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Brasil

Comando Vermelho amplia presença na Amazônia com drogas, garimpo e madeira, diz estudo

Redação Jornal de Brasília

19/11/2025 10h50

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Foto: Frame TV Brasil

LUCAS LACERDA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

A corrida pelo controle do tráfico de drogas, armas, minérios e madeira na Amazônia continua a ter o Comando Vermelho na dianteira, com presença em 286 cidades, ante 90 com atividade identificada do PCC (Primeiro Comando da Capital) e 71 com grupos locais. O CV aparece sozinho em 201 municípios, e o PCC, em 31.


Enquanto o CV viu sua expansão mais que dobrar de 2023 a 2025, a presença do PCC estacionou. Ao todo, 344 dos 773 municípios dos nove estados da Amazônia Legal convivem com facções criminosas, segundo nova edição do estudo Cartografias da Violência na Amazônia, produzido em parceria entre o Instituto Mãe Crioula e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgada nesta quarta-feira (19).


Segundo o relatório, há disputas em 81 municípios, com o alvo nas rotas de tráfico e na exploração de atividades como o garimpo e a extração de madeira, o que frequentemente tem impacto também em problemas como o desmatamento e a contaminação por mercúrio.


Mas o avanço do CV na Amazônia Legal não significa que a facção paulista esteja enfraquecida. O PCC tem investido em rotas aéreas e na internacionalização dos negócios, indicando preferência por discrição e adaptação à logística de outras atividades econômicas.


“Isso revela que se olharmos a rota caipira, que parte de Ponta Porã [MS], continua na mão do PCC e não há sinais de mudança. É uma rota que abastece cerca de 60% da cocaína no Brasil”, afirma o diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima.


O movimento do Comando Vermelho, então, a partir do rompimento entre as duas facções na década passada, foi se aliar à Família do Norte, depois dominada, segundo o especialista. “Já a estratégia do PCC foi controlar infraestrutura crítica, como portos e aeroportos, principalmente porque o PCC tem se transformado numa espécie de atacado para exportar para Europa, África e Ásia.” Além disso, o grupo surgido em SP também explora a exportação via Suriname e portos de Amapá e Pará.


As facções do Sudeste não são as únicas envolvidas na disputa contínua por território e poder. O Maranhão registrou aumento de 11,5% —o único na região— nas mortes violentas intencionais, indicador que soma homicídios, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e as mortes cometidas por policiais, na comparação de 2024 com 2023. Já a cidade de Santa Inês, no estado, é cortada por duas rodovias federais, a BR-316 e a BR-222, pela Estrada de Ferro Carajás e tem um aeroporto regional.


Os embates envolvem Bonde dos 40 e o Comando Vermelho pelo controle do tráfico de drogas local. O mesmo Bonde dos 40 também atua contra o PCC em outras área do Maranhão.


Já em Mato Grosso, a Tropa do Castelar, uma dissidência do CV, recebeu, em 2023, dinheiro e armamento do PCC para enfrentar o CV na região de Sorriso (MT), com o objetivo de assegurar o uso da rota de drogas oriundas da Bolívia para a facção paulista.


Entre as cidades com as piores taxas de violência, o estudo aponta características geográficas e logísticas cobiçadas por grupos criminosos. Em Vila Bela da Santíssima Trindade (MT), de apenas 16.774 habitantes em 2022, a proximidade com a Bolívia favorece o cruzamento da droga nas fronteiras.


E a chegada do CV, que passou a controlar os garimpos na região, inclusive na Terra Indígena Sararé, ocorreu junto do salto no número de mortes violentas intencionais, de 12 em 2022 para 42 no ano passado. Para Lima, o comando do garimpo por uma facção é a nova fronteira do crime organizado. “Há quase que um processo de consolidação de uma grande organização criminosa que regula o território, regula os mercados econômicos legais e ilegais, regula a vida das pessoas.”


O estudo volta a alertar sobre a participação das facções na exploração de recursos naturais, como ouro e madeira, que exigem a criação de uma cadeia de lavagem de dinheiro que, como apontado, também é feita fora do território nacional.


O ouro frequentemente é levado para a Colômbia, segundo o estudo, onde é comercializado como se tivesse origem legal, em processo que se chama de “esquentamento”. Isso quando não é usado como moeda na compra de pasta-base de cocaína.


Já a madeira também é, segundo depoimentos de agentes de segurança e gestores públicos, esquentada em serrarias peruanas antes de retornar ao país. O enfrentamento exige reforço na cooperação regional entre os países, segundo o diretor presidente do Fórum, já que o problema é transnacional. “Acho que o Centro de Cooperação Policial, criado em Manaus, em agosto, pode ser uma boa saída”, embora seja preciso incluir, na visão do pesquisador, mais agências, inclusive federais.


A Amazônia, diz Lima, virou uma região fundamental para o negócio da droga, que ajuda a capitalizar outras atividades. “Ainda é o produto mais rentável, é um dos mercados mais rentáveis do mundo.”
A entrada em outros mercados dá acesso a volumes maiores de capital, como é o caso dos combustíveis. “Então tem uma aparente diferença entre o que é faturamento, porque você tem que consumir muito combustível para poder dar conta de lavar o dinheiro da cocaína.”


O Alto Solimões, segundo o relatório, que abrange nove municípios na porção sudoeste do Amazonas, ajuda a explicar desafios do enfrentamento ao crime organizado. Por um lado, a área de 213 mil quilômetros quadrados, com 1,2 habitante a cada unidade, apresenta um perfil de população jovem, empobrecida e dependente de políticas sociais em meio aos 281,5 mil habitantes —54% deles indígenas.


Por outro, o território favoreceu historicamente a região como um corredor para organizações criminosas, favorecendo a criação de zonas sem fiscalização ou controle, como as fronteiras secas entre Tabatinga, no Brasil, e Letícia, na Colômbia. Este é um dos principais locais de favorecimento dos investimentos em negócios ilícitos.


Para enfrentar problemas cujo local já é conhecido, diz Lima, é preciso reforçar a investigação, inclusive sobre o patrimônio, e recuperar territórios. Mas o Estado precisa permanecer, oferecer alternativas de renda e serviços a essas populações e ajudar a movimentar a economia.


Junto com o impacto ambiental e a violência generalizada, o estudo também registrou aumento de registros de estupro na região, com 13.312 ocorrências no ano passado e alta de 4,3% na comparação com 2023. A média também está 36,8% acima da média nacional.


O estudo destaca como riscos as redes de acolhimento frágeis ou inexistentes. A vida em áreas isoladas, como áreas de garimpo, e bolsões com incidência de casamento infantil, são apontados como fatores de aumento do problema.

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