PATRÍCIA PASQUINI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No Brasil, 87,7% dos hospitais públicos e privados brasileiros administram antibióticos de forma indiscriminada. É o que mostra um estudo divulgado nesta quarta-feira (20) pelo (IQG) Instituto Qualisa de Gestão. Na mesma data, a SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) lançou a campanha “Será que precisa? Evitando a resistência antimicrobiana por antibióticos e antifúngicos”.
Segundo a levantamento, 94,7% das instituições participantes possuem um programa de controle de infecção hospitalar, mas não há adesão aos protocolos e diretrizes do uso racional de antimicrobianos.
O trabalho também revelou que um quinto dos hospitais do país não ajustam de forma correta a dosagem de antibióticos.
“O paciente não nasce sabendo usar antibiótico. Ele aprendeu isso em algum lugar e toma de qualquer maneira. Se hoje queremos uma discussão para mudar esse cenário, precisamos fazer um exercício dentro do próprio sistema de saúde”, afirma Mara Machado, CEO do IQG.
“O que nós queríamos, na verdade, era fazer uma pesquisa para entender porquê em 30 anos nós não conseguimos mudar o comportamento dos profissionais de saúde quando se fala sobre o uso de antimicrobianos, quanto os profissionais e os gestores da saúde conhecem sobre o assunto e, mais do que isso, levar à discussão do quanto impacta no meio ambiente”, completa Mara, ao destacar que desde 1997 o Brasil tem uma legislação sobre a obrigatoriedade do programa de controle de infecção.
Para a pesquisa Uso Racional de Antimicrobianos no Brasil: Diagnóstico Atual e Riscos Ambientais Emergentes, realizada de 10 de fevereiro a 9 de março de 2025, o IQG enviou questionários online a farmacêuticos, infectologistas e diretores de 300 hospitais públicos e privados de todas as regiões do Brasil; 104 responderam -a maioria do Sul e do Sudeste. O instituto de pesquisa garantiu sigilo aos funcionários, por isso os hospitais não foram identificados.
Segundo a Confederação Nacional de Saúde, o Brasil possui 7.309 hospitais (último dado, de 2024).
Os 104 hospitais não possuem um comitê stewardship, ou seja, que controle o uso de antibióticos. Todos descartam a medicação sem protocolo específico.
“Nenhuma instituição utiliza uma lista que a Organização Mundial da Saúde publicou em 2017 sobre a relação correta do uso de antibióticos. Em 2021, a OMS lançou um novo conceito que é o One Health, quer dizer, saúde humana, animal e ambiental. O Brasil ainda não conseguiu juntar todos esses conceitos dentro desse processo. E o mais complexo é que os antibióticos mais utilizados têm impacto ambiental e risco muito alto para resistência antimicrobiana”, alerta Mara Machado.
OS ANTIBIÓTICOS MAIS UTILIZADOS
Substância Impacto Ambiental Risco de Resistência Antimicrobiana (Ram)
Amoxacilina + Clavulonato alto alto
Azitromicina alto alto
Ceftriaxona alto alto
Ciprofloxacino muito alto muito alto
Clindamicina alto alto
Levofloxacino muito alto muito alto
Meropenem muito alto muito alto
Metronizadol alto alto
Piperacilina alto alto
Sulfametoxazol + Trimetropina muito alto muito alto
Tazobactam alto alto
Vancomicina alto alto
Voriconazol muito alto muito alto
O estudo também evidenciou a falta de conhecimento dos médicos não infectologistas. “Aqueles que se dedicaram a estudar sobre isso sabem muito, publicam muito, mas não contam para os demais o que é necessário. Então, a resistência antimicrobiana é o que chamamos de tragédia dos comuns. O benefício individual de hoje rouba a sobrevivência coletiva de amanhã. Esse conceito veio da economia e da ciência social, mas que estamos vivendo hoje dentro da saúde e precisamos começar a refletir, porque quem vai pagar tudo isso no final são as próximas gerações”, diz a CEO.
Na opinião da infectologista Ana Gales, coordenadora do Comitê de Resistência Antimicrobiana da SBI, fazer uso empírico e sem evidências pode levar a outros graves problemas de saúde pública. A resistência aos antibióticos é um fator agravante em muitos casos de morte, por exemplo, em UTIs.
“São riscos desnecessários que poderiam ser evitados com maior controle. Os hospitais possuem as comissões de controle de infecção hospitalar, mas existem muitas falhas”, completa a especialista.
NO BRASIL
de 40% a 60% das klebsiella pneumoniae em hospitais brasileiros já são resistentes a carbapenêmicos -antibióticos usados como último recurso no tratamento de infecções bacterianas graves, em especial as causadas por bactérias resistentes a outros antibióticos; em UTIs, até 80% de algumas bactérias não respondem mais a antibióticos de última linha; 50% das prescrições hospitalares de antibióticos são inadequadas; infecções resistentes aumentam tempo de internação em até 20 dias (custo extra médio R$ 25 mil por paciente) resíduos de antibióticos já são encontrados em rios brasileiros. Fontes: Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), OMS (Organização Mundial da Saúde) e Fiocruz
COMO REVERTER O CENÁRIO
Para o IQG, além de técnico, a resistência antimicrobiana deve ser encarada como um problema político e social. Não adianta controlar antibióticos no hospital se eles continuam sendo usados sem critério em animais, despejados em rios e prescritos sem
PANORAMA GLOBAL DA RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA
Se nada for feito, até 2050 o mundo terá até 10 milhões de óbitos por ano e superará o câncer como causa de morte.
Um estudo conduzido pelo economista James O’Neill, a pedido do governo do Reino Unido, que projetou um cenário catastrófico para 2050. Se nada for feito, as infecções resistentes aos antibióticos deverão causar 10 milhões de mortes por ano na metade do século e provocar perdas na economia que podem chegar a US$ 100 trilhões.