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Brasil

Dicionário explica ‘ideologia de gênero’ e outros termos conservadores para leigos

Ali, a explicação sobre o alargamento de sentido da palavra se junta a outras, sobre expressões e termos que passaram a circular no Brasil

FolhaPress

08/05/2022 12h53

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João Perassolo
São Paulo, SP

Segundo a definição do dicionário, patriota é alguém que ama e serve seu país. Mas no Brasil do governo Bolsonaro, esta definição passou também a designar quem ameaça instituições democráticas, pede o fechamento do Supremo Tribunal Federal e clama por intervenção militar, diz um pequeno dicionário ilustrado lançado agora.

Ali, a explicação sobre o alargamento de sentido da palavra se junta a outras, sobre expressões e termos que passaram a circular no Brasil e fora dele na última década na esteira da ascensão da direita ao poder, usados quase sempre de forma acusatória.

Intitulado “Termos Ambíguos do Debate Político Atual: Pequeno Dicionário que Você Não Sabia que Existia”, a publicação é uma parceria da sociedade civil com pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ, desenvolvida ao longo do último ano e apresentada em duas versões com downloads gratuitos -uma voltada a quem tem ensino superior e outra, simplificada, de leitura mais fácil, destinada a quem está no ensino médio.

O dicionário tem um viés progressista. Mas os pesquisadores afirmam terem levado os termos a sério, como fenômenos a serem estudados, na tentativa de estabelecer um diálogo com pessoas que usam essas expressões no dia a dia, e não excluí-las do debate.

Ideologia de gênero, politicamente correto, marxismo cultural, cristofobia e racismo reverso são outros verbetes explorados, em textos que contam a história de como surgiram e evoluíram no tempo e a maneira como penetraram no debate público.

Ideologia de gênero, por exemplo, chegou ao Brasil ao ser citado por um deputado do Prona, o Partido de Reedificação da Ordem Nacional, em 2003, antes de ser adotado por uma ala evangélica mais radical e então usado mais tarde para atacar as discussões sobre gênero nas escolas.

“Essas categorias acusatórias são parte do repertório político e ideológico da direita, elas não são facilmente descartáveis, são parte de um programa”, afirma Sonia Corrêa, uma das organizadoras do volume, acrescentando que os termos são muito empregados pelo atual governo brasileiro.

Segundo ela, que é especialista em gênero e sexualidade e pesquisa o tema desde os anos 1980, o léxico do que chama de “revolução conservadora” é uma invenção muito sofisticada, servindo como instrumento de mobilização de sentimentos, de medos, de afetos, para incitar o conservadorismo na sociedade.

Para o linguista Rodrigo Borba, outro dos organizadores, a estratégia da direita é capturar palavras e torná-las deles, fazendo os novos sentidos que imprimem em um termo circularem mais facilmente.

“Hoje muita gente hoje não quer se dizer patriota, porque não se identifica com essas pessoas que estão lá querendo derrubar o STJ”, diz, em referência ao Superior Tribunal de Justiça.

Segundo Borba, o léxico conservador é esquemático, reproduzido com pouco questionamento pela imprensa e às vezes até mal compreendido por políticos.

O linguista lembra ainda que as palavras escolhidas pela direita são sempre consagradas, já sedimentadas na linguagem e dotadas de certa autoridade social. Além disso, os discursos de personalidades como a do próprio Bolsonaro têm alta legibilidade, ou seja, são facilmente compreensíveis.

Quando candidato, o ex-capitão foi um dos grandes responsáveis por pôr alguns dos termos citados no dicionário ilustrado em circulação, nas eleições de 2018, momento que os pesquisadores consideram chave para a explosão do léxico dos conservadores. Este, aliás, deve voltar com força no pleito deste ano.

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