YURI EIRAS
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)
A ocupação permanente de policiais no complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em 2010, foi acompanhada de promessas para desenvolvimento urbano e social. Eram tempos de PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e UPP (Unidade de Polícia Pacificadora).
Chegaram agências bancárias, Correios e postos do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e Detran (Departamento Estadual de Trânsito). Tudo fechou sem durar uma década, consequência das crises financeira e política enfrentadas pelo estado e o país.
O complexo da Penha e o complexo do Alemão vivem há pelo menos 30 anos uma rotina de políticas públicas anunciadas logo após episódios que envolvem violência, com grandes operações como a que deixou 121 mortos em outubro e casos de repercussão. Parte dos projetos acaba interrompida.
A década de 2010 foi a que mais pareceu promissora aos moradores do Alemão.
“Foi um período de muitos cursos, muitos anúncios de geração de emprego. Mas do jeito que as novidades chegaram, elas foram embora”, afirma a recepcionista Ivonete Vieira, 49, moradora do Alemão há 25 anos.
Na operação da chamada “retomada” mais de 2.500 policiais e militares subiram com tanques, caveirões e helicópteros. O morro foi ocupado e uma bandeira do Brasil foi hasteada no topo. A imagem virou símbolo do projeto e se tornou tão famosa quanto a fuga de suspeitos por uma trilha na serra da Misericórdia, na Penha.
Cinemas com telas 3D, biblioteca, polo tecnológico gratuito para jovens, colégio estadual e vila olímpica foram instalados. Obras do PAC estavam em andamento. Agências da Caixa Econômica ofereciam microcrédito a empreendedores locais. A novela das oito era ambientada na favela.
No PAC de urbanização das favelas, o principal investimento era nas 13 favelas do Alemão. No complexo havia previsão de aporte de R$ 601,7 milhões (R$ 1,5 bilhão em valores corrigidos pelo IPCA, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo).
Um dos símbolos usados pelo então governador Sérgio Cabral (PMDB) foi a construção de um teleférico que passa por diferentes localidades do Alemão e desce até a estação de trem de Bonsucesso.
A estrutura foi construída com recursos do PAC. Em 2016, fase de endividamento do estado e de investigações que indicavam esquemas de corrupção, o serviço foi suspenso por falta de repasse de verbas ao consórcio contratado para operá-lo.
O teleférico, desde então, parou de circular com regularidade.
Em agosto deste ano, o governo Cláudio Castro (PL) anunciou assinatura de contrato para obras de instalação de cabos de aço, catracas e bilhetagem a fim de reativar o teleférico. A empresa MPE Engenharia venceu licitação com proposta de R$ 116,5 milhões e tem prazo de sete meses para conclusão dos serviços.
Aquela não havia sido a primeira geração de promessas para os moradores. Em 2002, o tráfico da Penha e Alemão chamou atenção do país pelo desaparecimento do jornalista Tim Lopes. Descobriu-se depois que ele havia sido morto por traficantes do Comando Vermelho na Penha, após subir a comunidade para fazer uma reportagem.
Uma megaoperação policial prendeu o traficante Elias Maluco, chefe do CV e principal acusado pela morte do jornalista.
Logo depois a então governadora Benedita da Silva (PT), que assumira após Anthony Garotinho (à época no PSB) entrar em campanha à Presidência, prometeu que o conjunto de favelas seria ocupado por políticas públicas, com postos médico, unidades do Ministério do Trabalho, centros de esporte e lazer. Os projetos não saíram do papel até a mudança de governo, no ano seguinte.
Procurada via assessoria, a deputada Benedita não respondeu.
Houve também projetos na segurança pública. Em novembro de 1994, último mês de gestão do ex-governador Nilo Batista (PDT), as Forças Armadas ocuparam o Alemão por quatro meses, após uma operação que deixou 13 mortos na favela da Nova Brasília.
A operação aconteceu em outubro de 1994. Houve casos confirmados de execução e a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), duas décadas depois, condenou o Estado brasileiro pelas operações.
“Nova Brasília foi no final [do mandato], não tivemos tempo de fazer investigação e muito provavelmente o governo que nos sucedeu não investigou”, afirma Batista à reportagem.
Enquanto vice de Leonel Brizola (PDT), Batista havia visto duas chacinas na cidade em 1993, Vigário Geral e Candelária. O ex-governador mencionou projetos sociais da era Brizola.
“A implementação do policiamento comunitário e dos centros de defesa da cidadania foram tentativas de mudar a relação da polícia com as favelas. Criamos também a estatística criminal [o atual Instituto de Segurança Pública], pois não havia estatística confiável até 1991”, relata.
O tráfico voltou quando os militares saíram, em janeiro de 1995.
Em 2007, ano dos Jogos Pan-Americanos, uma operação que terminou com 19 mortos foi seguida pelo anúncio de que a região permaneceria ocupada pelas polícias, incluindo reforço da Força Nacional. O coronel da PM Marcus Jardim, então responsável pelo batalhão da área, chegou a dizer à época que 2007 seria “o ano do Pan, do PAC e do pau”.
A ocupação resultou em trégua de pouco mais de um ano no Alemão a Penha, contudo, seguiu com tiroteios até 2010, quando anunciou-se nova retomada.
Procurado pela reportagem, Cabral, governador à época, enumerou ações da gestão na área de segurança pública, como promoção de concursos públicos e novas sedes das polícias Militar e Civil.
“As 38 UPPs, além de promover patrulhamento 24 horas nas comunidades, abriram políticas de cidadania tais como mobilidade, educação, cultura, esporte e lazer, ensino técnico e construção de milhares de apartamentos”, disse Cabral em mensagem à reportagem.
“Infelizmente, nos últimos 11 anos a decadência dos serviços públicos não foi exclusivamente na área da segurança, mas em todas as demais políticas públicas.”
Ataques às UPPs se tornaram recorrentes a partir de 2014, ainda sob gestão Cabral. O projeto também desencadeou a fuga de suspeitos para cidades da região metropolitana e interior.
Em nota, o governo Cláudio Castro afirmou que “tem atuação permanente” nos complexos com “conjunto de políticas públicas que vão muito além da segurança”.
A gestão mencionou cursos de dança, música e confecção, estruturas móveis de bibliotecas e esportes gratuitos. Penha e Alemão, segundo o governo, possuem oito polos de atividade física e fisioterapia para idosos.
A Prefeitura do Rio citou como projetos em atividade a gestão de dois cinemas, na Penha e Alemão, a nave do conhecimento, que oferece cursos gratuitos, ecopontos e hortas comunitárias.
A gestão Eduardo Paes (PSD) também afirmou que atua na identificação de famílias em vulnerabilidade e que realiza projetos de reforma habitacional e turismo.
O governo federal tem projeto de construção de um campus do IFRJ (Instituto Federal do Rio de Janeiro).
O instituto afirma ter concluído as etapas de demolição de um galpão e limpeza do terreno.
O projeto, diz o IFRJ em nota, aguarda aprovação da prefeitura. O orçamento da obra ainda está sendo calculado.