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Brasil

Descriminalização do aborto pode avançar lentamente, mas retaliação deve vir a galope

A justificativa para a demora na decisão é a mesma que leva o Judiciário a se mostrar uma vez mais a via preferencial para a descriminalização

Redação Jornal de Brasília

19/10/2025 9h05

Foto: Magda Gibelli / AFP

ANGELA BOLDRINI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O voto de Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), a favor da descriminalização do aborto mostra que o afrouxamento das regras de interrupção da gravidez pode avançar no Brasil, lentamente -mas a história tende a demonstrar que a retaliação costuma vir a galope.

Barroso votou na noite de sexta-feira (17) na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 442, proposta pelo PSOL em 2017, que retira a criminalização sobre os abortos realizados até a 12ª semana de gestação.

Faltavam apenas quatro horas para o fim de seu ciclo como ministro do STF quando ele depositou o voto, pronto havia meses. Barroso era o ministro mais abertamente favorável à descriminalização do aborto na atual composição do tribunal, mais explícito no tema do que Rosa Weber, que também deixou a ação sobre aborto como ato final de sua presença no Supremo, em 2023.

A hesitação de Rosa e, principalmente, de Barroso para votar pela descriminalização da prática mostra que qualquer mudança liberal na lei virá lentamente. De aposentadoria em aposentadoria, brincam algumas nos movimentos feministas, que passaram os últimos dois anos fazendo contagem de votos e pressionando Barroso para que ele pautasse a ação.

A justificativa para a demora na decisão é a mesma que leva o Judiciário a se mostrar uma vez mais a via preferencial para a descriminalização. Barroso vinha repetindo que a sociedade não estava pronta para discutir o tema. É verdade que 42% dos brasileiros defendem que a lei permaneça a mesma, segundo Datafolha de 2024. Ao mesmo tempo, a Pesquisa Nacional de Aborto de 2021 mostra que uma em cada 7 mulheres no país já fez um aborto.

O Judiciário, menos sensível às pressões externas por sua natureza não eleitoral, tem sido protagonista da “onda verde” latino-americana. Entre os países próximos que mexeram em suas leis sobre o procedimento, só a Argentina o fez pela via legislativa. Uruguai, Colômbia e México recorreram a suas cortes superiores.

No Brasil, qualquer mudança que o atual Congresso vier a fazer será para endurecer a legislação. Tentativas nesse sentido continuam avançando, como mostrou a Folha de S.Paulo nesta semana, após a CDH (Comissão de Direitos Humanos) do Senado aprovar um projeto que criminaliza o aborto acima de 22 semanas de gestação até em casos de estupro e anencefalia.

O governo petista, que no passado chegou a tomar a frente em discussões sobre aborto, hoje enxerga qualquer discussão sobre aborto -inclusive sobre os casos já previstos na lei- como radioativa.

O voto de Barroso é uma vitória incontestável para o movimento feminista. Mas ainda há um longo caminho pela frente, e os sinais enviados pelo resto do STF desde a sexta-feira não apontam para uma resolução rápida. Além de votar na ADPF 442, Barroso também deu uma decisão liminar permitindo que enfermeiros auxiliem no aborto legal, no âmbito de outra ação. No sábado (18), oito de seus colegas -de um total de 10, considerado que ele já tinha votado- já haviam votado para derrubá-la.

No Congresso, a história mostra que a resposta virá, e rápido. Em 2024, quando o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a resolução do CFM, os deputados rapidamente pautaram o projeto de lei que proibia totalmente o aborto acima de 22 semanas.

Nos anos 2000, a criação de uma comissão tripartite proposta pelo governo Lula para mudar a lei culminou no surgimento da bancada anti-aborto e no Estatuto do Nascituro. Se o costume se repetir, o voto e as decisões de Barroso devem alavancar um novo capítulo do cabo de guerra sobre os direitos reprodutivos no Brasil em breve.

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