Menu
Brasil

Governo do Amazonas assina contrato de crédito de carbono na COP30 apesar contestação do MPF

O modelo, visto como estratégico pela administração do estado, é contestado pelo Ministério Público Federal, que alega falta de comunicação com povos que vivem ao redor da área.

Redação Jornal de Brasília

10/11/2025 23h55

Fotos: Raimundo Pacco/COP30

PEDRO LOVISI
BELÉM, PA (FOLHAPRESS)

O governo do Amazonas aproveitou o primeiro dia da COP30, a conferência da ONU sobre mudanças climáticas, em Belém, para assinar um contrato com uma empresa de créditos de carbono para permitir que a companhia opere em uma unidade de conservação.


O modelo, visto como estratégico pela administração do estado, é contestado pelo Ministério Público Federal, que alega falta de comunicação com povos que vivem ao redor da área.


O modelo criado pelo governo amazonense prevê que empresas privadas desenvolvam projetos de conservação em áreas estaduais e, com isso, vendam créditos de carbono. Esses créditos equivalem a uma tonelada de carbono que foi absorvida ou deixada de ser emitida e são, geralmente, comercializados com grandes empresas poluidoras que querem compensar suas emissões de gases de efeito estufa.


Ao todo, serão 21 unidades de conservação entregues a cinco empresas, que terão 30 anos para gerar créditos de carbono por meio delas. O governo de Wilson Lima (União) diz que o apoio da iniciativa privada é fundamental para conter o desmatamento no estado.


O contrato firmado nesta segunda-feira (10) é com a Future Climate, que tem o apresentador Luciano Huck como sócio minoritário. A empresa ficará responsável por conservar uma área de 808 mil hectares, mais de cinco vezes o tamanho da cidade de São Paulo, no município de Apuí -mais precisamente, no Parque Estadual do Sucunduri.


Apesar da contestação judicial, Fábio Galindo, CEO da Future Climate, diz não ver insegurança jurídica no contrato firmado.


A região em questão, apesar de ser protegida por lei, faz parte do arco de desmatamento, como é chamada a área amazônica que mais sofre pressão de devastação vinda de madeireiros, grileiros e pecuaristas.


Por isso, segundo o governo, haverá a possibilidade de gerar créditos de carbono no formato Redd+, quando os créditos são gerados a partir de emissões evitadas. Devido a escândalos envolvendo grandes empresas do setor nos últimos anos, esse é hoje um dos tipos de créditos mais contestados no mercado voluntário de carbono.


A expectativa da Future Climate é vender 500 mil créditos de carbono por ano, que poderiam gerar uma receita de R$ 390 milhões durante os 30 anos em que a empresa atuará na região -o valor pode variar, conforme a volatilidade do preço do crédito de carbono no mercado voluntário.


Segundo a empresa, a primeira venda deve acontecer só a partir do terceiro ano de projeto, depois que comunidades locais forem ouvidas e que o projeto passar por avaliação de uma certificadora. No mercado voluntário, as certificadoras são privadas sem qualquer conexão estatal -a maior é a Verra, com sede nos Estados Unidos.


Do total arrecadado, 15% ficará com a empresa e o restante será dividido igualmente entre políticas do estado de enfrentamento às mudanças climáticas e demandas das comunidades que vivem ao redor da área a ser conservada.


“[Essa segunda metade] pode ir para a implantação de microssistemas de abastecimento de água, de energia elétrica, de internet ou para o fortalecimento de cadeias produtivas”, afirma o governador do Amazonas, que participou da assinatura do contrato na COP30.


Segundo o governo, não há comunidades dentro da unidade de conservação, apenas ao redor.
Esse é o principal ponto de tensão do modelo criado pelo governo amazonense. Em outubro, o MPF pediu a suspensão do projeto em unidades de conservação. O órgão argumenta que comunidades tradicionais e povos indígenas que habitam algumas das 21 unidades entregues à iniciativa privada não foram ouvidos, o que iria contra a convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).


O MPF afirma que lideranças das unidades relataram que além de não ter ocorrido consulta, as populações não receberam informações sobre o projeto.


“A existência do projeto viola os direitos de consulta de povos indígenas e comunidades tradicionais ao não expor as informações com transparência e clareza. O esclarecimento devido também é um direito dos povos indígenas e tradicionais para a efetiva realização dos procedimentos de consulta”, diz nota do órgão em reportagem publicada pela Folha em outubro.


A Folha de S.Paulo apurou que dentro do governo do Amazonas há incertezas sobre como apresentar os detalhes do projeto para as comunidades, uma vez que alguns pontos, como a receita exata do modelo, ainda é incerta, visto à volatilidade desse mercado.


Para Fábio Galindo, CEO da Future Climate, o projeto preserva a floresta e respeita as comunidades.


“Na minha compreensão, o que o Ministério Público Federal quer é a conservação da floresta, a preservação dos direitos das comunidades e o desenvolvimento econômico e social. E eu acredito que esse projeto atende a esse interesse”, afirma.


“Só há três fontes de capital para usar no combate ao desmatamento e no desenvolvimento econômico e social. O primeiro deles é o orçamento público, que a gente sabe que é escasso e ninguém quer aumentar atributos para financiar o combate ao desmatamento”, avalia.


“O segundo é o capital filantrópico, que são de países que fazem doações ou capital das entidades do terceiro setor, mas ele não consegue sustentar a política pública de longo prazo. A terceira fonte é o capital privado, onde é necessário tornar esse processo de conservação florestal ou de restauração florestal um negócio”, acrescenta.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado