JÚLIA GALVÃO E LUANY GALDEANO
SÃO PAUOO, SP, BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
O fato de ao menos três pessoas de uma mesma família de Patos, no interior da Paraíba, terem sido aprovadas para um cargo concorrido no CNU (Concurso Nacional Unificado) do ano passado foi um dos alertas para o início de investigação da PF (Polícia Federal) sobre um suposto esquema de trapaça nesse tipo de certame. O grupo investigado cobrava até R$ 500 mil para fraudar concursos públicos no país.
Segundo o MPF (Ministério Público Federal), a fraude envolvia acesso antecipado a provas, uso de ponto eletrônico para recebimento de respostas e utilização de documentos falsos para que outra pessoa, mais bem preparada, fizesse o certame no lugar do candidato. Na semana passada, durante a operação Última Fase, foram presas três pessoas.
Relatório da PF aponta o ex-policial militar Wanderlan Limeira de Sousa como um dos líderes do esquema por ter ligação com praticamente todos os nomes apresentados no inquérito. A Folha procura o escritório responsável pela defesa do suspeito. O advogado que o acompanhou durante audiência de custódia ainda não tem certeza de que vá continuar no caso e preferiu não passar o contato direto.
Wanderlan, um irmão e uma sobrinha foram aprovados para o cargo de AFT (Auditor-Fiscal do Trabalho) na edição passada do CNU, com salário inicial de R$ 22.921,71. Mais seis candidatos aprovados na fase inicial do concurso também foram incluídos na investigação da PF por apresentarem gabaritos idênticos aos da organização. Eles acertaram e erraram as mesmas questões.
Em nota, o Ministério da Gestão afirma cumprir determinações judiciais sobre o caso e colaborar com a Justiça e a Polícia Federal. A pasta aguarda desdobramentos da operação para adotar novas medidas em relação aos envolvidos, se necessário.
Larissa Neves, sobrinha de Wanderlan, fez prova em Patos, mesmo sendo moradora de São Paulo, de acordo com a PF. Com a apreensão do celular da suspeita, os investigadores identificaram conversas entre ela e o pai, Antônio Limeira das Neves, irmão de Wanderlan, nas quais discutiam o pagamento de R$ 500 mil pela obtenção do gabarito do CNU.
De acordo com o relatório da PF, os diálogos indicam que pai e filha tratavam da venda de imóveis para quitar o valor combinado com a organização. O relatório da PF indica ainda que Antônio utilizou peças de ouro e um veículo como parte do pagamento.
A Folha tentou contatar as defesas de Larissa e Antônio por meio da DPU (Defensoria Pública da União) da Paraíba e não obteve retorno até a publicação dessa reportagem.
As conversas pelo celular indicam que, antes das 8h do dia 18 de agosto de 2024, quando foram aplicadas as provas, Larissa já tinha acesso a todas as respostas do turno da manhã, que teve início às 9h. Às 11h39 ela recebeu as respostas da prova do turno da tarde, que seriam iniciadas às 14h30.
Além disso, Larissa também recebeu um texto pronto para a redação, cujo tema era correspondente ao solicitado na prova. “Grande para caramba”, ela responde ao ver o tamanho do texto.
No dia 20 de agosto, data da divulgação do gabarito, uma troca de mensagem entre pai e filha indica que ela teria errado apenas cinco questões do concurso. Os diálogos indicam que, no dia seguinte, Larissa pede informações ao pai sobre a realização de um curso de formação, última etapa para contratação no setor público.
Este curso é uma segunda etapa da seleção para alguns dos cargos no concurso e inclui duas provas, cuja aprovação é obrigatória. As mensagens indicam que a candidata não tinha completo conhecimento sobre essa exigência.
Outro elemento que chamou a atenção da PF foi a aprovação de Luiz Paulo Silva dos Santos, também suspeito de participar de fraudes em mais de 67 concursos públicos. Segundo a investigação, ele e Wanderlan teriam feito a prova apenas para mostrar para seus clientes que a fraude era possível. Os dois não participaram do curso de formação, apesar de terem sido aprovados para AFT.
A defesa de Luiz Paulo Silva dos Santos não foi localizada.
Thyago José Andrade também é um dos investigados, apontado como um dos líderes do esquema, atuando na operacionalização da fraude. Nas mensagens, Antonio pede o auxílio de Thyago para que a filha fosse aprovada nas duas provas objetivas do curso de formação. Obteve a resposta de que as resoluções das questões seriam “repassadas no banheiro”.
Há também conversas entre os dois acertando fraudes em outros concursos. Em uma conversa de maio deste ano, por exemplo, ambos combinaram a inscrição de Antônio Limeira para um concurso de delegado da PF em que outra pessoa faria a prova em seu lugar.
Em nota, a defesa técnica de Thyago José diz ter certeza da inocência e dos equívocos neste processo e afirma que, em momento oportuno, irá provar toda inocência do investigado.
Entre os investigados está ainda Ariosvaldo Lucena de Sousa Júnior, policial militar no Rio Grande do Norte e dono de uma clínica odontológica em Patos. Segundo a PF, ele teria sido beneficiado pelo esquema no CNU e também atuado como intermediário na venda de gabaritos. A Justiça Federal determinou busca e apreensão em seu endereço e medidas cautelares diversas da prisão.
A perícia da PF, no entanto, não encontrou nas mídias e contas digitais de Ariosvaldo elementos que comprovem diretamente sua participação.
Em nota, a defesa de Ariosvaldo, por meio do escritório Maikon Minervino Advocacia Especializada, diz que as supostas acusações não condizem com a realidade e que “as imputações são meros indícios”.
VENDA DOS GABARITOS
A Polícia Federal apontou que era comum a compra e venda de veículos por parte de Wanderlan, prática que, segundo os investigadores, servia como meio de pagamento pelos gabaritos repassados aos candidatos beneficiados.
No caso do CNU, a análise do celular de Valmir Limeira de Souza (outro irmão de Wanderlan), um dos aprovados para o cargo de auditor fiscal do trabalho, revelou que ele não demonstrava conhecimento sobre o concurso para o qual foi aprovado. De acordo com o relatório da PF, todas as orientações eram passadas por Wanderlan, incluindo informações básicas sobre o certame.
Os agentes destacam ainda que não foram encontrados registros de estudos, dúvidas sobre conteúdo ou troca de mensagens relacionadas às matérias do concurso, o que reforça a suspeita de que a aprovação não teria sido obtida de forma legítima.
JUSTIÇA AUTORIZA PRISÕES
Foram cumpridos também 12 mandados de busca e apreensão e medidas cautelares de afastamento de aprovados que ingressaram no serviço público por meio de fraude. Os mandados foram cumpridos na Paraíba, em Pernambuco e em Alagoas.
Além do CNU, a organização é apontada como responsável pela realização de fraudes para a Caixa Econômica Federal, polícias civis, Polícia Federal e até mesmo no exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Os investigados devem responder pelos crimes de fraude em concurso de interesse público, participação em organização criminosa, lavagem de dinheiro e falsificação de documento público.