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Brasil

Juiz federal aponta risco de genocídio na terra yanomami: ‘nada falta para pior dos cenários’

A Justiça determinou que a Força Nacional também dê suporte à reativação do posto da Funai (Fundação Nacional do Índio) na região

FolhaPress

25/05/2022 14h30

Foto: Guilherme Gnipper/Funai

Vinicius Sassine
Brasília, DF

O juiz federal Felipe Bouzada Viana, da 2ª Vara Cível em Roraima, apontou em decisão judicial um risco de “morte em massa de indígenas” na terra yanomami, a maior do Brasil.

Para o magistrado, os sinais de que podem ocorrer genocídios “são claros”, com evidências listadas no curso de uma ação civil pública movida pelo MPF (Ministério Público Federal) no estado.

A decisão de Bouzada é da última segunda-feira (23). Assim como todo o processo, é mantida em sigilo pela Justiça Federal.

Foi nessa decisão que o juiz determinou que o governo federal retome ações para a retirada de milhares de garimpeiros que estão na terra indígena.

A determinação é para que o governo Jair Bolsonaro (PL) apresente um novo plano, em caráter emergencial, para retirada dos garimpeiros, em razão do descumprimento de decisões judiciais anteriores.

Estão no território tradicional 20 mil garimpeiros, segundo estimativa de associações de indígenas. Bolsonaro estimula o garimpo, não se opõe à presença dos invasores e tenta fazer avançar a mineração em terras indígenas. Desde sua eleição em outubro de 2018, explodiu a quantidade de garimpeiros em busca de minérios, principalmente ouro.

“Essa demanda [a ação civil pública] foi ajuizada no início do ano de 2020; os autores desde então vêm alertando constantemente sobre a possibilidade de tragédias e genocídios ocorrerem dentro da TIY [Terra Indígena Yanomami]”, afirmou Bouzada na decisão.

“Os sinais são claros: a ampla ocupação do território indígena por garimpos ilegais, armamento da população indígena e aliciamento para o trabalho de mineração, interrupção do serviço de saúde, os relatos de violência contra mulheres e crianças por garimpeiros, incluindo algumas mortes”, disse o juiz.

Para o magistrado, “nada falta para que o pior dos cenários ocorra (morte em massa de indígenas), com todas as consequências daí advindas, inclusive a responsabilização internacional do Brasil e sancionamento, hipóteses essas já aventadas por esse juízo em outras ocasiões”.

Bouzada afirmou ainda que o artigo 4º da convenção nº 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) estabelece medidas especiais para salvaguardar pessoas, culturas e o “meio ambiente dos povos interessados”. O Brasil é signatário da convenção da OIT.

A reportagem questionou o Ministério da Justiça e Segurança Pública, responsável pelo plano operacional para retirada dos garimpeiros da terra indígena, sobre o descumprimento do plano e de decisões judiciais anteriores e sobre a nova determinação da Justiça Federal em Roraima.

A pasta afirmou que “o assunto garimpo é com a Polícia Federal”.

A PF, por sua vez, disse que não representa a União e que questionamentos sobre decisões judiciais devem ser direcionados à AGU (Advocacia-Geral da União).

A AGU afirmou que “a União foi intimada da decisão e analisa junto aos órgãos competentes a estratégia processual que adotará”.

O risco de genocídios na terra yanomami pode repetir a tragédia de 1993, quando 16 yanomamis foram mortos por garimpeiros que estavam no território.

O episódio ficou conhecido como Massacre de Haximu. A Justiça Federal condenou quatro garimpeiros por crime de genocídio, que consiste no extermínio de um grupo étnico. A decisão foi confirmada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 2006.

Na nova onda de exploração ilegal de ouro na terra yanomami, que explodiu com Bolsonaro, o governo federal vem descumprindo as decisões judiciais para retirada dos garimpeiros, segundo a decisão judicial proferida na segunda.

O descumprimento ocorre principalmente na adoção de medidas de monitoramento do território com a finalidade de “impedir o retorno dos não indígenas à Terra Indígena Yanomami”, conforme a decisão.

A Hutukara Associação Yanomami integra o processo e relatou à Justiça fatos “gravíssimos” sobre exploração sexual de mulheres, adolescentes e meninas indígenas em troca de comida.

Todos os elementos levantados nos autos apontam para a ineficiência do governo Bolsonaro em retirar os garimpeiros da terra indígena, conforme o juiz da 2ª Vara Federal Cível. Isto se dá em meio ao “avanço desmedido de danos ao meio ambiente e a degradação das características culturais e da própria saúde dos yanomamis”, conforme Bouzada.

O jornal Folha de S.Paulo mostrou na segunda que apenas 9 (2,1%) dos 421 pontos de garimpo na terra indígena foram alvo de algum tipo de ação policial, dentro de um plano formulado pelo governo Bolsonaro para tentativa de retirada dos garimpeiros.

Dos 277 pontos de apoio usados pelos garimpeiros, como pistas de pouso e portos clandestinos, somente 70 (25,3%) foram fiscalizados desde 2020.

Os dados são do MPF em Roraima, que ingressou com o novo pedido na Justiça Federal para obrigar o governo federal a providenciar a retirada dos invasores da terra yanomami. O pedido resultou na nova decisão judicial.

Já foram proferidas decisões nesse sentido pela Justiça Federal no estado, pelo TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) e pelo STF. A primeira decisão é de 2020.

A Justiça determinou que a Força Nacional de Segurança Pública permaneça na região para garantir a reabertura da unidade básica de saúde de Homoxi, de forma que o Ministério da Saúde retome o atendimento na região.

O posto de saúde teve a estrutura ameaçada em razão de uma cratera aberta pelo garimpo, e garimpeiros tomaram a pista de pouso destinada à Secretaria de Saúde Indígena, segundo o MPF.

O pedido do MPF incluiu a reativação do posto de fiscalização da Funai na Serra dos Surucucus, onde vivem 6.000 indígenas de recente contato. O local já tinha sido alvo de uma intensa corrida pelo ouro nas décadas de 70 e 80.

A Justiça determinou que a Força Nacional também dê suporte à reativação do posto da Funai (Fundação Nacional do Índio) na região.

O juiz determinou que União, Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e Funai se articulem para combater os ilícitos ambientais na terra indígena.

Uma equipe interinstitucional, formada por “forças de comando e controle”, deve ser criada para atender à decisão judicial. A equipe deve permanecer no logo até que haja “extrusão de todos os infratores ambientais”.

O governo federal também deve destruir ou inutilizar todos os instrumentos usados para o garimpo.

O desrespeito à decisão de que se crie um novo plano emergencial está sujeito a pena de R$ 500 mil por dia. A não retirada dos garimpeiros já estava sujeita a uma pena de R$ 1 milhão.

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