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Brasil

Como o CV cresce com milícia esvaziada no Rio, conquista espaço na Amazônia e acirra disputa com PCC

O lucro dos criminosos, além do tráfico de drogas, inclui a extorsão de moradores, como na cobrança pelo serviço de internet

Redação Jornal de Brasília

31/10/2025 6h37

operação contenção.

Moradores protestam contra execuçoes na comunidade da Vila da PenhaOperação Contenção. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O Comando Vermelho, principal alvo da operação mais letal da história do Brasil, está em plena expansão. Nos últimos anos, a facção carioca tem avançado sobre territórios de grupos rivais – como as milícias, que perderam espaço no Rio de Janeiro. O lucro dos criminosos, além do tráfico de drogas, inclui a extorsão de moradores, como na cobrança pelo serviço de internet. A facção tem ainda expandido a atuação pelo País: o grupo é hegemônico na Amazônia, onde atua na importação de cocaína de Peru e Colômbia e se envolve até no garimpo ilegal.

Nesta semana, ao menos 121 pessoas, incluindo quatro policiais, foram mortas durante a Operação Contenção, enquanto 113 suspeitos foram presos e 90 fuzis, apreendidos pelos cerca de 2,5 mil policiais que avançaram pelos complexos do Alemão e da Penha.

Entre os principais alvos da operação de terça, estava Edgar Alves de Andrade, o “Doca ou Urso”, que continua foragido. Como mostrou o Estadão, ele desempenha papel de liderança do CV no Complexo da Penha e em outras comunidades da zona oeste do Rio, como Gardênia Azul, César Maia e Juramento.

Como o Estadão revelou, investigação do Ministério Público mostrou que o CV tem levado à frente, nos últimos anos, um “projeto expansionista” no Rio e concentra ofensivas na região de Jacarepaguá, na zona oeste. A Penha e o Alemão, na zona norte, servem de base principal para a facção. Doca é uma das lideranças por trás da execução desse plano.

Mapeamento feito pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), produzido em parceria com o Fogo Cruzado, aponta que em 2023 todos os grupos armados tiveram redução no domínio territorial na região metropolitana do Rio no último ano. A única exceção é o CV, que registrou aumento de 8,4%.

“Com isso, as milícias, que em 2021 e 2022 eram o grupo armado com o maior domínio territorial, foram ultrapassadas pelo Comando Vermelho que, em 2023, concentrou 51,9% dos territórios controlados por grupos armados”, aponta o relatório. Houve quedas expressivas na presença do Terceiro Comando Puro (TCP) e, principalmente, do Amigos dos Amigos (ADA), tidas como as duas facções rivais do CV.

Pesquisadores afirmam que o Comando Vermelho não desbancou o Primeiro Comando da Capital (PCC), facção paulista apontada como a maior do País, mas entendem como relevante o avanço recente do grupo carioca.

“O Comando Vermelho disputava uma dupla guerra: com o PCC, em nível nacional, e com as milícias no Estado do Rio. As duas frentes foram ampliadas”, afirma Daniel Hirata, pesquisador do Geni-UFF. “Não que o Comando Vermelho consiga fazer frente ao PCC ainda, mas tem se aproximado.”

Morte de miliciano ajuda a explicar expansão

Hirata afirma que, entre as causas, estão uma série de operações do Ministério Público do Estado do Rio que levaram à prisão de centenas de milicianos entre 2018 e 2020. Outro ponto importante foi a morte do miliciano mais procurado do Estado: Wellington da Silva Braga, o Ecko, baleado em operação policial em 2021.

Na ocasião, o governador Cláudio Castro (PL) disse que a operação foi um “golpe duro” nas organizações criminosas do Estado – o miliciano era fundador do Bonde do Ecko, sucessor da chamada Liga da Justiça.

“Isso enfraqueceu demais a maior milícia do Rio. O Comando Vermelho percebe isso como oportunidade para expandir”, afirma Hirata. “O Terceiro Comando Puro é um rival importante, sobretudo na zona norte e na Baixada Fluminense, mas ainda o grande rival no Rio de Janeiro são as milícias.”

Além da ofensiva em direção a Jacarepaguá, os conflitos armados com envolvimento da facção se espalha também por outras regiões. As semanas que antecederam a operação desta semana foram marcadas por sucessivos confrontos entre o CV e o TCP, com intensas trocas de tiros na zona norte do Rio.

“Houve territórios que o Comando Vermelho perdeu, mas, em geral, o CV tem tomado mais territórios do que perdido nos últimos dois anos”, afirma o pesquisador Ignácio Cano, da Universidade do Estado do Rio (Uerj).

Os números de integrantes são imprecisos, mas pesquisadores dizem que o CV criminosa tem forte capacidade de adaptação. Apontados como as principais lideranças, Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, e Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, estão presos no sistema federal, mas isso não impede o avanço contínuo da facção nas ruas.

Outro fenômeno observado é o enfoque não só no tráfico de drogas, mas em outras atividades. “Há serviços que eles fornecem e não deixam mais ninguém vender”, exemplifica Cano.

O monopólio do crime inclui, por exemplo, a extorsão de moradores pela cobrança do serviço de internet, em prática que tem sido alvo de investigações da Polícia Civil. Os bandidos expulsam as empresas que oferecem provedores tradicionais para que a comunidade seja obrigada a pagar pelo serviço próprio – e clandestino – da facção.

O gatonet também é imposto no Ceará -no município de Caridade, cabos de fibra ótica das empresas de internet foram cortados pela facção em março para pressionar provedores a pagar ‘pedágio’ para a continuidade dos serviços. A cidade de 16 mil habitantes ficou sem conexão.

Na mesma época, um veículo caracterizado e uma loja de atendimento ao cliente de duas provedoras de internet foram alvos de tiros em Caucaia, na Grande Fortaleza. Ao menos quatro cidades – incluindo a capital – registraram ações criminosas desse tipo.

Conforme a Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), esse tipo de atuação dos bandidos também ocorre no Pará.

Comando se aproxima do garimpo e amplia braços na Amazônia

A facção cresceu não só no Rio, como também ampliou suas articulações com grupos de outros Estados. Ao todo, 32 alvos da operação policial realizada nesta semana nos complexos da Penha e do Alemão são do Pará – ainda não está claro quantos deles foram presos ou mesmo mortos na incursão.

As investigações apontam que seriam nomes ligados ao CV que foram para o Rio para se esconder de crimes diversos e se tornaram atuantes no tráfico local. A operação das tropas fluminenses, inclusive, teve apoio da Polícia Civil paraense.

Para Leonardo Silva, pesquisador sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o fato de dezenas dos alvos serem do Pará demonstra ”capacidade de articulação e de domínio territorial” da facção, com destaque para a Amazônia.

“Compram a droga dos países produtores, de Peru, Bolívia e Colômbia, consolidam uma rota para trazer através de Norte e Nordeste, até fazer com que essa droga chegue nos grandes centros consumidores brasileiros e parte dessa droga seja exportada para diversos países”, afirma. Investigações apontam que o quilo da cocaína comprado a pouco mais de U$ 1 mil em países vizinhos pode chegar a cerca de U$ 60 mil na Europa.

O Comando é hegemônico no Norte, com forte atuação no Amazonas e no Pará e controle da rota do Rio Solimões. Isso se intensificou principalmente a partir de 2016, quando o PCC fez ofensiva no limite entre Paraguai e Mato Grosso do Sul, considerada a principal rota de cocaína do País, após a morte do traficante Jorge Rafaat, o “Rei da Fronteira”.

Em resposta, o CV concentrou sua atuação nas rotas da Amazônia, tornando-se a principal força criminosa na floresta. Hoje, a facção foca não só no tráfico transnacional de drogas, mas em práticas como o “narcogarimpo”, a mineração irregular ligada a traficantes de drogas – muitas vezes, a logística para diferentes tipos de atividades ilícitas é compartilhada.

Conforme relatório recente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o CV está em quase todos os Estados do Brasil. A forma de organização da facção, tida como menos hierárquica que o PCC, pode ter ajudado na ocupação territorial de regiões mais distantes dos grandes centros.

“A organização criminal adota estrutura relativamente autônoma nos Estados, onde cada facção fora do Rio que adere à sigla CV possui líderes locais e liberdade de atuação”, aponta o relatório da Abin.

No Norte, Roraima é o único Estado em que o PCC tem atuação mais relevante – isso sem contar cidades mais estratégicas para o tráfico fluvial, como Coari (AM) e em algumas cidades no Amapá, perto do Porto de Santana.

A presença da facção paulista em Roraima tem relação direta com o garimpo em regiões próximas, como na Guiana Francesa e no Suriname, destaca o pesquisador Rodrigo Chagas, da Universidade Federal de Roraima.

“Por outro lado, na fronteira do Peru e da Colômbia, é o contrário: parece que o Comando Vermelho amplia muito a presença”, diz. O pesquisador afirma que há relatos até de cobrança, por parte da facção, a garimpeiros da região, em espécie de “pedágio do crime”.

Estadão Conteúdo

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