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Brasil

Especialistas criticam operação no Rio por não atacar estrutura do tráfico e por deixar população desprotegida

Para especialistas ouvidos pela reportagem ela falhou por não atacar as estruturas do tráfico de drogas e por deixar população desprotegida.

Redação Jornal de Brasília

29/10/2025 0h02

ação policial no rio de janeiro

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

ISABELLA MENON
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

A Operação Contenção, que deixou ao menos 64 mortos no Rio de Janeiro e se tornou a mais letal da história fluminense, reacendeu o debate sobre a letalidade das forças de segurança e o poder crescente das facções criminosas no estado -o Comando Vermelho foi o principal alvo da ação.


Para especialistas ouvidos pela reportagem ela falhou por não atacar as estruturas do tráfico de drogas e por deixar população desprotegida.


Institutos que atuam na área de segurança pública e pesquisadores do tema alertam para o risco de repetir uma política baseada em confrontos e mortes. Ao mesmo tempo, reconhecem que o episódio expôs a força bélica e a capacidade de reação do crime organizado no estado.


Em geral, o resultado é criticado por especialistas. “Não pode ser nunca considerado uma situação próxima da normalidade uma operação em que 64 pessoas são mortas”, diz Leandro Silva, à frente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de São Paulo.


Para ele, ainda é necessário cautela para que autoridades esclareçam qual foi o nível de evidências coletadas, o planejamento feito para realizar uma operação desse tipo e qual tipo de análise de risco foi realizada. Também é preciso avaliar se havia previsão de que a operação pudesse gerar uma quantidade tão grande de mortes.


Silva afirma que o estado do Rio de Janeiro, isoladamente, não é capaz de lidar com o controle territorial das facções criminosas. “É urgente um plano que envolva o governo federal de forma regular para desbaratar essas organizações. Sem isso, o Estado não consegue retomar o domínio territorial, que hoje é disputado a bala de fuzil e granadas lançadas por drones.”


Ex-policial federal e doutorando do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Roberto Uchôa concorda que a presença do governo federal é necessária e afirma que a operação demonstrou, pela primeira vez, que o Comando Vermelho já utiliza métodos semelhantes aos de outras organizações internacionais, como drones para lançar granadas. “Antes, o drone já era usado para monitorar as entradas [das favelas].”


“O Rio já mostrou que não tem capacidade de enfrentar isso sozinho. Estamos falando de um estado com instituições e poderes com infiltração. É preciso enfrentar isso, mas não é entrando na comunidade trocando tiros”, acrescenta.


O especialista ressalta que o principal problema do Brasil não é o tráfico de cocaína, mas o tráfico de armas de fogo. “O combate precisa ser liderado pelo governo federal em conjunto com os estaduais. As armas entram pelas fronteiras, em aeroportos e por via marítima. Ao evitar que elas cheguem, começamos a pensar em retomar as áreas hoje controladas pela facção.”


Uchôa diz que este tipo de operação não é novidade no estado. “Esses agentes vão ficar lá? Não vão. Eles vão sair. Quem vai ficar? Os criminosos. Alguém tem dúvida de que eles terão dificuldade para repor o armamento? O Rio de Janeiro segue a mesma receita que nada muda. Vemos isso há décadas e não vemos melhoria na vida das pessoas.”


O Instituto Fogo Cruzado apontou que ao longo do dia, grande parte da população carioca ficou na linha de tiro e que a cidade ficou praticamente parada. “Operações como essa mostram a incapacidade do governo estadual de implementar políticas públicas de segurança e são o legado de décadas de negligência, tanto de governos estaduais quanto federais”, afirma a ONG.


A organização compara que o número de mortes em apenas um dia supera o registrado entre 1º e 27 de outubro -período em que ocorreram 63 homicídios. “O custo real da operação jamais será medido”, diz o instituto.


O instituto disse também que o combate ao crime organizado deveria atacar fluxos financeiros, investigar lavagem de dinheiro, fortalecer corregedorias independentes e combater a corrupção dentro do Estado. “Tudo que o Rio de Janeiro não faz há décadas.”


A professora do curso de graduação em segurança pública da UFF (Universidade Federal Fluminense) Jacqueline Muniz classifica a ação como “desastrosa e incompetente”. Para ela, a dimensão da letalidade e o impacto sobre a população “revelam mais um episódio de política de espetáculo do que uma política efetiva de segurança”.


Segundo a especialista, operações como essa “mobilizam 2.500 policiais numa região com 200 mil habitantes”, deixando moradores sem policiamento e serviços básicos. A professora lembra que a doutrina policial idealiza o conceito de “baixa zero” -sem vitimização nem letalidade- e considera que o resultado da operação merece “nota zero”.


Ela alerta ainda que ações desse tipo não enfraquecem as facções. “É uma mão de obra facilmente substituível, precarizada”, diz, acrescentando que ao eliminar pessoas de baixo escalão, a polícia perde elementos que poderiam contribuir com investigações. “Supondo que os 60 sejam suspeitos, estão eliminando a fonte de informações da investigação, da inteligência. Como saber o funcionamento do crime se você mata os funcionários que cuidam da ‘firma’?”


A crítica é reforçada por Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, que classificou a operação como uma “tragédia sob todos os enfoques”. Segundo ela, ações de ocupação territorial não atacam a cadeia produtiva do tráfico nem rompem o fluxo de drogas e armas, resultando em vítimas inocentes, fechamento de escolas e unidades de saúde e risco à vida de policiais.


“Essa operação é uma tragédia porque ela mostra a dimensão do poderio bélico do crime organizado no Rio de Janeiro e no Brasil. As imagens que a gente viu pela TV são imagens brutais. A quantidade de armamento, a quantidade de trocas de tiros com armas de uso militar, com uso de mostram a gravidade da situação. E claro, o Estado não pode ficar refém desses grupos. Mais uma vez, operações como essa não são suficientes para vencer o poderio bélico do crime organizado.”

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