiando, fazendo contato com a equipe do hospital, lembrando obrigação de atualizar o estado de saúde do paciente no sistema de regulação, esse me parece o ponto principal”, afirma Pimenta.


Um prontuário desatualizado pode afetar a transferência e o lugar na fila de um paciente, por exemplo.


O fluxo de troca informações com a rede pública tem melhorado, diz ele, e agora os dados têm chegado com maior rapidez para checagem da defensoria.


Médico sanitarista e professor da FGV, Walter Cintra Ferreira Junior afirma que a judicialização é um problema antigo do país, mas que ganha características dramáticas na pandemia, principalmente se as decisões judiciais interferirem as informações técnicas do sistema de saúde.


“No caso da pandemia, a grande questão é a seguinte: todos brasileiros que tiverem necessidade devem ser atendidos, não há dúvida. Agora, o que estamos falando é dar acesso a serviços que eventualmente não existem em oferta suficiente para atender a demanda. Isso torna as coisas complicadas, porque quando isso acontece você precisa estabelecer critérios sobre quem tem acesso ao recurso”, diz.


“Você vai dar o recurso quando ele realmente vai provocar uma melhora na saúde do paciente. Se o paciente já não tem mais condições de melhorar sua saúde usando o recurso, não faz sentido desperdiçá-lo. Não é uma coisa nada simples e na vida real é muitas vezes dramática”, continua.


Para ele, é importante haver um canal de comunicação entre as autoridades sanitárias e as judiciais, para que as informações dos casos sejam passadas com agilidade.


Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp e consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), diz que não vê sentido em decisões liminares para obtenção de leitos.


“Os pacientes não estão sendo internados não é por má-vontade dos hospitais, não é porque estão sendo reservados leitos para outras coisas. Não adianta mandar internar”, diz. “Você não cria um leito se não tem leito, com espaço físico, respirador, profissionais da saúde. Esse tipo de medida é uma decisão de quem não entende o que está acontecendo no momento atual da pandemia.”


Ela também é crítica da judicialização das vacinas. “O que devemos forçar é os gestores públicos a providenciarem as vacinas já aprovadas pela Anvisa ou que sejam aprovadas pelas agências regulatórias americana e europeia”, diz.

As informações são da Folhapress

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