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Com medo, testemunhas dizem que policial matou homem desarmado no Jacarezinho

“O policial entrou, perguntou ‘Cadê a arma? Cadê a arma?’ e escutei o barulho do tiro”, relatou uma das moradoras da casa.

FolhaPress

29/06/2022 21h15

Igor Mello
Rio de Janeiro, RJ

Quatro testemunhas de umas das 28 mortes na Operação Exceptis – realizada na favela do Jacarezinho, em maio de 2021- confirmaram nesta quarta-feira (29) que o policial civil Douglas de Lucena Peixoto Siqueira atirou em um homem desarmado e ferido dentro da casa onde viviam. Elas também disseram se sentir ameaçadas pela presença ostensiva de dezenas de agentes da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), colegas dos dois policiais que são réus no processo.

Lucena é réu pelo assassinato de Omar Pereira da Silva, 21 anos, e por fraude processual. Já o policial Anderson Silveira Pereira também responde por fraude processual – segundo o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), os dois adulteraram a cena do crime, removendo o corpo e plantando uma granada na cena do crime.

Todas as testemunhas confirmaram os depoimentos dados durante a investigação e afirmaram que Lucena disparou contra Omar sem que ele fizesse qualquer menção a reagir, já que estava desarmado, baleado no pé e confinado no quarto de uma menina de 9 anos. Elas também afirmaram que o jovem não tinha nenhuma arma ou granada em todo o tempo que permaneceu na casa.

“O policial entrou, perguntou ‘Cadê a arma? Cadê a arma?’ e escutei o barulho do tiro”, relatou uma das moradoras da casa.

A pedido da defesa, o juiz revogou a maior parte das medidas cautelares contra os dois réus. Eles estavam afastados de todas as atividades externas, ficaram proibidos de entrar em contato com testemunhas ou qualquer morador do Jacarezinho, bem como foram impedidos de entrar em qualquer unidade da Polícia Civil ou da Polícia Militar no entorno da comunidade.

Foi mantida apenas a proibição de que eles participem de operações no Jacarezinho ou mantenham contato com as testemunhas. Com isso, os policiais podem voltar às ruas.

Pouco antes do início da audiência -a primeira do único caso em que policiais civis respondem por possíveis crimes cometidos na operação mais letal da história do Rio de Janeiro-dezenas de policiais civis da Core chegaram juntos ao auditório do II Tribunal de Juri. Eles estavam com trajes de combate, assim como alguns policiais rodoviários federais também presentes. Os agentes ocuparam grande parte dos lugares disponíveis no auditório.

Ao serem ouvidas, três testemunhas disseram sentir medo de prestar depoimento na presença de dezenas de policiais civis da Core que o estavam no auditório. Elas alegaram temer pela própria vida e a segurança de sua família.

DEFENSORIA QUESTIONOU “INTIMIDAÇÃO”

Após o depoimento da primeira testemunha, a Defensoria Pública do Rio -que atua como assistente de acusação-questionou a presença dos policiais e pediu que os demais depoimentos fossem feitos sem público. Segundo os defensores, testemunhas acompanhadas pela entidade por estarem sob proteção relataram medo de depor na frente dos colegas dos réus. “[A presença dos policiais] Tem óbvio caráter intimidatório”, argumentou o defensor público Daniel Lozoya, do Nudedh (Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos).

O juiz Daniel Werneck Cotta saiu em defesa dos policiais da Core. Segundo o magistrado, a presença dos policiais é legítima.

“Não podemos taxar determinadas pessoas como representantes de um risco a uma audiência em processo público, ainda mais policiais contra os quais não pesa nenhuma acusação”, disse ele.

O juiz ainda afirmou: “Não podemos admitir que uma imputação a dois policiais civis justifique que qualquer pessoa tenha receio de estar na presença de todos os outros agentes da corporação, ainda que da mesma unidade”.

O policial civil Douglas de Lucena Peixoto Siqueira se tornou réu pelo assassinato de Omar Pereira da Silva, de 21 anos, durante a operação no Jacarezinho, que deixou 28 mortos -a mais letal da história do Rio. Ele também responde por fraude processual ao lado do colega Anderson Silveira Pereira.

CONTRADIÇÕES DE TESTEMUNHAS

A última testemunha teve uma série de contradições exploradas pelo Ministério Público e pela defesa dos policiais civis.

Um dos moradores da casa mudou a versão dada ao Ministério Público em depoimento durante as investigações em diversos pontos. O principal deles diz respeito ao momento da morte de Omar.

Ao MP, ele disse que viu o policial atirando duas vezes no jovem, uma delas tendo atingido o seu braço, e outras duas dentro do quarto onde ele foi morto para simular um confronto. Já na audiência, ele disse ter ouvido apenas um disparo, mas não viu Omar sendo atingido.

O jovem afirmou ainda que um delegado da Polícia Civil intimidou sua família pouco depois de o corpo ser removido da casa.

“Ele falou: “Se vocês não contribuírem com a gente vamos levar vocês presos e a criança para o juizado de menores”. Isso filmando a gente. Aí começou a perguntar: “Ele entrou na casa de vocês?”. Quando a gente começou a falar que eles entraram e mataram o garoto, que não precisava disso, ele disse que não era isso que ele queria saber”, relatou o jovem.

Outra contradição entre os depoimentos das testemunhas é se o primeiro depoente, que não é membro da família, havia dormido na casa da família na véspera da operação ou se chegou à casa junto com Omar. O rapaz e duas outras testemunhas disseram que ele havia dormido no imóvel e estava com a família no momento da chegada de Omar. Já um outro depoente diz que Omar e a primeira testemunha chegaram juntas ao local.

A primeira testemunha, que tinha um mandado em aberto por associação ao tráfico, relatou ainda ter sido espancado por policiais após ser sarqueado –jargão policial para verificação da ficha criminal. Ele também disse que foi obrigado a carregar o corpo de Omar.

As agressões foram confirmadas por mais uma testemunha.

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