As ruas do centro de Belém foram tomadas na manhã deste domingo (16) pela caminhada “Mulheres por Justiça Climática – Do Mar do Rio 92 às Águas de Belém na COP 30”, que reuniu cerca de 200 participantes, segundo as organizadoras.
O ato marcou o reencontro de mulheres de diferentes gerações e origens em torno da defesa da vida, da justiça climática e da igualdade de gênero. A mobilização retomou uma trajetória iniciada há 33 anos, durante a Eco-92, no Rio de Janeiro, quando o espaço Planeta Fêmea reuniu lideranças feministas de vários países e inseriu de forma inédita a perspectiva das mulheres no debate socioambiental global.
A ação foi promovida pela Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), Instituto Alziras, Marcha das Margaridas e Marcha das Mulheres Negras, reunindo ativistas feministas, antirracistas e internacionalistas do Brasil e de países da América Latina.
Para Raquel Ribeiro, da AMB, o ato teve forte peso político por destacar, dentro da extensa agenda da COP 30, os impactos diferenciados da crise climática sobre a vida das mulheres. Ela explicou que, historicamente responsáveis pelos cuidados, pela reprodução e pela proteção dos territórios, as mulheres sentem de forma direta o avanço do aquecimento global e do desmatamento. Segundo Raquel, essas condições aprofundam desigualdades já existentes e tornam ainda mais pesada a sobrecarga enfrentada por mulheres que vivem dupla ou até tripla jornada.
Barco Feminista e Antirracista abriu a programação
A programação começou nas primeiras horas do dia com um café da manhã coletivo que reuniu representantes de movimentos sociais, convidadas e lideranças. Durante o encontro, ocorreram falas consideradas importantes pela organização, além da distribuição de fitinhas do Círio com frases feministas, todas bordadas à mão pelo coletivo Linhas do Horizonte, de Minas Gerais, simbolizando a união entre tradição e mobilização política.
Logo depois, teve início o deslocamento do Barco Feminista e Antirracista, que partiu da Universidade Federal do Pará, sede da Cúpula dos Povos. A embarcação conduziu cerca de 100 representantes de movimentos sociais, autoridades, artistas, jornalistas e lideranças. O barco atracou por volta das 13h na Estação das Docas, trazendo cartas escritas por mulheres de várias regiões do país. As mensagens haviam sido coletadas durante a Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em Brasília, e foram transformadas em painéis bordados pelo coletivo mineiro que participou voluntariamente de todo o processo.
Michelle Ferreti, diretora do Instituto Alziras, afirmou que a ação cria uma ponte simbólica entre as águas da Eco-92 e as águas de Belém na COP 30, resgatando o gesto das feministas que, há três décadas, lançaram cartas ao mar em defesa do planeta. Raquel Ribeiro também comentou a presença das cartas bordadas e descreveu o momento como emocionante e doloroso ao mesmo tempo. Ela destacou que muitos dos desafios denunciados há 33 anos ainda permanecem e que reconhecer essa continuidade reforça o compromisso político das mulheres que constroem a COP 30 hoje.
Caminhada
Após o desembarque, o grupo seguiu em caminhada por quatro quadras até a Praça da República, onde houve apresentações artísticas, cantos, tambores, performances e a leitura de trechos das cartas. O percurso reuniu mulheres indígenas, quilombolas, ribeirinhas, negras, urbanas, jovens e representantes de movimentos latino-americanos.
A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, acompanhou o ato e ressaltou a importância de ampliar as vozes das mulheres na defesa dos territórios. Em sua fala, destacou que a coragem feminina tem aberto caminhos para que novas gerações ocupem espaços de decisão e reforçou a necessidade de enfrentar o racismo estrutural e institucional.
A presidente da Comissão da Mulher na Câmara, Célia Xakriabá, também participou da mobilização. Ela afirmou que as cartas transportadas pelo barco representam mulheres que tiveram suas trajetórias interrompidas por violências territoriais, ambientais e de gênero. A deputada mencionou referências históricas como Tuíra Kayapó e relembrou casos emblemáticos de violência contra mulheres indígenas, negras e trans, destacando que o ato simboliza a continuidade das lutas por direitos, justiça e proteção dos corpos e territórios.
A chegada à Praça da República foi marcada pela exibição do vídeo “Planeta Fêmea”, produzido durante a Eco-92, conectando simbolicamente o ato de 1992 com o realizado neste domingo. O encerramento prestou homenagem às paraenses Antônia Ferreira dos Santos e Marly Vianna Barroso, quebradeiras de coco babaçu assassinadas em 3 de novembro, lembradas como defensoras da floresta e dos territórios tradicionais.