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Brasil

Alta de temperatura pode dobrar número de mortes infantis no Brasil, diz estudo

A análise faz parte de um relatório sobre os efeitos das mudanças climáticas na saúde de mães, bebês e crianças, publicado em julho de 2025

João Victor Rodrigues

15/11/2025 9h19

sp temperatura

Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

CLÁUDIA COLLUCCI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O aumento das temperaturas pode levar a uma alta recorde de mortes de crianças menores de cinco anos no Brasil nas próximas décadas, mesmo com as projeções de redução da população infantil e da queda da mortalidade geral devido ao crescimento da expectativa de vida.


É o que revela uma nova análise feita por pesquisadores da LSHTM (London School of Hygiene & Tropical Medicine), em parceria com a Fiocruz Bahia e com apoio da Wellcome Trust. Foram investigados os impactos de dois cenários de emissões de carbono em 130 municípios brasileiros, de todas as regiões, entre 2049 e 2059.


A análise faz parte de um relatório sobre os efeitos das mudanças climáticas na saúde de mães, bebês e crianças, publicado em julho de 2025.


Hoje, a taxa média de mortalidade infantil associada ao calor é de 1,07 por 100 mil crianças. No cenário de altas emissões de carbono (SSP5-8.5), com projeção de aumento de temperatura entre 4°C e 5°C, o crescimento de mortes infantis pode chegar a 87% em apenas uma década –a taxa passaria para 2 por 100 mil habitantes, praticamente o dobro.


Mesmo em cenários moderados, com emissões intermediárias de carbono (SSP2-4.5) e aumento de temperatura entre 2,5°C e 3°C, o número de mortes de crianças pode subir até 50%. A taxa de mortalidade chegaria a 1,47 por 100 mil.


Na prática, isso significa que o aquecimento global pode reverter parte das conquistas em sobrevivência infantil obtidas nas últimas décadas.


Para a pesquisadora Enny Paixão Cruz, professora associada da LSHTM e pesquisadora da Fiocruz Bahia, os números mostram uma ameaça real e crescente. “Se nada for feito para mitigar o aquecimento global e o pior cenário se concretizar, teremos quase o dobro de óbitos em menores de cinco anos do que seria esperado caso a temperatura não aumentasse.”


A análise usou dados de temperatura e mortalidade entre 2000 e 2019, combinados com projeções populacionais dos Censos de 2010 e 2022. O modelo indica que cada aumento de 1°C acima de um valor de referência já elevado (percentil 75) cresce de forma consistente o risco de morte entre crianças pequenas -com efeitos acumulados em até sete dias.


As crianças são especialmente vulneráveis às altas temperaturas porque, entre outros motivos, perdem fluídos e eletrólitos mais rapidamente por meio da transpiração, tornando-as mais suscetíveis à desidratação.


Segundo o infectologista Victor Horácio de Souza Costa Júnior, do Hospital Pequeno Príncipe (PR), os impactos das mudanças climáticas já são visíveis no cotidiano do serviço de saúde. Há cinco anos, os atendimentos de bronquiolites e pneumonias, por exemplo, se concentravam entre abril e julho. Agora, ocorrem durante todo o ano.


“Estamos vendo aumento das doenças respiratórias por causa das variações extremas de temperatura, que reduzem o sistema imunológico da criança. Também cresce o risco de desidratação e de doenças transmitidas por vetores, como dengue, zika e chikungunya.”


O pesquisador Willian Cabral, do Instituto Pensi, explica que ondas de calor e poluição têm impacto direto nos prontos-socorros. “Identificamos que dias com poluição mais alta estão associados a mais atendimentos por doenças respiratórias.”


O estudo mostra também grandes variações regionais. Municípios do Norte e Nordeste, historicamente mais vulneráveis, devem sofrer impactos maiores do que os do Sul e do Sudeste. As diferenças em saneamento, habitação e acesso à saúde explicam grande parte dessa disparidade.


O pediatra e infectologista Renato Kfouri, embaixador do Movimento Médicos pelo Clima, do Instituto Ar, destaca que o clima afeta sobretudo as crianças mais pobres.


“Quando secas e eventos extremos atingem populações vulneráveis, escolas e postos de saúde ficam inacessíveis, a vacina não chega, o alimento não chega. As crianças desidratam com mais facilidade e isso repercute no crescimento, na nutrição e até no desenvolvimento cognitivo.”


Ele lembra ainda que queimadas e poluição agravam crises respiratórias e alteram a sazonalidade de vírus como influenza e o sincicial respiratório (que causa bronquiolite), que já circulam fora de época.


Embora os cenários sejam alarmantes, os pesquisadores ressaltam que não são inevitáveis. A diferença entre um aumento de 50% e de 87% nas mortes infantis depende das escolhas políticas e econômicas dos próximos anos.


Para Márcia Kalvon, diretora executiva do Infinis (Instituto Futuro é Infância Saudável), o ponto central é reconhecer que o Brasil é profundamente desigual e que as crianças são afetadas de forma muito diferente dependendo do território.


Por isso, segundo ela, políticas precisam ser guiadas por dados e voltadas às infâncias mais vulneráveis. Casas, creches, unidades básicas de saúde e espaços de lazer devem ser adaptados para ondas de calor, enchentes e surtos de vetores.


Victor Viana reforça a necessidade de capacitar profissionais de saúde e fortalecer a atenção primária. “É essencial identificar precocemente desidratação, exaustão pelo calor e agravamento de doenças respiratórias. Investir em saneamento e água potável é imprescindível para reduzir desidratação e diarreias.”


Kfouri acrescenta que escolas precisam ser mais ventiladas, praças e áreas verdes devem ser expandidas e políticas de redução de poluentes devem avançar. “Quem mais sofre são aqueles que têm menos acesso a serviços de saúde, alimentação, vacinas e tratamento. Clima e saúde precisam caminhar juntos.”


De acordo com o estudo, medidas como o fortalecimento das políticas de mitigação climática, a ampliação de sistemas de alerta para ondas de calor e a adaptação das redes de saúde pública podem reduzir significativamente os riscos.


“Mesmo com o avanço da medicina e da infraestrutura, o calor extremo se tornará uma ameaça crescente à sobrevivência infantil no Brasil. O desafio está em agir agora para evitar que o futuro seja ainda mais quente e letal para nossas crianças”, dizem os pesquisadores no texto publicado.


O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde.

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