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Brasil

Explosão da frota de motocicletas no Brasil acende alerta para saúde pública

Com 28 milhões de motos, o Brasil teve aumento de 55% nas internações por acidentes em 10 anos, com custo anual de R$ 258 milhões ao SUS

Afonso Ventania

17/06/2025 5h00

Atualizada 16/06/2025 20h35

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Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

O uso de motocicletas tem crescido de forma acelerada no Brasil, impulsionado pela busca por economia, agilidade e pela expansão do setor de entregas. No entanto, esse aumento expressivo da frota nacional também revela uma face preocupante: o crescimento simultâneo de internações e mortes causadas por sinistros envolvendo motociclistas que tem sido considerado uma epidemia pelo governo federal.

Dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), analisados pela Associação Brasileira de Medicina do Tráfego do RS (Abramet/RS), mostram que, em dezembro de 2024, o Brasil alcançou a marca de 28,2 milhões de motocicletas registradas, um crescimento de 5,07% em relação ao ano anterior, quando a frota era de 26,9 milhões. A Região Sudeste concentra a maior parte dessas motos, com 10,7 milhões de unidades, sendo o Estado de São Paulo o líder nacional com 5,76 milhões.

De acordo com o Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF), a frota de motocicletas em circulação na capital federal atualmente é de 279.058 veículos, o que representa 13,29% da frota total. Os números refletem a tendência nacional de aumento constante nos registros, especialmente nas grandes cidades.

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Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Entre janeiro e abril de 2025, 27 motociclistas perderam a vida nas vias que cortam o Distrito Federal, segundo o Detran-DF. No Hospital de Base, um dos principais centros de traumas da capital, chegam, em média, seis condutores feridos por dia. Em 2024, foram 2.093 atendimentos a motociclistas. Só até maio deste ano, já foram 675.

O crescimento acelerado da frota nacional é acompanhado por um dado alarmante: o aumento das internações hospitalares causadas por sinistros com motocicletas. Segundo Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, publicado em 2023, a taxa de internações de motociclistas por lesões no trânsito aumentou 55% entre 2011 e 2021. Em 2024, aproximadamente 165 mil motociclistas deram entrada na rede pública de saúde e conveniados, com um custo de quase R$ 258 milhões ao Sistema Único de Saúde (SUS), segundo o DataSUS, sistema de informática do Ministério da Saúde.

O documento do governo federal avalia ainda que os fatores de riscos relacionados às lesões dos motociclistas envolvem os usuários, o ambiente viário, os veículos e fatores estruturantes. Em relação às três primeiras causas estão, entre outros: direção sob efeito de álcool, alta velocidade, inexperiências dos motociclistas, desenho das vias, condições do pavimento e a falta inerente de proteção e de equipamentos de segurança das motos.

O que mais chama a atenção na avaliação técnica, no entanto, é a transparência sobre os fatores estruturantes apontados como co-responsáveis por causar as internações e mortes de tantos brasileiros. Afinal, registra de maneira contundente e inegável a fragilidade das políticas públicas adotadas nos últimos anos em relação ao trânsito e à mobilidade urbana em todo o país.

Ainda de acordo com o boletim epidemiológico, a situação se agravou após a pandemia em 2020, devido a crises estruturais do transporte público, demandas por serviços de tele-entregas, em sistemas de trabalhos precarizados e sem nenhuma garantia ou direito ao trabalhador, somada às vantagens que estes veículos apresentam, do ponto de vista individual (tráfego fácil, estacionamento, baixos custos de aquisição e manutenção).

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Alessandro da Conceição, 32 anos, entrou no ramo de entregas como motoboy durante a pandemia. Conhecido como “Sorriso”, ele é atualmente o presidente da Associação dos Motofretistas Autônomos e Entregadores de Aplicativo do Distrito Federal e Entorno (Amae-DF) e considera o alto índice de sinistros no trânsito envolvendo motociclistas como uma epidemia. Segundo o profissional, há cerca de 30 mil de trabalhadores da categoria atuando no DF e Entorno e, por isso, é importante defender os direitos da classe, sobretudo em relação à segurança e às condições de trabalho.

“Os números assustam e trabalhamos com medo o tempo todo. Já saímos de casa sem saber se voltamos para casa. Temos reparados que os acidentes têm impactado a saúde física e mental dos trabalhadores. Precisamos de cursos de capacitação, de equipamentos de proteção e de regulamentação por que existe muita pressão por parte das plataformas de aplicativos com relação ao tempo de coleta e entrega e isso, certamente contribui para o aumento de acidentes”, diz.

Alessandro, que é casado e pai de duas filhas pequenas, lembra que a classe dos motociclistas e motofretistas tem reivindicado no Congresso Nacional o reajuste da taxa mínima para oferecer mais dignidade aos trabalhadores. “Há anos que a taxa mínima não é reajustada e as empresas de aplicativos não atenderam nossa reivindicação mesmo após realizarmos paralisações nacionais. Então, decidimos transformar essa pauta em projeto de lei na Câmara dos Deputados para, através de uma lei federal, termos um piso salarial para a categoria”, conta.

Políticas públicas e desafios

Para o presidente da Abramet RS, Ricardo Hegele, o cenário reforça a urgência de políticas públicas mais eficazes. “A educação no trânsito e a fiscalização são essenciais para reduzir os índices de sinistros de trânsito envolvendo esse meio de transporte, que se tornou indispensável para milhões de brasileiros, seja como meio de deslocamento para inúmeras atividades diárias, quanto como uma importante ferramenta de trabalho para os profissionais que realizam entregas pelo país afora”, destaca.

Atualmente, de acordo com o Ministério da Saúde, as políticas tradicionais de segurança viária – baseadas em engenharia de tráfego, fiscalização e educação – não têm sido suficientes para conter a escalada dos sinistros. Experiências internacionais, como a Visão Zero, da Suécia, e o Programa Vida no Trânsito, do Ministério da Saúde, propõem abordagens mais integradas, com base em evidências e participação multissetorial.

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O Plano Nacional de Redução da Mortalidade de Motociclistas (2021-2030), parte do Plano de Ações Estratégicas para Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DANT), estabeleceu a meta de reduzir em 50% a mortalidade de motociclistas até 2030. Mas, diante da atual conjuntura, o cumprimento dessa meta parece cada vez mais desafiador, revela o documento.

Com o objetivo de reafirmar o “Compromisso com a Vida”, tema da 4ª Conferência Ministerial Global sobre Segurança no Trânsito, realizada em fevereiro deste ano, a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) assinou a Declaração de Marraquexe, elaborada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Governo de Marrocos. O evento reuniu líderes políticos e especialistas globais em segurança viária para discutir ações que contribuam para a redução de 50% das mortes por sinistros de trânsito até 2030.

Segundo o levantamento da OMS, sinistros de trânsito matam quase 1,2 milhão de pessoas a cada ano, o que representa cerca de 3.200 óbitos por dia. O trânsito também é apontado como a principal causa de morte entre crianças e jovens, de 5 a 29 anos. 

Perfil das vítimas

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O perfil das vítimas, segundo o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, é majoritariamente masculino (88,1% dos mortos e 82,6% dos internados), jovens com idades entre 20 e 29 anos, de baixa escolaridade, negros (64,9%) e solteiros. A via pública é apontada como o principal local de ocorrência dos óbitos (49,5%). O risco relativo de morte para homens motociclistas é 7,4 vezes maior que para as mulheres.

Estados como Piauí, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão lideram as estatísticas de mortalidade por 100 mil habitantes, com taxas muito superiores à média nacional, que é de 5,7 mortes por 100 mil habitantes. Em contrapartida, Rio de Janeiro e o Distrito Federal registram os menores índices de mortalidade, já o Rio Grande do Sul e Amazonas, as menores taxas de internação.

Lucas Henrique Lopes Santos, 21 anos, está entre o perfil das vítimas tabuladas nas estatísticas. Jovem e solteiro, ele encontrou na motocicleta sua fonte de renda. Há dois anos, ele desliza sobre duas rodas pelas vias do DF entregando encomendas e refeições para as famílias sem saber se volta para sua própria. “Tenho medo de não voltar para casa no fim do dia. Peço para que os motoristas sejam mais prudentes e nos respeitem. Assim como os motoboys também respeitem as leis e os motoristas”, diz o rapaz que mora com o pai e dois irmãos.

Um problema de saúde pública

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Foto: Divulgação/CBMDF

Além do impacto direto nas famílias e na economia – como a perda de produtividade das vítimas (41,2% do custo total dos acidentes) e os custos com a previdência –, o aumento de sinistros com motocicletas é hoje uma questão de saúde pública urgente. O custo estimado com sinistros de trânsito no Brasil já chega a R$ 50 bilhões por ano, sendo as motocicletas responsáveis por uma parcela significativa desse montante. A maior parte deste custo relativo, segundo o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, é da perda de produção das vítimas seguido pelos custos hospitalares.

Os motociclistas são envolvidos em lesões de trânsito com consequências mais graves. Além dos custos hospitalares, o maior valor estimado é referente à perda de produção das pessoas (41,2%), causando o empobrecimento das famílias e em caso de morte, os custos recaem sobre a previdência social.

O crescimento expressivo da frota nacional exige, na mesma proporção, medidas firmes, coordenadas e contínuas para garantir que a mobilidade sobre duas rodas não continue sendo sinônimo de risco à vida.

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