Menu
Brasil

Com crise do clima, mercado de arte tenta mudar impacto do setor no meio ambiente

Com crise do clima, mercado de arte tenta mudar impacto do setor no meio ambiente

Redação Jornal de Brasília

12/10/2021 11h00

CAROLINA MORAES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Críticas ao impacto da vida humana na Terra não são novas nas artes visuais. Olafur Eliasson denunciou o derretimento das geleiras com instalações e fotos de gelos se desmanchando. Frans Krajcberg, ativista ambiental, defendia a natureza com esculturas disformes, em referência ao desordenamento do meio ambiente, para ficar só em dois exemplos.

Mas esses comentários não encontravam correspondência no mercado de arte propriamente. O número de feiras, por exemplo, só cresceu nas últimas décadas, bem como o número de viagens de avião, de gasto de energia e de transporte de obras embaladas com toneladas plástico e madeira.

Obras críticas à presença predatória na Terra, portanto, são levadas de uma ponta a outra do globo causando o impacto que elas denunciam –mas uma série de iniciativas mira mudar esse quadro nos próximos anos, na esteira das discussões sobre a crise do clima.

Uma resposta coletiva à crise do clima nesse setor aparece na criação da Gallery Climate Coalition, a GCC, em outubro de 2020. A organização internacional criou manuais e metas para os membros reduzirem o impacto ambiental, e a ideia é que até 2030 eles diminuam, coletivamente, pelo menos 50% das emissões de carbono e cheguem próximo ao desperdício zero de materiais.

Existem muitas maneiras das instituições culturais mudarem sua pegada ecológica –trocar o tipo de combustível de geradores dos eventos, enviar obras em navios em vez de aviões e priorizar deslocamentos terrestres são algumas delas.

Duas galerias paulistanas, aliás, estão entre os membros da GCC. Lucas Cimino, sócio da Zipper, conta que o espaço já produz energia com placas solares no edifício, recicla os materiais usados para embalagem e tem uma parceria com a SOS Mata Atlântica para reflorestamento.

Na prática, a galeria já emite menos carbono do que produz, e até o fim do ano também deve captar a água da chuva no edifício.

“É uma questão de tempo para isso ser o mínimo que você tem que fazer”, diz Cimino, para quem esse é um movimento similar ao que aconteceu com as redes sociais no começo dos anos 2010. “A galeria não ser só uma questão de arte, mas de referência comportamental, é de extremo valor.”

Cimino conta que o projeto de tornar a galeria sustentável surgiu espelhada no movimento de empresas de outros setores, como de tecnologia, que começaram a reduzir a produção de resíduos e a repensar a poluição que geraram.
Trata-se de uma questão geracional na avaliação de Cimino –e corrobora com isso a série de produtos nas gôndolas que se vendem com um discurso ambiental de embalagens biodegradáveis e insumos não poluentes.

Mas ele também reforça que esse não é um debate que ele vê acontecer entre associações de galerias, por exemplo, e que ainda engatinha no Brasil. Seria factível, então, que um setor que ainda começa a debater o tema reduza em 50% o impacto que gera na próxima década, como a GCC propõe?

Para Cristina Tovoli, diretora da galeria Jaqueline Martins, sim. O espaço passa por uma avaliação geral do que é possível adaptar, apesar de já usarem luzes de led, que gastam menos energia, e terem reduzido a mobilidade de obras.

Ela conta que há uma mobilização da GCC para que os membros forneçam dados a tempo da COP-26, em novembro.
“Parece que chegou a vez de olhar para o setor de arte nessa perspectiva”, diz Tovoli, que já discutia questões de sustentabilidade em outras áreas antes de entrar para o mundo da arte dez anos atrás. “Por isso tanta coisa está acontecendo simultaneamente em instituições.”

O grande problema desse mercado, diz Tovoli, é justamente o transporte. Na escala de uma galeria como a Jaqueline Martins, é possível repensar a logística com alguma facilidade. Mas quando o que está em jogo são Bienais ou feiras como a Art Basel, é mais difícil fechar a equação.

Mesmo assim, esses grandes atores também começam a se movimentar. A Christie’s, uma das maiores caisas de leilão do mundo, se comprometeu a atingir a meta estabelecida pela GCC e também deve mudar o transporte aéreo para o terrestre ou marítimo onde for possível.

Já a feira de arte contemporânea Frieze mudou o tipo de combustível de seus geradores após descobrir que essa era a maior fonte de produção de carbono do evento. As emissões diminuíram em 67% desde que a alteração foi feita, entre 2018 e 2019.

“A globalização levou a uma circulação muito maior de obras e, portanto, a um gasto muito maior de transporte, deslocamento, caixas”, diz Fernanda Feitosa, diretora da SP-Arte. “Cada obra de arte é envolvida num papel, plástico bolha, depois numa espuma, vem uma caixa e, aí, vai para o avião. E depois tudo tem que voltar.”

Para ela, esse é um debate que vem ganhando tração, e indica que alguns artistas, como a Erika Verzutti, também têm migrado para materiais menos poluentes para criar suas obras.

Concorda Brenda Valansi, presidente da ArtRio, que também conta que o evento de 2022 terá uma consultoria especializada em projetos de sustentabilidade para compensar carbono em todas as etapas da feira.

Na SP-Arte deste ano, segundo Feitosa, já há uma nova diretriz no manual da feira para que todos os participantes recolham e tentam reaproveitar o lixo que geram. O evento também contrata, desde 2007, uma empresa especializada em neutralização de carbono.

Ela avalia que o próximo passo para a feira seria criar uma diretriz geral para todas as galerias no evento reduzirem cada vez mais a quantidade de lixo que geram, ou proporem um trânsito de obras que impacte menos o planeta, mas não há planos concretos para isso acontecer.

“O mercado de arte atua dentro de um contexto de pessoas formadoras de opinião e de comportamento”, diz ela, que também acredita que o público da feira deve estar cada vez mais atento a quais instituições culturais se engajam com a discussão ambiental.

“Essa consciência é ganhada com o tempo, que talvez seja maior do que a gente gostaria porque há falta de uma campanha generalizada nesse sentido.”

Metas do mercado de arte Criada em outubro de 2020, a Gallery Climate Coalition, a GCC, tem como meta que seus membros reduzam, coletivamente, pelo menos 50% das emissões de carbono e chegue próximo do desperdício zero de materiais A contemporânea Frieze é um dos membros da GCC e mudou o tipo de combustível de seus geradores após descobrir que essa era a maior fonte de produção de carbono do evento; as emissões diminuíram em 67% desde que a alteração foi feita, entre 2018 e 2019

No Brasil, a galeria Zipper atingiu a meta de zerar sua emissão de carbono com produção de energia com painéis solares, reciclagem de materiais e reflorestamento de áreas de Mata Atlântica; já a também paulistana Jaqueline Martins faz um mapeamento geral do impacto do espaço no meio ambiente para planejar mudanças futuras; ambas são membros da Gallery Climate Coalition.

Uma série de outros eventos também querem aumentar a consciência do setor em relação à crise do clima, como um leilão da Christie’s, uma das maiores caisas de leilão do mundo, em parceria com a GCC A organização internacional de proteção ao meio ambiente WWF também lançou uma campanha que envolve leilão de obras, campanhas em parceria com museus e em mídias sociais.

Folha Press

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado