Em meio a um recorde de letalidade policial em São Paulo, uma ordem do 9º Comando de Policiamento de Área Metropolitano (CPA/M-9), responsável por atuar na zona leste da capital, determinou a suspensão de férias e licença-prêmio de policiais militares envolvidos em ocorrências com morte, além do afastamento automático dos agentes para serviço administrativo.
A medida foi anulada após cerca de 20 dias em vigor, mas nenhum PM ficou sem férias ou licença-prêmio, segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP).
A ordem de serviço para afastar PMs que participaram de confrontos com morte foi assinada pelo comandante do CPA/M-9, o coronel da PM Regis Moyzés Pereira, no dia 13 de julho. O oficial entrou de férias um dia depois, segundo informa publicação no Diário Oficial do Estado. O objetivo, diz o documento, era acelerar as investigações de casos em que suspeitos morreram em ações policiais.
“Esses Comandantes deverão adotar providências para que todo Policial Militar envolvido em ocorrência de Morte Decorrente de Intervenção Policial, sejam escalados em horário de expediente administrativo, devendo ter suas férias ou licença-prêmio suspensas até o término das apurações”, afirma a o 1º item da ordem de serviço.
No segundo item, o coronel justifica a determinação. “Tal medida visa dar maior celeridade às Instruções dos Inquéritos Policiais Militares, pois os envolvidos estarão maior tempo à disposição das autoridades policiais militares incumbidas dos inquisitivos”, diz.
No dia 30, o coronel Regis Moyzés Pereira chegou a assumir interinamente o Comando de Policiamento da Capital (CPC), ao qual o CPA/M-9 é subordinado, para cobrir férias do coronel Celso Luiz Pinheiro. Segundo apurou a reportagem, a PM optou por esperar o retorno do comandante do CPC para anular a medida e assim não criar constrangimento com o interino. A ordem de serviço foi suspensa nesta terça-feira, dia 1º.
A medida deixou descontente parte da corporação, que fez críticas em redes sociais e grupos de PMs no Whatsapp. “Um documento desse não é só arbitrário, é absurdo”, afirmou o deputado estadual Coronel Telhada (PSDB), ex-comandante das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota). “Sem querer me impor contra o comando do coronel, mas a mensagem que passa para a tropa é que quem trabalhar e matar um bandido vai se prejudicar, então o bom policial é o que não faz nada.”
Especialista em segurança pública, o coronel reformado da PM José Vicente Filho afirma que a “intenção é boa”, mas que a ordem deveria caber ao Comando-Geral da Polícia Militar. “Após um evento de letalidade, há uma propensão muito grande a acontecer stress pós-traumático, que pode afetar o comportamento do policial em serviço. Então, deve afastar para fazer a reavaliação psicopedagógica, goste ou não policiais e políticos.”
“É importante que o comando sinalize que a letalidade é um problema para a instituição, mesmo quando ela ocorre em situação absolutamente legítima”, disse Vicente Filho. Segundo o especialista, as férias dos policiais já podem ser adiadas porque dependem da necessidade de serviço. Um exemplo, diz, foi em 2006, quando houve ataques orquestrados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC). “Os policiais têm direito a férias, mas o momento de usar esse direito precisa passar pelo crivo do direito público.”
No primeiro semestre de 2017, o número de mortes causadas por policiais civis e militares no Estado foi o maior dos últimos 14 anos para o período, com 459 mortes ao todo. Desde que a série histórica foi iniciada, em 2001, só em 2003 o número foi mais alto, com 487 casos. Comparada ao ano passado, a estatística deste ano é 13,8% maior.
Posicionamento
Em nota, a PM diz que “acompanha, monitora, analisa e adota rigorosas providências no sentido de entender as razões e de diminuir o número de mortes de seus agentes e daqueles que os confrontam”.
Segundo a SSP, a ordem de serviço do coronel Regis Moyzés Pereira foi “avaliada e revogada pelo próprio CPA/M-9”. “Todas as medidas adotadas passam por avaliações periódicas para verificar suas eficácias. Nenhum policial da região teve férias ou licença-prêmio suspensas pela ordem de serviço”, afirma a nota.
Sobre a letalidade, a pasta diz que desenvolve ações para reduzir as estatísticas e que todos os casos registrados são “rigorosamente apurados para constatar se a ação policial foi realmente legítima”.
“No entanto, é importante ressaltar que opção pelo confronto é sempre do criminoso”, afirma a SSP. “Houve, nos primeiros seis meses do ano, 1.850 pessoas que se envolveram em confrontos apenas com PMs em serviço. O índice de criminosos que morreram após reação da polícia para combater crimes foi de 17%. Ou seja, na grande maioria dos casos, o confronto não resulta em óbito.”
Fonte: Estadao Conteudo