Menu
Brasil

Ensino profissionalizante vira alternativa ao unir conhecimento e oportunidade: ‘Mudança cultural’

Redação Jornal de Brasília

30/10/2025 6h41

ensino profissionalizante

Marcelo Camargo / AFP

Ampliar o alcance da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) no Brasil exige mais do que abrir vagas. É preciso dar sentido e prestígio a essa formação em uma mudança cultural que vire a chave em relação ao velho preconceito de que o ensino técnico é “inferior” ao universitário. Investir na formação de professores de ensino técnico e melhorar a estrutura das escolas são outros caminhos para atrair mais jovens para o ensino profissionalizante.

Especialistas em educação defendem que o ensino técnico seja visto não como um “plano B”, mas como um caminho legítimo de realização e pertencimento. Para eles, o desafio é reposicionar o ensino profissionalizante como uma alternativa moderna, capaz de unir conhecimento prático, propósito e oportunidades reais de crescimento.

“Infelizmente ainda é preciso vencer certo preconceito, como se o ensino técnico fosse destinado a determinadas classes sociais”, afirma Claudia Costin, especialista em políticas educacionais e ex-diretora global de Educação do Banco Mundial.

Essa virada de percepção é fundamental, reforça Vanessa Terra, coordenadora de projetos da consultoria Vozes da Educação. “O futuro da EPT no Brasil passa por consolidar essa mudança cultural, em que técnico e universitário deixam de ser caminhos opostos para se tornarem complementares”, diz.

Para ela, o primeiro passo é mudar a narrativa: “É preciso comunicar que a formação técnica não é um atalho, mas uma trajetória legítima”.

Campanhas públicas e histórias reais de jovens técnicos bem-sucedidos podem ajudar a construir esse novo olhar.

A aproximação entre escola e mercado de trabalho também é parte essencial dessa transformação. Parcerias entre redes de ensino, empresas e institutos de pesquisa podem atualizar currículos, oferecer estágios reais e conectar o aprendizado às demandas regionais e globais. Nesse sentido, a EPT pode dialogar com os grandes temas atuais, como as emergências climáticas — ensinando sustentabilidade na agropecuária, construções seguras na infraestrutura e eficiência energética na eletrônica.

Cada curso, em sua área, pode contribuir com soluções específicas para os desafios globais. Na agropecuária, é possível abordar práticas sustentáveis e o uso racional da água. Na infraestrutura, pensar em construções mais seguras e resilientes. Na eletrônica e na energia, investir em fontes renováveis e eficiência energética. Se o currículo incorporar essas discussões, o estudante poderá entender que o conhecimento técnico é uma ferramenta de transformação social, capaz de responder a problemas reais e de gerar impacto positivo no território em que vive.

“Inovação não pode ser modismo. É uma missão dos cursos técnicos”, avalia Maycon Geres, vice-presidente do Centro Paula Souza, responsável por 228 Escolas Técnicas (Etecs) em todo o Estado de São Paulo.

Essa é a mesma visão de empresários do setor, como Glaucio Athayde, CEO do Instituto Gourmet, rede de escolas de cursos profissionalizantes em gastronomia confeitaria presente em 18 estados.

“Precisamos modernizar a experiência de aprendizado. Ambientes mais tecnológicos, metodologias ativas e professores com vivência real de mercado tornam a sala de aula mais atrativa e significativa. O jovem quer se ver no futuro e cabe às instituições mostrar que esse futuro começa na prática, dentro da escola”, diz o empresário.

O professor Maycon Geres lembra ainda que os resultados concretos também ajudam a formar o prestígio da EPT: 77% dos egressos das Etecs estão empregados até um ano após a formatura, o que significa que três em cada quatro alunos encontram colocação rapidamente.

Os números reforçam o peso dessa formação no ensino médio técnico de forma geral: a taxa de desemprego entre quem tem ensino técnico é, em média, de 7,2%, contra 10,2% entre os que concluíram apenas o ensino médio.

Ensino técnico é diferente do ensino tradicional

Outro ponto sensível para o avanço do ensino técnico é a docência. As redes públicas enfrentam dificuldades para atrair profissionais das áreas técnicas para a sala de aula, tanto pela falta de formação pedagógica específica quanto pela pouca atratividade da carreira. Sem professores preparados e valorizados, a expansão perde força e o ensino técnico corre o risco de se distanciar da prática e da inovação.

“Em muitas escolas, os professores ainda assinam contratos temporários, o que aumenta o turnover dos docentes”, observa Fernanda Yamamoto, coordenadora de Ensino Médio Técnico, Pesquisa e Inovação de EPT do Senac-SP. “A valorização do professor é fundamental”.

A Secretaria da Educação de São Paulo abriu um processo seletivo simplificado com 5 mil vagas para professores do Ensino Médio Técnico com diplomas de cursos de bacharelado, tecnólogos e licenciados ou especialistas com experiência comprovada no mercado para atuar como docentes nos cursos do itinerário de formação técnico e profissional no ano de 2026.

Mas valorizar o profissional não basta. É preciso também cuidar do espaço onde ele ensina. Laboratórios equipados, oficinas atualizadas e programas de capacitação importantes numa escola técnica moderna. Experiências bem-sucedidas, como as dos Institutos Federais e das Escolas Técnicas Estaduais (Etecs), mostram que, quando há estrutura e vínculo com o setor produtivo, o ensino técnico ganha relevância imediata e se transforma em laboratório de inovação.

Ainda assim, as desigualdades regionais limitam o acesso à formação profissional em várias partes do País. A infraestrutura das escolas e laboratórios é desigual, e o esforço de expansão nem sempre vem acompanhado da mesma atenção à qualidade.

Na tentativa de minimizar desigualdades regionais, especialistas concordam: políticas públicas consistentes são o motor para consolidar a educação profissionalizante. Programas de incentivo financeiro, bolsas de estudo e uma integração efetiva com o novo ensino médio podem ampliar o acesso e garantir a permanência dos alunos.

Um exemplo considerado “positivo” por Claudia Costin é o Programa de Expansão da Educação Nacional de Qualidade (Propag), que autoriza os Estados a destinar parte dos recursos de suas dívidas com a União ao ensino técnico — valores que podem chegar a R$ 12 bilhões.

Contribuição para aumento do PIB

Além do impacto social, o ensino técnico pode impulsionar a economia nacional. Segundo o estudo “Potenciais efeitos macroeconômicos com expansão da oferta pública de ensino médio técnico no Brasil”, realizado pelo Itaú Educação e Trabalho, triplicar o acesso ao ensino técnico poderia elevar o PIB brasileiro em até 2,32%. O ganho viria da maior empregabilidade e produtividade dos trabalhadores formados nessa modalidade.

“O poder público, o setor produtivo e a sociedade em geral precisam valorizar e investir na ampla oferta qualificada da EPT, modalidade que está alinhada com as tendências do mundo do trabalho”, afirma Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho.

De acordo com a pesquisa, quem conclui o ensino médio técnico ganha, em média, 32% a mais do que quem possui apenas o ensino médio tradicional.

Estadão Conteúdo

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado