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Brasil

FEB: 80 anos do desembarque do Brasil na Segunda Guerra Mundial

Os primeiros 5 mil soldados brasileiros chegaram na Itália em 16 de julho de 1944. No dia 2 de julho, será inaugurado, no Rio de Janeiro, marco em homenagem ao primeiro embarque dos pracinhas

Afonso Ventania

07/06/2024 5h00

Fotos: Arquivo Pessoal

Quarenta dias depois da vitória dos aliados contra os nazistas, no Dia D, em 6 de junho de 1944, tropas brasileiras chegam à Europa para se juntarem aos Estados Unidos, Reino Unido e Canadá nos combates durante o último ano da Segunda Guerra Mundial. O Brasil havia declarado guerra aos países do Eixo, Alemanha, Itália e Japão, em 1942, em resposta ao torpedeamento de navios mercantes por submarinos alemães na costa brasileira. Mas, devido à burocracia e entraves políticos, os primeiros 5 mil soldados (de um total de 25 mil) que já estavam em treinamento havia vários meses, só desembarcaram no porto de Nápoles, na Itália, no dia 16 de julho de 1944. 

Os pracinhas, como ficaram conhecidos os militares da Força Expedicionária Brasileira, a FEB, desempenharam papel fundamental no último ano do conflito reconquistando regiões estratégicas como o Monte Castelo, que estava sob o domínio nazista. Por essa razão, o país celebra, em 2024, os 80 anos do início da participação dos combatentes brasileiros no maior conflito da história. No dia 2 de julho, inclusive, será inaugurado, no centro do Rio de Janeiro, um marco indicando o primeiro embarque dos soldados brasileiros para a Segunda Guerra Mundial, no píer da Praça Mauá, no Porto Maravilha. 

Fotos: Arquivo Pessoal

“Depois de alguns anos de batalha, conseguimos o direito de inaugurar uma placa de bronze em homenagem aos 80 anos do primeiro embarque da FEB que enviou mais de 5 mil homens para a Itália,totalizando 25 mil soldados nos embarques subsequentes”, antecipa, com exclusividade para o Jornal de Brasília, o estudioso sobre a Segunda Guerra Mundial, João Barone. 

Filho de um dos pracinhas que combateram os nazistas na Europa, Barone é mais conhecido como baterista da banda Paralamas do Sucesso. Nos últimos anos, entre um show e a gravação de discos, ele encontrou tempo para escrever três livros e produzir outros três documentários sobre o tema. A última obra foi sobre o pai, João de Lavor Reis e Silva; O Soldado Silva – A jornada de um brasileiro na Segunda Guerra Mundial, pelo selo Livro de Guerras, da Panda Books. 

Ainda de acordo com João Barone, a participação das tropas brasileiras no conflito foi muito importante. “Quando o Brasil escolheu combater (oEixo), a guerra ainda não estava decidida a favor dos aliados, apesar de o Dia D ter acontecido no dia 6 de junho e o Brasil ter enviado o primeiro contingente pouco mais de um mês depois. Foi uma escolha muito ousada e se tornou uma página muito importante na história mundial”. 

Fotos: Arquivo Pessoal

“A cobra está fumando”

A FEB foi oficialmente criada em 9 de agosto de 1943 pela Portaria Ministerial N 4744, após o Brasil ter declarado guerra ao Eixo em agosto do ano anterior. Os pracinhas combateram ao lado dos aliados na Campanha da Itália, em suas duas últimas fases (o rompimento da “linha gótica” e a ofensiva aliada final naquela frente de batalha). O lema dos febianos, “a cobra está fumando”, era uma alusão irônica aos que não acreditavam na possibilidade de o Brasil ir à guerra. “É mais fácil uma cobra fumar cachimbo do que o Brasil participar da guerra na Europa”, publicava a imprensa e dizia parte da população. 

Já na Itália, os expedicionários brasileiros foram comandados pelo general João Batista Mascarenhas de Moraes. De acordo com registros do Exército Brasileiro, “as primeiras semanas foram ocupadas se aclimatando ao local, assim como recebendo o mínimo equipamento e treinamento necessário, sob a supervisão do comando americano, ao qual a FEB estava subordinada, já que a preparação no BRASIL demonstrou ser deficiente, devido à falta de material de instrução8, apesar dos quase dois anos de intervalo entre a declaração de guerra e o envio das primeiras tropas à frente de combate”.

A Feb combateu incorporada ao V Exército, a partir de 5 de agosto de 1944, em Tarquínia e ao IV Corpo de Exército, comandado pelo general americano Crittemberg e, a partir de 6 de setembro, junto da 1 Companhia de Engenharia. No total, os brasileiros lutaram ao lado de 22 divisões, sendo: seis norte-americanas, seis britânicas, três canadenses, duas polonesas, três indianas, uma sul-africana e uma neozelandesa.

Uma das maiores dificuldades dos soldados brasileiros, acostumados ao clima dos trópicos, foi o frio intenso. Durante o inverno rigoroso entre 1944 e 1945, nos Apeninos, a FEB enfrentou temperaturas de até 20 graus negativos. Eles precisaram conter os ataques exploratórios de tropas alemãs em meio à muita neve e umidade. A falta de costume ao clima e o cansaço acumulado de uma campanha ininterrupta de meses foram um grande obstáculo. 

Capitão Elmo Diniz. – Fotos: Arquivo Pessoal

Mesmo assim, os brasileiros não só defenderam seu território, como avançaram sobre a linha gótica (defesa nazi-fascista com 280 km de extensão na região dos Apeninos) para conquistar o Monte Castello que era um ponto estratégico naquela região. Os pracinhas ainda obtiveram outras vitóriasna conhecida Ofensiva da Primavera, mesmo em inferioridade numérica em relação ao inimigo, ao conquistarem Castelnuovo, Montese, Collecchio e Fornovo Di Taro, todos locais de extrema relevância para os aliados e para libertar os italianos do domínio nazista. 

A maior vitória, no entanto, foi a rendição, no dia 29 e 30 de abril, de quatro divisões inimigas. A principal delas, foi a 148 Divisão de Infantaria alemã. Ao final da campanha da FEB na Itália, cerca de 15 mil alemães se renderam. Na arrancada final antes de voltarem ao Brasil, os expedicionários chegaram a Turim e, em 2 de maio de 1945, na cidade de Susa, onde encontraram com tropas francesas na fronteira franco-italiana. 

Dos pouco mais de 25 mil soldados enviados à Itália, 443 morreram e cerca de 2.800 ficaram feridos. 

Assista ao vídeo para conhecer o Museu Casa Memória do Ex-combatente, mantido pela Associação dos Ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial e fica localizado em Brasília, na 913 Norte. 

Entrevista com pracinha de 103 anos que esteve na Itália

“Eu fui um menino que me criei lidando com gado. Sou filho de tropeiro, com muito orgulho. Tropeiro, no Rio Grande do Sul, é um homem que lida com cavalo, com boi. O campo faz parte da nossa vida”, explica Elmo Diniz, logo no início da entrevista em que conta um pouco da sua experiência como soldado da Força Expedicionária Brasileira, a FEB. O capitão reformado do Exército Brasileiro é gaúcho de Cruz Alta e hoje tem 103 anos. 

No depoimento abaixo, o pracinha, como eram chamados os combatentes brasileiros, conta detalhes da sua participação na Segunda Guerra Mundial. Ele conta que se alistou no Exército, em 1939, com apenas 17 anos, apenas para realizar o sonho de se tornar telegrafista na Rede Ferroviária Federal. “Precisava do certificado de reservista”, recorda. 

Quando a guerra começou, ele permaneceu no Exército e foi enviado para o Rio de Janeiro e,mais tarde, para Salvador, com a missão de defender a costa brasileira dos ataques dos temidos submarinos alemães. Nunca imaginou que, dali a cinco anos, embarcaria com mais 5 mil homens para o maior conflito da história da humanidade para enfrentar as tropas nazistas de Hitler. 

Capitão Elmo Diniz, 103 anos. – Foto: Divulgação/Exército Brasileiro

Elmo Diniz foi um dos 25 mil militares que o Brasil enviou para combater no teatro de operações na Europa; 443 morreram e cerca de 2.800 ficaram feridos. Ele desembarcou no porto de Nápoles, na Itália, no dia 5 de dezembro de 1944 e ficou marcado na história do país. Atualmente reside em Porto Alegre, é casado com Eunice Olivo Diniz e tem três filhos.

Capitão, o senhor se alistou com que idade?

Aos 17 anos. Sou praça desde 2 de maio de 39.

Quando o senhor embarcou para a Itália?

Eu completei 20 anos dia 4 de fevereiro de 1942quando eu servia no Rio de Janeiro. No dia 9, fui promovido a sargento e, em junho do mesmo ano,foi transferido para Salvador, na Bahia, para guarnecer o litoral brasileiro no tempo que ossubmarinos do Eixo estavam torpedeando os navios mercantes brasileiros lá no Nordeste. De lá, me mandaram para o Rio de Janeiro de volta. Quando eu cheguei, me disseram que eu estava incluído na Força Expedicionária Brasileira.

Foi só no dia 23 de novembro de 1944 que eu embarquei no navio de guerra americano com destino ao porto de Nápoles, na Itália. Cheguei na Itália no dia 5 de dezembro de 1944.

Quando o senhor se alistou, já pensava na possibilidade de ir para a Segunda Guerra Mundial?

Eu me alistei porque eu precisava de certificado de reservista para realizar o meu sonho de ser efetivado na Rede Ferroviária Federal como telegrafista. Mas, 1940, suspenderam tudo exatamente por causa da Segunda Guerra. Aí foi o meu sonho de ser telegrafista acabou e eu fiquei no quartel. Aí me sugeriram que eu fizesse curso de sargento. Fiz e fui aprovado. Logo depois fui promovido a sargento e transferido para Salvador. 

Foto: Divulgação/Exército Brasileiro

Como foi a viagem do Brasil até a Itália?

Conversávamos muita bobagem. Éramos meninos novos. A maior parte dos cinco mil soldados que embarcaram no navio estava na faixa-etária dos 20 e poucos anos. Maduros eram os oficiais e aí era outra história. Foi nessa viagem que dei mais valor para o baralho que era a nossa diversão. E a nossa comida foi racionada e tínhamos apenas duas refeições por dia. 

Como foi a chegada ao Teatro de Operações na Itália? Ficou assustado?

Por incrível que pareça, eu só vi combate que eu queria ver. Porque o meu serviço na guerra, foi como responsável pela classificação dos suprimentos. E a minha obrigação na FEB era saber a necessidade das fardas que perdiam e estragavam muito durante a semana. No sábado eu conversava com osubtenente e, na segunda-feira, eu ia pegar a aquisição na casa da ordem para ir buscar os uniformes onde estivesse o depósito. Agora, raciocina comigo. Depósito nunca é perto do front. É sempre camuflado e sempre distante um do outro. Pelo menos de 1 a 2 quilômetros. Então, pra achar esses depósitos era um drama. Teve dias que eu fui buscar a farda e não encontrei o depósito, voltei sem as fardas. Eu usava um mapa para me orientar, mas era muito difícil, num país estrangeiro, você descobrir o caminho pra ir e pra voltar e ainda mais naquelas condições de batalha.

Qual foi a maior dificuldade dos pracinhas lá na Itália?

Os alemães estavam instalados na Itália há mais de um ano. Então, estavam muito bem organizados. E eles formavam um exército muito disciplinado e muito bem instruído. Quando chegamos lá, no entanto, os alemães já sabiam que iam perder a guerra. Por um lado foi uma vantagem para nós, mas por outro lado, ao saber que estava perdendo, os soldados alemães destruíam tudo o que encontravam pela frente. Mas, o final dessa história que eu estou te falando, foi que a 148ª Divisão Alemã se entregou para a FEB no dia 30 de abril de 1945. Então, nesse dia a guerra terminou para nós.

As provisões e uniformes eram suficientes para as tropas brasileiras?

Uniforme e comida eram fornecidos pelo exército americano. Tinha tudo de bom e à vontade. E à tarde, na janta, todo dia, a gente recebia uma carteira de cigarro. E nem assim eu aprendi a fumar.

Como foi o dia da conquista do Monte Castelo?

Preciso dizer que o Monte Castelo caiu na quinta tentativa, no dia 21 de fevereiro de 1945. Foi o período quando morreu mais brasileiros: entre o Monte Castelo e Montese. E, dois dias depois, eu fui lá pra ver. Não entrei em combate direto, não era da infantaria, mas eu queria saber das coisas. 

Foto: Arquivo Pessoal

E como foi a chegada de volta ao Brasil? A população recebeu os soldados com muita festa, não?

Sim, foi uma epopeia. Milhares de pessoas nas ruas nos recebendo. A população carioca queria uma lembrança, um souvenir dos soldados brasileiros.Eles arrancavam as divisas da gente. Eles tiraram meu capacete e tiraram o cantil. Eu era comandante de patrulha no desembarque e eu mesmo cheguei com a cabeça descoberta, sem divisa, sem bornal. Foi uma festa inesquecível. 

E o capitão, com relação à população, vocês foram muito bem recebidos e tiveram a gratidão do povo brasileiro, mas pelo que a história conta, o próprio Getúlio Vargas na época, encerrou a FEB enquanto vocês ainda estavam na Itália. 

O senhor sentiu uma ingratidão por parte do governo do Brasil na sua chegada?

A gente não pensava nisso. A gente estava muito feliz por ter voltado ao Brasil. Eu queria chegar no Rio Grande do Sul o mais rápido possível para ver minha família. Não pensei em Getúlio, não pensei em governo, não pensei em recompensa, não pensei em nada. Queria chegar no Rio Grande do Sul para ver minha gente que também está ansiosapor me ver voltando da guerra.

O senhor recebeu muitas homenagens ao longo da sua vida?

De um tempo para cá que se desenvolveu no exército um tratamento especial para os febianos. E a gente passou muito tempo. Veja bem, eu sou reformado de 62. Enquanto eu fui da ativa, eu não recebi homenagem nenhuma por ter sido da FEB.Depois que eu saí reformado, 28 de dezembro de 62, é que, muito tempo depois, começaram a aparecer essas homenagens. Até então, o Brasil não deu muita importância para nós. Hoje, a gente recebe muita homenagem. E fazemos questão de usar uma boina azul com o distintivo da cobra fumando, que é o símbolo da FEB.

Que mensagem o senhor deixa para a nova geração?

Como veterano, que tive a felicidade de lutar pela liberdade dos povos, ontem, hoje e sempre, meu conselho aos jovens democratas, se querem um mundo livre, um Brasil livre e honesto, que lutempela liberdade dentro do direito da legalidade.

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