DIEGO FELIX
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Considerado crime no Brasil desde 2021, o stalking (perseguição) nas empresas tem feito crescer o número de funcionários que procuram o Judiciário para se protegerem de colegas de trabalho.
Dados do TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região) mostram que, de janeiro a maio deste ano, mais de 8.156 casos envolvendo assédio no trabalho foram julgados nos tribunais de São Paulo. No mesmo período de 2024, foram 7.452 -até dezembro foram 18.724 processos analisados.
O TRT ainda não classifica em sua base de dados os crimes de stalking. Segundo o órgão, quando os advogados cadastram um processo, eles selecionam os assuntos principais que estão relacionados à petição, porém a categorização abarca temas mais amplos.
Processos cadastrados como “assédio moral”, afirma o TRT-2, englobam todos os temas, incluindo abusos, situações vexatórias e outros tipos de conduta -entre elas, o stalking.
No ambiente laboral, os casos analisados pelos tribunais estão relacionados a intimidações que se iniciaram na empresa, geralmente com o cometimento de assédio, e cresceram a ponto de ameaçar a integridade e privacidade da vítima.
Os casos também podem enquadrar situações de perseguição por desavenças entre patrões contra seus empregados (ou vice e versa) ou pela não realização de tarefas estabelecidas, por exemplo. Essas relações de stalking não estão restritas a níveis hierárquicos e podem acontecer entre pessoas do mesmo cargo e função dentro de uma empresa.
“Nesses casos é muito comum o uso das redes sociais para o stalking, com a postagem de ameaças expressas ou veladas, envio de mensagens sequenciais e inoportunas por celular ou email, o uso reiterado de canais de denúncia de empresas para satisfazer o desejo de vingança, sabendo da inexistência dos fatos narrados”, afirma o advogado criminalista Pierpaolo Bottini.
Sócia da área penal do Bichara Advogados, Fernanda Casagrande afirma que os alvos mais vulneráveis são mulheres.
“Nos casos em que atuamos, o que a gente via era as pessoas mandando muitas mensagens nas redes sociais, querendo encontrar, telefonando para o trabalho da vítima e esperando a vítima ali, sem fazer uma ameaça verbal, mas a simples presença é crime de perseguição”, diz Casagrande.
Segundo a advogada, qualquer tipo de restrição na livre locomoção que perturbe a liberdade e privacidade é conduta relacionada a perturbação.
O crime de stalking considera uma pena inicial de reclusão 6 meses a 2 anos, além de multa e agravantes conforme o delito é cometido contra crianças, adolescentes, idosos ou em situações de violência contra a mulher.
A legislação absorve mudanças conforme os crimes vão passando por algum tipo de refinamento. Em abril, por exemplo, foi incluído na legislação um agravante para situações de violência psicológica contra mulheres utilizando inteligência artificial.
Mas há quem defenda que essas alterações não caminham em velocidade suficiente para os problemas causados pelos crimes digitais.
A advogada Fernanda Casagrande avalia que ainda é difícil delimitar onde se encerra o abuso e onde se inicia, de fato, o stalking, por isso o tipo penal precisa ser mais claro e abranger um volume maior de possibilidades para estabelecer o que é stalking.
Já Bottini avalia que o aperfeiçoamento dos tipos penais é importante, porém deve ser feito de forma cuidadosa, primeiro com o amadurecimento da regra, depois com a avaliação de mudanças.
Do lado das empresas ainda não existe um movimento de políticas internas que busquem a eliminação de casos envolvendo stalking. No geral, o que se vê são códigos de conduta e compliance que tentam impedir casos de assédio, como o treinamento de equipes para evitar que situações deste tipo aconteçam no ambiente corporativo.
“Não é algo que se fala muito nas empresas. O crime de stalking é sempre muito relacionado a uma perseguição da mulher, a um homem que não aceita o fim do relacionamento, e a gente ainda liga o stalking a isso, até porque o tipo penal nasceu dessas situações recorrentes. As empresas têm, sim, de adotar medidas para incrementar o ambiente de trabalho, para prevenir o assédio moral, mas trazer esse conhecimento de que uma conduta de perseguição a alguém do trabalho, não necessariamente às mulheres, pode se caracterizar numa conduta criminal, que pode vir, inclusive, a causar uma justa causa”, afirma Casagrande.
No exemplo específico do uso indiscriminado e com informações falsas dos canais de denúncia, é preciso maior rigor interno para diminuir a exposição de vítimas à humilhação, por exemplo.
“As empresas têm previsto nos regulamentos garantias para evitar o uso desvirtuado de denúncias inverídicas, mas isso não é suficiente, pois a perseguição também ocorre nas redes sociais e mensagens privadas, fora do controle da instituição. Por isso a relevância da criminalização”, diz Pierpaolo Bottini.
A legislação não prevê a responsabilização de empresas que, eventualmente, tenham sido negligentes no cuidado com profissionais que relataram ter sofrido algum tipo de perseguição. A Justiça do Trabalho, porém, pode aplicar sanções em casos envolvendo assédio moral.
“É preciso uma tomada de consciência das empresas de que a conduta do ambiente de trabalho, pode vir a configurar uma conduta criminal. Faz parte desse ambiente que todos cooperem para a integridade corporativa. Então, acho que as empresas podiam começar a olhar para isso com mais cuidado, dar treinamentos, abordar o tema de uma forma mais didática”, diz Casagrande.