O caminho da legalização da cannabis no Brasil é sinuoso, ramificado e repleto de obstáculos. Contudo, avanços da medicina e crescentes batalhas judiciais pelo direito ao cultivo, estão pouco a pouco, legalizando a cannabis para determinados fins.
Enquanto mais países aderem à legalização para uso recreativo, cresce a pressão sobre juristas e legisladores brasileiros para expansão do direito de posse e cultivo. Quais serão os próximos passos?
Um Pouco de História
Os primeiros relatos da erva em solo nacional datam ainda do século XVI, geralmente associado à chegada dos negros escravizados. Seu cultivo era incentivado durante o período colonial. A fibra de cânhamo era muito utilizada nos navios, em cordames e velas.
Em 1830, a posse da erva já era proibida no país, com punições que iam desde multas à cadeia, a depender da classe social do infrator. Contudo, a repressão mais severa ganhou força após 1930. Em 1938, veio a proibição completa do plantio em território nacional.
Conquistas Judiciais
A primeira autorização para importação de um derivado da cannabis para fins medicinais ocorreu apenas em 2014. Contudo, os custos de importação tornavam o medicamento inacessível para famílias mais carentes.
Até o momento, apenas duas associações possuem autorização legal para o cultivo da cannabis. Uma delas é a paraibana Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace), com autorização concedida em 2017. No Rio de Janeiro, a Associação de Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi), surgiu em 2014.
A Abrace também tem autorização para produzir derivados como óleos, pomadas e sprays. Atualmente, seus produtos atendem 12 mil famílias que pagam anuidade à Associação, que também atende 3 mil famílias de baixa renda gratuitamente.
Cultivo Caseiro
Autorizações para o cultivo caseiro, também chamado de ‘autocultivo’, têm crescido nos últimos anos. Grupos de advogados, como o Reforma, que atua em nove Estados com 26 advogados, ajudam pacientes em busca de reconhecimento legal.
O habeas corpus preventivo é o instrumento jurídico mais comum para autorizar o cultivo caseiro. De acordo com dados do Reforma, o número de conceções deste tipo de habeas corpus subiu de três, em 2016, para 16, em 2018. O advogado Emilio Figueiredo estima que o Reforma já tenha atuado em 95 autorizações, ao todo.
Encruzilhada Legal Eleva os Custos
O plantio de cannabis no Brasil voltou a ser permitido por lei em 2006, depois de mais de meio século de proibição. A lei 11.343, chamada de Lei das Drogas regulamenta o cultivo para uso medicinal. Contudo, pouco da lei saiu do papel nos anos seguintes.
Somente em 2014, a Anvisa autorizou a importação de produtos derivados de canabidiol. A autorização deveu-se grandemente à pressão jurídica e social exercida pelos grupos de mães de crianças com epilepsia.
Mesmo depois de legalizado, o canabidiol ainda era pouco acessível e algumas unidades custavam R$ 2mil reais ou mais. Em 2019, a indústria farmacêutica nacional foi finalmente autorizada a pesquisar, produzir e comercializar produtos à base de CBD.
Ainda que a Lei das Drogas regule o plantio de cannabis para fins medicinais desde 2006, a autorização concedida em 2019 só é válida se a indústria farmacêutica nacional importar a planta. Como resultado, o preço dos produtos à base de CBD proveniente desta indústria permanece alto.
Redução no Tempo de Espera
O processo de autorização para importação de CBD podia levar até 90 dias, para um paciente em 2014. A solicitação exigia extensa documentação, incluindo histórico de tratamentos e artigos científicos de referência. O processo burocrático em si já fazia com que muitos médicos evitassem recomendar o tratamento.
Atualmente, o tempo de espera foi reduzido para dez dias. Até o ano passado, cerca de 7 mil pacientes obtiveram esta permissão. Os preços também caíram, em relação à metade da última década. Agora, é possível encontrar unidades que custam entre R$100 e R$1.000, com proporções variadas de CBD e THC.
Uso Medicinal vs. Uso Recreativo
Enquanto a cannabis medicinal faz avanços legais inegáveis, o uso recreativo permanece estritamente proibido. Enquanto o uso medicinal tem se mostrado mais fácil de regulamentar, o uso recreativo traz um debate mais amplo e complexo.
Se a política de guerra às drogas, grande responsável pela escalada da violência urbana, não é a solução, quais seriam os resultados da legalização?
Antes ainda, quais seriam os critérios desta legalização? Qual seria a participação da iniciativa privada neste processo? Quais órgãos fiscalizariam e comercializariam a cannabis? Estas e outras discussões, essenciais para a viabilização de uma legalização responsável, seguem sendo adiadas na Câmara dos Deputados.
Conclusão
Imagem por Pixabay
A cannabis medicinal segue fazendo avanços incontestes, nos laboratórios e nos tribunais. Contudo, permanece inacessível para grande parte da população. A discussão sobre o uso recreativo continua estagnada. Parte do impasse parece tratar-se da ampla autorização para o cultivo caseiro. Tal autorização reduziria os custos na produção de óleos. Por fim, com o cultivo caseiro medicinal, abre-se caminho para o debate sobre o cultivo para fins recreativos.