CLAYTON CASTELANI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Na porta da escola judaica na zona oeste de São Paulo, o aluno de 10 anos parou diante de um policial que portava uma arma longa de grosso calibre. “Ele nunca tinha visto uma pessoa armada”, conta a professora Renata Gildin, 46, após ouvir relato da mãe da criança. Porta-malas dos carros de pais e professores também passaram a ser revistados.
“Morrem crianças na guerra?”, perguntou Zena, 7, ao caminhar pela avenida Paulista com a mãe, a empresária Fadah Thum, 43, no último domingo (15).
“Eu tento evitar que a minha pequena veja televisão, mas ela está muito ligada nisso. O pai dela está em território palestino”, diz Thum, que morou por 20 anos na Cisjordânia, onde está seu ex-marido.
Desde o início da guerra declarada por Israel contra o grupo Hamas, membros das comunidades judaica e muçulmana no Brasil experimentam uma necessidade sem precedentes de mudar comportamentos em busca de proteção contra os efeitos psicológicos da exposição ao noticiário sobre o conflito e potenciais hostilidades, sejam ataques virtuais ou agressões físicas.
Na capital paulista, escolas, museus, sinagogas e outras instituições judaicas tiveram policiamento e a aparatos de segurança privada reforçados nos últimos dias em meio ao aumento de postagens antissemitas nas redes sociais.
Enquanto isso, brasileiros de ascendência árabe e praticantes da fé islâmica organizam palestras e debates para explicar que seu posicionamento político nada tem a ver com apoio a atos terroristas.
Lideranças religiosas e políticas de ambos os lados relatam que a raiz do aumento das tensões não está apenas relacionada à violência do atual conflito no Oriente Médio, mas também a um ambiente político brasileiro considerado mais fértil para o radicalismo, muitas vezes, abastecido por desinformação.
“Os comentários nas mídias sociais são um importante marcador do crescimento do antissemitismo e estão muito mais vinculadas a ideologias políticas locais do que lá de fora. Há toda uma preocupação com esse fla-flu que se criou no Brasil”, afirma Ricardo Berkiensztat, presidente-executivo da Fisesp (Federação Israelita do Estado de São Paulo).
Patrulhamentos foram efetivamente intensificados em algumas instituições, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Viaturas da Polícia Militar também foram observadas pela reportagem nas proximidades de sinagogas nesta quarta-feira (18) e na porta do Museu Judaico durante a madrugada desta quinta (19), todos na região central da cidade.
A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) também afirma ter reforçado policiamento no que classificou como instituições palestinas.
A reportagem visitou na quarta-feira (18) a Mesquita Brasil, templo islâmico na região central paulistana considerado um dos mais importantes do país. Não havia policiamento no local. O portão lateral estava aberto enquanto o próprio xeique Mohamad al-Bukai acompanhava a saída de algumas mulheres que deixavam o local após participarem de um curso.
O líder aceitou conversar em seu escritório, onde relatou que a procura dos fiéis por explicações sobre as causas do conflito cresceu. “Os pais estão com medo de levar os filhos para a escola. As pessoas estão com medo de sair para a rua”, disse.
Notícias falsas que circulam em redes sociais são especialmente preocupantes, segundo o xeique. “Você não sabe o que as pessoas estão pensando [ao tomarem contato com esse conteúdo]”, disse Bukai.
Ualid Rabah, presidente da Fepal (Federação Árabe Palestina do Brasil) afirma que “pela primeira vez a comunidade palestina no Brasil sentiu medo real de sofrer perseguições” motivadas pelo noticiário sobre a guerra.
Na noite de terça (17), cerca de 80 pessoas acompanharam uma palestra de duas horas do professor de relações internacionais Bruno Huberman no Al Janiah, tradicional bar palestino de São Paulo.
O lugar já costumava realizar eventos sobre o tema antes do início do novo conflito, mas a procura por eles aumentou com a guerra, que teve início no último dia 7.
“Fizemos esta mesma palestra no ano passado e havia dez pessoas aqui”, comentou Huberman, durante a apresentação.
Informar e reforçar a posição de tolerância da comunidade judaica no Brasil é também papel do Museu Judaico de São Paulo, diz o diretor-executivo da instituição, Felipe Arruda. Ele conta que é justamente por isso que as atividades na instituição foram mantidas, apesar do reforço nas medidas de segurança.
Nas redes sociais, porém, nas quais as manifestações de ódio são crescentes, a entidade ampliou a cautela. “Reduzimos postagens sobre nossas atividades, avaliamos que não era um bom momento”, explica Arruda.